SALMO XLI
Matos Soares
SALMO XLI
Desejo ardente de voltar a ver o templo
1 Para o fim: Instrução dos filhos de Coré.
2 Assim como o servo suspira pelas fontes das águas, assim a minha alma suspira por ti, ó Deus.
3 A minha alma tem sede do Deus forte e vivo. Quando irei e aparecerei diante da face de Deus?
4 As minhas lágrimas foram o meu pão de dia e de noite, enquanto me dizem todos os dias : Onde está o teu Deus ?
5 Lembrei-me destas coisas, e derramei a minha alma dentro de mim mesmo, porque eu passarei ao lugar do tabernáculo admirável, até à casa de Deus, entre cânticos de alegria e de louvor, (semelhantes) ao ruído dum festim.
6 Por que estás triste, minha alma ? E por que me conturbas ? Espera em Deus, porque eu ainda o hei-de louvar, a ele que é a salvação do meu rosto 7 e o meu Deus.
7 Dentro de mim mesmo está conturbada a minha alma; pelo que me lembrei de ti, na terra do Jordão e de Hermon, e desde o monte pequeno.
8 Um abismo chama outro abismo, ao ruído das tuas cataratas. (E assim) todas as tuas vagas amontoadas e as tuas torrentes passaram sobre mim.
9 Durante o dia enviou o Senhor a sua misericórdia, e de noite o seu cântico. Dentro de mim orarei ao Deus da minha vida,
10 Direi a Deus : Tu és o ¿neu defensor ; por que te esqueceste de mim ? E por que hei-de andar triste, enquanto me aflige o inimigo ?
11 Enquanto os meus ossos são quebrados, improperam-me os meus inimigos que me perseguem, dizendo-me todos os dias: Onde está o teu Deus ?
12 Por que estás triste, minha alma ? E por que me conturbas ? Espera em Deus, porque eu ainda o hei-de louvar, a ele que é a salvação do meu rosto, e o meu Deus.
André Chouraqui
Tradução de Paulo Neves
42. Como o Cervo1
1 Ao corego2. Perspicaz3. Dos Benéi Qorah4.
2 Como o cervo5 brama junto às águas dos riachos assim meu ser brama por ti6, Elohims.
3 Meu ser tem sede7 de Elohims, do El vivo. Quando8 virei ver as faces de Elohims?
4 Minha lágrima é meu pão9, dia e noite, quando me é dito todo o dia: «Onde está teu Elohims?»
5 Disso me lembro e derramo sobre mim meu ser: sim, eu passava sob a arcada, deambulava até a casa de Elohims com a voz, o júbilo, a piedade de uma multidão em festa10.
6 Quê! tu te prosternas, meu ser? E gemes contra mim? Espera Elohims11, sim, celebrarei ainda as salvações de suas faces.
7 Elohai, contra mim meu ser se prosterna. Assim te memorizo em terra do Iarden, dos Hermons12, do monte Mis’ar13.
8 O abismo ao abismo clama à voz de tuas cataratas14. Todas as tuas rebentações, tuas ondas15, sobre mim passam.
9 De dia IHWH ordena seu bem-querer, e de noite seu poema16 comigo, a prece ao El de minha vida.
10 Digo a El, meu rochedo17: Por que me esqueceste? Por que, triste, vou sob a opressão do inimigo?
11 Ao assassínio, em meus ossos, eles me afrontam, meus opressores, dizendo-me todo o dia: «Onde está teu Elohims?»18
12 Quê! tu te prosternas, meu ser? E gemes contra mim? Espera Elohims, sim, celebrarei ainda as salvações de suas faces. Elohai!19
Padres
Agostinho de Hipona
*Augustin : DISCOURS SUR LE PSAUME XLI
Jerônimo
Obras de San Jerónimo, I, Obras Homiléticas, Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), Madrid, 1999, 1.037 p., edición bilingüe promovida por la Orden de San Jerónimo, introducción general de Juan Bautista Valero, traducción, introducción y notas de Mónica Marcos Celestino ISBN 84-7914-403-3
Tradução de Antonio Carneiro das páginas 985, 987 e 989
Tratados Vários — VIII Sobre o Salmo XLI, dirigido aos neófitos
Repassando com sagaz atenção o Saltério, não encontrei em nenhuma passagem que os filhos de Coré tenham cantado algo triste, mas sim que seus salmos se mostram alegres e jubilosos: (411) desprezando o terreno e rateiro, desejam sempre alcançar o celestial e eterno, fazendo honra ao significado de seu nome, já que Coré significa “calvície”. Por isso, dado que Nosso Senhor e Salvador foi crucificado e sepultado no Calvário, os que creem em sua cruz e sua ressurreição recebem o nome de “filhos de Coré”, quer dizer, “filhos do Calvário”. Os meninos judeus burlam do Calvário, desde quando Nosso Senhor, o verdadeiro Eliseu, depois de sua ressurreição ascendeu ao reino dos céus; mas os ursos devoraram aqueles que riram dele20. Em relação ao título, basta o que brevemente acabamos de dizer. Voltemos agora ao princípio do salmo.
