Nicetas Stethatos — CENTÚRIAS — CAPÍTULOS GNÓSTICOS
41. Há três estágios no caminho espiritual: o purgativo, o iluminativo e finalmente o místico, através do qual nos aperfeiçoamos. O primeiro pertence aos iniciantes, o segundo àqueles no estágio intermediário, e o terceiro ao perfeito. É através destes três consecutivos estágios que ascendemos, crescendo em estatura de acordo com Cristo e alcançando «humanidade madura, a medida da estatura da plenitude de Cristo» (Ef. 4,13).
42. O estágio purgativo pertence àqueles recentemente engajados na luta espiritual. É caracterizado pela rejeição do si mesmo materialístico, liberação do mal material, e investidura com o si mesmo regenerado, renovado pelo Espírito Santo (cf. Col 3,10). Envolve ódio da materialidade, a atenuação da carne, o evitar qualquer coisa que incita a mente à paixão, arrependimento pelo pecados cometidos, a dissolução com almas do sedimento amargo deixados pelo pecado, a regulação de nossa vida de acordo com a generosidade do Espírito, e a limpeza através da compunção do interior do cálice (cf. Mt 23,26) — o intelecto — de toda ilusão da carne e espírito (cf. 2Co 7,1), de modo que possa então ser preenchido com o vinho do Logos que alegra o coração do purificado (cf. Sal. 104,15), e possa ser trazido ao Rei dos poderes celestiais para Ele saborear. Sua meta final é que deveríamos ser forjados no fogo da luta ascética, polindo a ferrugem do pecado, e fortalecidos e temperados na água da compunção, assim como espadas possamos efetivamente cortar as paixões e os demônios. Alcançando este ponto através de uma luta ascética prolongada, apagamos o fogo dentro de nós, contemos as paixões brutais, nos tornamos fortes no Espírito ao invés de fracos (cf. Heb 11,33-34), e como outro Jó conquistamos o tentador através de nossa persistência paciente.
43. O estágio iluminativo pertence àqueles que como um resultado de suas lutas alcançaram o primeiro nível de impassibilidade. É caracterizado pelo conhecimento espiritual dos seres criados, a contemplação das essências interiores e da comunhão no Espírito Santo. Envolve a purificação do intelecto pelo fogo divino, a abertura noética dos olhos do coração, e o nascimento do Logos acompanhada pelas intelecções sublimes do conhecimento espiritual. Sua meta final é a elucidação da natureza das coisas criadas pelo Logos da Sabedoria, o insight dos affairs humanos e divinos, e a revelação dos mistérios do Reino dos Céus (cf. Lc 8,10). Aquele que alcançou este ponto através da atividade interior do intelecto, anda, como outro Elias (cf. 2Reis 2,11), em um carro de fogo puxado pela quaternidade das virtudes; e enquanto ainda vivendo é elevado ao reino noético e atravessa os céus, posto que elevou-se acima da baixeza do corpo.
44. O estágio místico e aperfeiçoador pertence àqueles que já passaram através de todas as coisas e chegaram à «medida da estatura da plenitude do Cristo» (Ef. 4,13). É caracterizado pela transcendência da esfera dos poderes demoníacos e de todas as coisas sublunares, por nosso atingimento dos niveis celestiais mais altos, aproximando a luz primordial e mergulhando nas profundezas de Deus através do Espírito. Implica imergir nosso intelecto contemplativo nos princípios interiores da providência, justiça e verdade, e também na interpretação do simbolismo arcano, parábolas e passagens obscuras na Santa Escritura. Sua meta final é nossa iniciação nos mistérios ocultos de Deus e nosso ser preenchido com sabedoria inefável através da união com o Espírito Santo, de modo que cada um se torne um sábio teólogo na grande Igreja de Deus, iluminando outros com o sentido interior da teologia. Aquele que alcançou este ponto através da humildade mais profunda e da compunção foi, como outro Paulo, elevado ao terceiro céu da teologia, e ouviu coisas indescritíveis as quais aquele que ainda é dominado pelo mundo dos sentidos não é permitido ouvir. (cf. 2Co 12,4); e experimenta bençãos inexprimíveis, como nenhum olho viu ou ouvido ouviu (cf. 1Co 2,9). Ele se torna um mordomo dos mistérios de Deus (cf. 1Co 4,1), pois é a boca de Deus, e através das palavras comunica estes mistérios a outras pessoas; e nisto descobre bendito repouso. Pois é agora perfeito na perfeição de Deus, unido na companhia de outros teólogos com os poderes angélicos supremos dos Querubins e Serafins, em quem habita o princípio da sabedoria e do conhecimento espiritual.
45. A vida humana é dividida em duas formas, enquanto suas metas estão subsumidas sob três categorias. Uma forma é social e dentro do mundo, a outra é solitária e transcende o mundo. A vida social é caracteriza seja pela auto-contenção ou pela insaciabilidade; a vida solitária é subdividida em três modos: a prática das virtudes, a cognição espiritual das coisas criadas, e a habitação da energia supernatural. A vida social pode ser caracteriza pela justiça, neste caso de acordo com sua natureza, ou pela injustiça, neste caso contrária à natureza. A vida solitária ou aspira em direção a sua meta de acordo com o preceito e regra monásticos, e — aperfeiçoada de uma maneira que transcende a natureza — alcança o Infinito; ou então é ativada pela presunção e assim é alijada de seu propósito, deprecia a mente, e falha em alcançar a perfeição.
