Ruysbroeck Espera Deus

RUYSBROECK — DOS SETE DEGRAUS DO AMOR

Tradução da versão francesa por Antonio Carneiro

Capítulo V — DO QUINTO DEGRAU DO AMOR, QUE É: A ESPERA E O DESEJO DA HONRA DE DEUS.

Qual a nobreza de todas as virtudes e das boas ações.

Vem, a seguir, o quinto degrau na escada do amor espiritual, que é a excelência ou a nobreza de todas as virtudes, e de todos os atos ou de todas as boas ações.Mas, ter a nobreza das virtudes e de todas as boas ações, é desejar a honra de Deus acima de todas as coisas. esta virtude, a primeira de todas, é exercida nos céus pelos Anjos; e sobre a terra nas entranhas maternas ( da Igreja ), pela alma do Cristo; e é ela que devemos oferecer e dar à Deus, se queremos lhe agradar. Ela é o fundamento e origem de toda santidade; e onde comete falta, não tem nada de bom nisso. Desejar a honra de Deus e buscá-lo amorosa e intencionalmente, é a vida eterna, e o primeiro e principal sacrifício pelo qual somos requisitados por Deus. Mas, aquele que se compraz consigo mesmo, deseja e busca sua própria honra, portanto não pode agradar a Deus. Quando Deus nos enche com seus dons, Ele se compraz consigo mesmo, pois, agiu segundo sua vontade; e nós, quando tendo recebido dele seus dons, lhe pagamos em retribuição a honrar as virtudes em sua honra, e lhe somos agradáveis, porque lhe somos submissos.

Qual que seja, aliás, nossa maneira ou nossa regra de vida, embora, nossa vida pareça excelente e nossas ações sublimes, se considerarmos somente nossa própria honra e não a de Deus, nos enganaremos grandemente, pois nos falta a caridade. Com efeito, uma vez que, do fundo de nossa humildade desejarmos, de corpo e alma, a honra de Deus com todas nossas forças, e que nossa intenção se mantenha nisso: é a caridade que é a raiz e a fonte de todas as virtudes e todas as santidades.

Raiz de todos os vícios.

Mas, aquele que negligencia a honra de Deus e não se cura disso, se ocupando apenas do seu, aquele é escravo do vício do orgulho, que é a raiz de todos os vícios, de toda improbidade e de toda malícia. Quando então, o espírito de Deus toca o coração humilde, ele o pentra com sua graça, e exige esta parecença com ele que é obtida pelas virtudes; e, acima de todas as virtudes, a unidade com ele ou a união da caridade. Então, a Alma viva ( vigorosa ) e o coração amante se alegram por esta exaltação, se bem que ignoram como satisfazer a esta vocação e a esta exaltação, e como pagar a dívida que é exigida e reclamada pelo amor.

Qual é a mais bela virtude.

E porque esta mesma alma amante compreende, que a honra e o respeito devidos à Deus constituem a mais bela das virtudes, e o caminho o mais curto para ir até Deus, por causa disso, ela escolhe, e faz como exercício constante, acima de todas as boas ações e de todas as virtudes, a manifestação da honra e da reverência devidas à Deus, se propondo de se preserverar nisso eternamente: o que certamente é a vida celeste, agradabilíssima à Deus.

O que nos estimula à honrar à Deus.

Se todavia, por exaltação de Deus e pela satisfação de nossa alma vigorosa, não somente com todas nossas forças, mas, ainda com nosso coração, nosso sentidos e com tudo o que vive no homem, se alegra: então, todas as forças da alma, quero dizer, se alegram, todas as virtudes se alegram, e o sangue se aquece pelo desejo de realizar a honra a Deus. Quando, com efeito, segundo a da religião cristã, consideramos e pesamos diligentemente, que Deus nosso pai todo-poderos criou o céu, a terra e todas as criaturas para sua eterna honra; e pelo Espírito Santo, que é a vontade e o amor do Pai e do Filo, que cumpre todas as coisas para sua eterna honra, e as consumiu; e que desta maneira, existem tres pessoas em uma unidade da natureza, e a unidade da natureza na Trindade das pessoas, junta em só e verdadeiro Deus todo poderoso: pela consideração dessas coisas, quero dizer, compreendemos bastante, com quanta justiça e razão devemos adorar e venera, com todas nossas faculdades, esse mesmo Senhor nosso Deus.

Nós devemos honrar o Cristo.

É preciso honrar também nosso dulcíssimo Senhor Jesus, Deus e homem, em uma só pessoa. Pois Deus ele mesmo honra sua humanidade, que faz senão uma com a nossa, acima de toda criatura, a abençoa, a eleva, a exalta, e se uni à ele; e por esta união sublime com Deus, o corpo e a alma do Cristo tornaram-se completos; mais ainda, esta ( alma ) é a plenitude de toda graça e de todos os dons: e desta plenitude, todos os que são seus discípulos e seus seguidores recebem a graça, e tudo aquilo que é necessário para levar uma vida santa. E a santíssima humanidade do Senhor Jesus ela mesma, com toda sua família, anda com todas as suas faculdades e ( aquelas ) dos seus, a entregar à Deus o Pai a honra com louvor, ação de graça e respeito 1. Reis 2 (referência não localizada.)

Porque Deus quer ser honrado por nós.

E, de maneira que, Deus o Pai, honra seu Filho e todos os que o seguem e estão unidos a ele. Pois aquele que honra à Deus é honrado por Deus. Honrar e ser honrado, é o exercício do amor: não que Deus tenha necessidade de nossas manifestações honoríficas, já que ele mesmo é sua honra, sua glória, sua imensa beatitude, mas ele quer ser honrado por nós e ser amado, a fim de que fiquemos unidos a ele e que sejamos felizes. Que o leitor considere as razões que lhes dou, pela quais Deus deve ser honrado e louvado por nós. Quando Deus se manifesta ele mesmo, pela luz infusa, à nossa visão intelectual, manifesta sua potência pelas imagens, como em um espelho onde as formas, as parecenças e semelhanças de Deus reluzem e aparecem para se fazer conhecer. Mas, a substância, tal qual ela é, não podemos vê-la senão por ele mesmo, o que está acima de nós e acima de todas as virtudes. E, por este motivo, devemos certamente nos exercitar livremente à contemplar a Deus em suas formas, imagens e divinas parecenças; a fim de que nos eleve e nos arraste acima de nós mesmos, em uma unidade e união com ele, onde não há mais então semelhanças. Ora, em este mesmo espelho que é nosso, sobre formas, imagens e semelhanças, contemplamos a Deus ( que é ) a grandeza , a altura, a potência, a força, a verdade, a justiça, a clemência, a piedade, a opulência, a bondade, a misericórdia, a fidelidade, o amor inesgotável, nossa vida e nossa coroa, a glória infinita e a beatitude eterna; mas, outras apelações deste gênero lhe convem que não possamos ser suficiente para enumerar. Nestas considerações, a razão e a inteligência são tomadas de admiração e de estupor; e nosso amor se emociona no desejo de dar honra e louvor à Deus, em razão de sua dignidade.