Igual como o cervo anseia os mananciais de água, assim, oh Deus, te anseia minh’alma
(Sal 41,2). É próprio dos cervos desprezar o veneno das serpentes; com seus focinhos fazem-nas sair de suas tocas para matá-las e esquartejá-las; e quando o veneno destas começa a arder em seu interior, não chega à causar-lhes a morte, mas desperta neles uma ardente e devoradora sede; então anseiam as fontes e naquelas águas puríssimas extinguem o ardor desse veneno. Do mesmo modo que os cervos anseia pelas fontes, assim também nossos cervos, que, afastando-se do Egito deste mundo, fizeram perecer o faraó em suas próprias águas e deram no batismo morte a todo seu exército, depois de exterminar o diabo, desejam as fontes da Igreja, ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Está escrito em Jeremias (2,13): “Rechaçaram-me, fonte de água viva, e escavaram-se cisternas rachadas incapazes de reter a água”. A propósito do Filho podemos ler em outra passagem: “Abandonaram a fonte da sabedoria” (Bar 3,12). Em fim, em relação ao Espírito Santo se afirma: “Quem beber da água que eu der, brotará nele um manancial que manará água até a vida eterna” (Jo 4,13ss), frase que o evangelista esclarece a seguir apostilando que, estas palavras, o Salvador se referia ao Espírito Santo (Jo 7,39). Com isto se ratifica com toda clareza que os três mananciais da Igreja representam o mistério da Trindade.
A alma do crente deseja alcançar estes três mananciais. A alma do batizado também os deseja e por isso disse: Minh’alma sentiu sede de Deus, fonte viva (Sal 41,2). Não quis, pois, ver a Deus ligeiramente, mas sim que desejou com toda sua paixão, sentiu por Ele uma sede ardente.(412) Antes de receber o batismo falavam entre si e diziam uns aos outros: Quando irei e poderei contemplar o rosto de Deus ? (Sal 41,3). Eis aqui que viram cumprida sua petição: chegaram, estiveram em presença do rosto de Deus e se apresentaram diante do altar e o mistério do Salvador. Não merecem contemplá-lo mais aqueles que desde sua consciência e desde o fundo de seu coração dizem: Dia e noite minhas lágrimas foram meu pão (Sal 41,3). Com efeito, durante toda a Quaresma entregaram-se à oração e ao jejum, e dormiram em enxergas e entre cinzas buscando alcançar a vida futura mediante a confissão de seus pecados. Por derramar lágrimas e mostrar-se tristes dizem-lhe: “Quem semeia pranto, colhe alegrias” (Sal 125, 5) e “Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados” (Mt 5,5).
Por tudo isso, ainda que o demônio se mofe deles dizendo-lhes: E onde está teu Deus ? (Sal 41,4), admitidos agora no corpo de Cristo e renascidos na fonte da vida, respondem confiantemente e dizem: Acudirei ao lugar onde se acha o admirável tabernáculo, à casa de Deus (Sal 41,5). A casa de Deus é a Igreja, quer dizer, o admirável tabernáculo, pois nela habita a voz do alvoroço e da louvação e os sons festivos dos banquetes. No céu, anjos e potestades todos se alegram, certamente, de que nossos irmãos sejam agora merecedores de receber a fé e de que alcancem a vida eterna. Se os anjos se enchem de fruição e alegria e de que alcancem a vida eterna. Se os anjos se enchem de fruição e alegria por um pecador arrependido e por uma ovelhinha doente levada aos ombros do pastor, quanto mais não se regozijarão os reinos dos céus por tantos irmãos renascidos e purificados na fonte da vida, e ao ver que os homens, já limpos de seu antigo pecado, se dispõem a ser seus moradores?
Vós, que agora os encontrais revestidos de Cristo e que, seguindo nosso guia, com a palavra de Deus haveis sacados das águas deste mundo, como peixinhos com um anzol, proclamai: “Nós somos de outra natureza”. Certo é que os peixes, ao ser extraídos do mar, morrem; mas a nós os apóstolos nos extraíram do mar deste mundo e nos pescaram para revivermos dentre os mortos. Enquanto neste mundo nos achávamos, nossos olhos jaziam no abismo e nossa vida na lama, mas, depois que fomos retirados dentre as ondas, começamos a ver então o sol e a contemplar a luz verdadeira e, transportados por uma excelsa alegria, lhe dirigimos a nossa alma as seguintes palavras: Tem esperança em Deus, pois seguirei dando testemunho d’ Ele; salva meu rosto, pois és meu Deus. (Sal 41,6). E logo: Por isso me lembrarei de Ti desde a terra do Jordão e desde Hermon, desde o pequeno monte21 (Sal 41,6). Clamemos também nós ao Senhor desde a terra de Jordão, isto é, desde o rio em que Ele foi batizado; desde o Hermon, quer dizer, desde a maldição deste mundo, pois Hermon significa “anátema”22 ; (413) desde o pequeno monte deste mundo, pois, ainda que um seja santo, enquanto viva neste mundo, não se achará em um grrande monte elevado, mas sim em um pequeno e de pouca altura. E interpretemos os abismos das Escrituras por meio de outros testemunhos tirados delas mesmas. A partir das passagens obscuras do Novo testamento poderemos desentranhar, em meio do fragor das cascadas de Deus, quer dizer, na palavra dos profetas e dos apóstolos, aqueles textos do Antigo Testamento que encerram um mistério para nós e que não alcançamos compreender. Tem passado sobre nós todas as grandezas do Senhor e o sinuoso curso do rio que alegra a cidade de Deus.