46. O Espírito é luz, vida e paz. Se consequentemente és iluminado pelo Espírito tua própria vida é imbuída com paz e serenidade. Por causa disto és preenchido com o conhecimento espiritual dos seres criados e a sabedoria do Logos; és agraciado com o intelecto de Cristo (cf. 1Co 2,16); e vens a conhecer os mistérios do reino de Deus (cf. Lc 8,10). Assim penetras nas profundezas do Divino e diariamente de um coração iluminado e imperturbado expressas palavras de vida para o benefício dos outros; pois tu mesmo estás pleno da benção, posto que tens dentro de ti Bondade ela mesma que exprime coisas novas e velhas (Cf. Mt 13,52).
47. Deus é Sabedoria, e pela deificação através do conhecimento espiritual das coisas criadas aqueles que vivem no Logos e na Sabedoria Ele os une com Ele mesmo através da luz e os faz deuses por adoção. Posto que Deus criou todas as coisas do nada através da Sabedoria, Ele dirige e administra tudo que está no mundo através da Sabedoria, e da mesma forma na Sabedoria traz a salvação de todo que se voltam para Ele e aproximam-se dEle. Igualmente, quem quer que como resultado de sua pureza tenha sido capacitado a participar na mais alta Sabedoria sempre como uma imagem de Deus age em Sabedoria, e na Sabedoria pratica a vontade divina. Retirando-se do que é externo e múltiplo, cada dia eleva sua inteligência anagogicamente através do conhecimento das coisas inexprimíveis a uma vida que é verdadeiramente angélica. Tendo unificado sua própria vida tanto quanto possível, une ele mesmo com os poderes angélicos que movem-se de uma maneira unificada ao redor de Deus, e sob sua boa direção é elevado ao primeiro Princípio e Causa.
48. Uma vez tenhas unido a ti mesmo através da mais alta Sabedoria com os poderes angélicos e tenhas sido unificado com Deus, através do amor da Sabedoria entras em comunhão com todos os homens, posto que alcançastes à semelhança de Deus. Através do poder divino rompes com aqueles tão disposto por seu apego ao que é externo e múltiplo, e como um imitador de Deus os concentras em espírito, os elevando como tu és elevado a uma vida unificada através da sabedoria, conhecimento espiritual e a iluminação dos mistérios divinos, até que venham a contemplar a glória da luz primordial única. Quando tenhas os unificado com as essências e ordens que cercam Deus, tu os induz — integralmente irradiados pelo Espírito — à unidade de Deus Ele mesmo.
49. Ligado às quatro virtudes cardeais há um grupo de oito virtudes gerais e naturais. Cada virtude cardeal é acompanhada pelas duas virtudes da segunda categoria, assim compondo uma tríada. A compreensão robusta é acompanhada pelo conhecimento espiritual e a contemplação sábia; a justiça pela discriminação e a compreensão simpatizante; a coragem pela paciência e a firme resolução; a auto-contenção pela pureza e a virgindade. Do trono do intelecto, em Sua sabedoria Deus preside como um arquiteto e mistagogo sobre estas doze virtudes divididas em tríades, e lança o Logos para criá-las dentro de nós. De seus princípios subjacentes o Logos toma a substância de cada uma das virtudes e cria na alma um mundo noético numinoso. Coloca compreensão robusta na alma como um céu cheio de estrelas do qual duas grandes luminárias — conhecimento divino e contemplação das essências espirituais — a irradiam com sua luz. Faz da justiça sua firme fundação, rica como a terra com toda espécie de sustento. Impõe auto-contenção dentro dela como o ar, a esfriando e refrescando com uma vida livre de toda impureza. Estabelece a coragem como um mar ao redor da fraqueza de nossa natureza, nos capacitando a minar as fortalezas e citadelas do inimigo. Em assim estabelecendo este mundo do Logos preenche a alma com o poder do Espírito Santo, de modo a mantê-la em uma atividade noética incessante e em uma unidade perseverante e indissolúvel. Como o expressa o Salmista, «Pelo Logos do Senhor são os céus estabelecidos, e todo seu poder no Espírito que dEle vem» (Sal 33,6, LXX).
50. Nosso crescimento espiritual corresponde aos diferentes estágios na vida de nosso Senhor Jesus Cristo. Enquanto somos crianças necessitamos de leite (cf. Heb 5,12) somos amamentados pelo leite das virtudes introdutórias adquiridas através da disciplina corporal; no entanto isto é apenas de benefício limitado (cf. 1Tim 4,8) para nós uma vez começamos a crescer em virtude e gradualmente deixar nossa infância para trás. Quando alcançamos a adolescência e somos alimentados pelo alimento sólido da contemplação das essências espirituais das coisas — pois nossos órgãos de percepção da alma estão agora afinados (Cf. Heb 5,14) — pode-se dizer que aumentamos em estatura e em graça (Cf. Lc 2,52), e sentamos entre os anciãos (Cf. Lc 2,46), desvendando para eles coisas ocultas nas profundezas da escuridão (Cf. Jó 12,22). Quando alcançamos «a humanidade madura, a medida da estatura da plenitude de Cristo» (Ef. 4,13), proclamamos a todos o significado do arrependimento, ensinamos outros sobre o Reino dos Céus (cf. Mt 4,17) e apressamo-nos em direção à Paixão (cf. Lc 12,50). Pois esta é a suprema meta de cada um que alcança à perfeição na prática das virtudes: depois de passar através de todas as diferentes idades de Cristo finalmente passa pelos provações que Cristo sofreu na cruz.