Stethatos Capítulos Práticos 11-20

Nicetas Stethatos — Capítulos Práticos
11. Se teu intelecto claramente distingue as intenções de seus pensamentos e em sua pureza dá seu assentimento somente àqueles que são divinos; se tua razão pode interpretar os movimento físicos da totalidade da criação divina — ou seja, pode claramente elucidar as essências interiores das coisas; se noeticamente podes perceber a sabedoria celestial e o conhecimento espiritual: então através da luz do Sol da retidão transcendes toda a percepção dos sentidos e alcanças o que jaz além dela, e saboreias o deleite das coisas invisíveis.

12. O intelecto compreende quatro faculdades principais: juízo, sagacidade, apreensão noética, perspicácia. Se conjugas estas com as quatro principais virtudes da alma, ligando restrição da alma ao juízo do intelecto, compreensão robusta à sagacidade, retidão à apreensão noética e coragem à perspicácia, constróis para ti um carro celestial duplamente ardente que irá te proteger contra as três principais principalidades e poderes das paixões convocadas: avareza, auto-indulgência e amor do elogio.

13. Para dominar a vontade mundana do si mesmo decadente tens de preencher três condições. Primeiro, tens de superar a avareza pela adoção da lei da retidão, que consiste na paixão misericordiosa por seus companheiros; segundo,tens de conquistar a auto-indulgência através da auto-restrição prudente, quer dizer, através do auto-controle abarcante; e, terceiro, tens de prevalecer sobre teu amor do elogio através da sagacidade e compreensão robusta, em outras palavras através da discriminação exata em coisas humanas e divinas, atropelando tal amor sob os pés como algo tosco e sem valor. Tudo isto tens de fazer até que a vontade mundana é convertida na lei do espírito de vida e liberada da dominação pela lei do si mesmo exteriormente decadente. Então podes dizer, «Agradeço a Deu que a lei do espírito de vido tem me liberado da lei e domínio da morte» (cf. Rom 8,2).

14. Se aspiras ao espúrio louvor humano como se fosse algo autêntico, chafurdas em auto-indulgência por causa da insaciabilidade de tua alma, e através de tua cobiça entrelaças-te com a avareza, ou te farás a ti mesmo demoníaco através da auto-pretensão e arrogância, ou degenerarás em bestialidade através da gratificação da barriga e dos genitais, e te tornarás selvagem para outros por causa de tua vulgar avareza desumana. Desta maneira tua em Deus irá falhar, como Cristo disse que iria quando aceitasses louvor humano (cf. Jo 5,44); abandonarás a auto-restrição e pureza porque teus órgãos inferiores estão insaciavelmente acesos e sucumbirás ao apetite sem rédeas; e estarás apartado do amor porque ministras sozinho para ti mesmo e não socorres teus companheiros quando estão em necessidade. Como alguns monstros polifórmicos compostos assim de partes auto-antagonistas diversificadas, será o inimigo implacável de Deus, do homem e dos animais.

15. Se quanto elevados e ativos os poderes inteligente, apetitivo e irascível espontaneamente operam de acordo com a natureza, eles o fazem integralmente semelhante a deus e divino, firme em suas ações e nunca de maneira alguma deslocados do fundamento da natureza. Mas se, traindo sua própria natureza, segue um curso que é contrário à natureza, estes mesmos poderes o tornarão, como dissemos, em um mostro polimórfico, composto de muitas partes auto-antagonistas.

16. Nosso pode irascível jaz entre os aspectos inteligente e apetitivo de nossa alma; pois a ambos serve como uma arma, seja agindo de uma maneira que está de acordo com ou é contrária à natureza. Quando nosso desejo e inteligência, de uma maneira que está de acordo com a natureza, aspira ao que é divino, então nossa irascibilidade é para ambos os dois uma arma de retidão aplicada somente contra a silvante serpente que os persuadiria à indulgência em prazeres carnais e a valorizar o louvor dos homens. Mas quando falhamos em agir de acordo com a natureza e dirigimos nosso desejo e inteligência para o que é contrário à natureza, transferimos a atenção do que é divino às questões puramente humanas, então nosso poder irascível se torna uma arma de iniquidade a serviço do pecado, e a usamos para atacar e lutar contra aqueles que restringiriam as paixões e apetites dos outros poderes de nossa alma. Assim, seja estejamos engajados na prática ascética ou estejamos contemplativos e teólogos, quando agimos de acordo com a natureza provamos nós mesmos estar entre os membros fiéis da Igreja, e quando agimos contrariamente à natureza nos tornamos bestiais, selvagens e demoníacos.

17. Somente através do trabalho do arrependimento e da prática ascética assídua achamos restauração dos poderes da alma ao estado no qual estavam quando Deus originalmente formou Adão e nele soprou o sopro de vida (c. Gen 2,7), nunca seremos capazes de nos conhecer; nem seremos capazes de adquirir uma disposição que seja mestre das paixões, livre da arrogância, não super-curiosa, ardilosa, simples, humilde, sem inveja ou malícia, e que tome cada pensamento cativo e o faça obedecer Cristo (Cf. 2Co2Cor. 10,5). Nem será nossa alma acesa com o amor de Deus, nunca transgredindo os limites do auto-controle, mas contente com o que lhe é dado e ansiando pela serenidade dos santos. E se não alcançamos tal estado, nunca podemos adquirir um coração que é gentil, pacífico, livre da raiva, generoso, não-contencioso e pleno de misericórdia e alegria; pois nossa alma estará dividida contra si mesma e por causa da turbulência de seus poderes permanecerá impermeável aos raios do Espírito.

18. Se não reganhamos a beleza de nosso estado original, continuamente renovando a impressão da imagem nEle, que nos criou em sua semelhança (cf. Gen 1,26), mas ao invés nos distanciamos dEle através da disparidade de nossas qualidade, como podemos sequer entrar em união com Ele? Como podemos entrar em união com Ele que é luz quando bloqueamos a luz e adotamos seu oposto? E se não estamos unidos a Ele de quem recebemos a fonte de nosso ser, e através de quem viemos à existência de coisas que não são e foram feitas preeminentes sobre as coisas que são; e se, por causa de nossa dessemelhança com nosso Criador somos separados dEle, onde seremos lançados? Isto estará claro para aqueles que podem ver, mesmo se silencio.

19 Enquanto tivermos os material bruto das paixões dentro de nós mesmos e, ao invés de repudiá-lo, deliberadamente o alimentamos, as paixões prevalecerão sobre nós, derivando sua força de nós. Mas quando lançarmos fora este material bruto, limpando nossos corações com as lágrimas do arrependimento e execrando a ilusão das coisas visíveis, então compartilhamos da presença do Paracleto: vemos Deus na luz eterna e somos vistos por Ele.

20. Aqueles que romperam as cadeias da percepção dos sentidos estão livres de toda servidão aos sentidos: vivem somente no Espírito, comungando com Ele, impelidos por Ele, e levados através dEle em certa medida à união com o Pai e o Logos que são um em essência com Ele; e assim se tornam um único espírito com Deus, como diz São Paulo (cf. 1Co 6,17). Não somente estão isentos do domínio dos demônios mas verdadeiramente os enchem de terror, posto que compartilham do fogo divino e são de fato chamados fogo.