NOTAS
O segundo livro se inicia com o drama do homem exilado longe de Elohims. A memória das graças recebidas o conduz através de suas provações. Somente o amor e o canto permanecem, mas a sede incita às certezas da visão. ↩
Ao corego: Ver 4,1. Essa inscrição repete-se na abertura de quarenta e cinco salmos e designa provavelmente o chefe dos coros. ↩
Perspicaz. Ver 32,1. ↩
Dos Benei Qorah: Segundo Kimhi, David teria composto ele próprio esses salmos atribuídos aos filhos de Qorah (Coré). Alguns pensam que este foi composto por David durante seu exílio entre os filisteus; outros, que foi inspirado pelas dispersões dos filhos de Israël. O essencial é que todo exilado aspira à invasão das graças, ao retorno da glória de IHWH e a seu reinado no país que é seu reino. ↩
o cervo: Símbolo da força. Ele vive nos desertos, diz Kimhi; quando é perseguido pelos cães, foge e só encontra a salvação nas águas profundas. ↩
brama por ti: Ele aspira à tua presença (Guilui shekhinah), ao desvendamento que permitirá a união das vontades. O cervo brama junto às águas na época de seus amores. E também por amor que o homem chama o Elohims para o qual se lança e do qual espera a salvação. ↩
tem sede: Beber é a mais urgente, a mais vital das necessidades. ↩
Quando: Terá fim a tortura de meu exílio longe de tua presença? ↩
meu pão: O pão é sempre símbolo de alimento, de refeição em comum. A necessidade torturante do amor, o inimigo responde zombando: “IHWH não seria uma suprema ilusão?” ↩
Mas, na falta de tua presença, tua lembrança pelo menos pode ainda me habitar. No sofrimento do exílio, a ausência aguça a lembrança da alegria do Santuário. ↩
Elohims: Nos salmos 42 a 83, o nome de Elohims repete-se duzentas e dez vezes e o de IHWH apenas quarenta e cinco vezes. No resto do Saltério, IHWH aparece quinhentas e oitenta e quatro vezes e Elohims somente noventa e quatro vezes. Esse contraste levou alguns críticos a considerar os salmos 42 a 83 como uma unidade à parte, tardiamente inserida na compilação. ↩
O poeta se encontra na extremidade norte da terra de Israël, não distante da nascente do Jordão, ao pé do monte Hermon. Este último está no plural para designar a cadeia de montanhas da qual é o pico mais elevado. ↩
monte Mis’ar (Miçar): Não se conhece montanha com esse nome. Trata-se provavelmente de um dos picos que cercam o monte Hermon. ↩
de tuas cataratas: A natureza repercute os estados de alma do poeta. ↩
tuas rebentações, tuas ondas: Simbolizam as provações que se apresentam a toda vida humana. Ao grito do homem, surgido do abismo de sua condição mortal, responde o bramido das cataratas. Mas a esperança torna mais intensa a dor do presente: rebentações e ondas simbolizam as provações do exílio. ↩
de noite seu poema: O diálogo entre IHWH e seu amante constitui a essência da prece. Ele prossegue noite e dia num êxtase de amor. ↩
meu rochedo: IHWH é o princípio e a fonte de toda estabilidade. Em seu sofrimento, o poeta não se abstém de censurar El por tê-lo esquecido. ↩
Trata-se novamente do assassínio do justo pelo criminoso, que escarnece dele porque Elohims o abandona. ↩
Na noite do exílio, resta a esperança da salvação e o canto de louvor. A lembrança das graças recebidas conduz o homem a superar o alarme do presente. Somente a graça e o canto permanecem, mas a própria sede reaproxima das fontes da visão. Somente a luz e a verdade do Senhor podem reintegrar a alma da noite do exílio à sua imortal morada ↩
Evoca o episódio de 2 Reis 2,23-24, onde se conta como, ao aproximar-se Elias a Betel, os meninotes da cidade burlam dele chamando-lhe de calvo. O profeta os amaldiçoou e dois ursos despedaçaram quarenta e dois meninos ↩
Outras leituras abordam o monte Misar, mal denominado como pequeno Hermon. ↩
Tractatus S.Hieronymi in librum psalmorum. CXXXII: Ermon in lingua nostra interpretatur anáthèma. (Cf. parágrafo 250) NT português: A referência desta nota ao salmo 132 encontra-se na página 548 desta “Obras de San Jerónimo, vol I, Obras Homiléticas” — A frase citada corresponde em latim à “Ermon in lingua nostra interpretatur anathema, hoc est, condemnatio”, cuja tradução seria “Hermon em nossa língua é interpretado como anathema, isto é, condenação”. ↩