Real – Realidade

REAL — REALIDADE

Paul Nothomb: Excertos de ÇA OU L’HISTOIRE DE LA POMME RACONTÉE AUX ADULTES [PNHP]

Se a Criação na Bíblia é a obra de Deus, Adão aí contribui ou a completa, em a fazendo existir. Temos um exemplo chocante no relato quando do episódio da denominação dos animais. É dito que Deus “concebeu” “retirado da adama”, como no caso de Adão, salvo que desta vez não é questão de afar (“”) que caracteriza o Homem Um, e múltiplo todos os animais dos campos e os pássaros do céu, para ver como Adão vai nomear cada um deles. Até aí, embora “concebidos” por Deus não existem, o texto escamoteia o pronome pessoal os concernindo, eles não são, se ouso dizer, senão virtuais (Gen 2,19). É a descoberta por Adão do poder das palavras, da linguagem que lhe é própria e que recebeu com sua “consciência de existir” (Gen 2,7) mas da qual se serve pela primeira vez como “a ajuda em face dele” que Deus lhe anunciou e que não é a “mulher” da tradição e da estória da maçã contada às crianças. É a palavra, o pensamento conceitual que lhe permite “inventar” o mundo ao redor dele, mas que não é suficiente para romper sua solidão vis a vis dos outros “ele mesmo” que o cercam.

“Mas para Adão ele não achou ajuda em face dele” (Gen 2,20). Quem não encontrou ajuda em face dele, quer dizer linguagem comum? Adão. Há portanto um outro Adão. Há um número indeterminado, infinito mesmo posto que ele é “Um e múltiplo”.

O homem não vê, não conhece o mundo criado por Deus. Ele não vê, não conhece senão as representações que lhe dá seu entendimento. É o que se chama a realidade, a “realidade intuitiva” que é por definição subjetiva. E não objetiva. Obra do homem. Do ponto de vista da cronologia, é este que tem razão, e não o Relato dos Seis Dias nem a teoria da evolução darwiniana, que postulam que a realidade existe fora do homem. Se ela existe não é a nossa, e não podemos senão imaginá-la. Mas como não podemos a imaginar, senão através de nossas percepções, nosso entendimento e nossas representações, ela disto não difere exteriormente.

Todavia, no Relato dos Seis Dias, que parece recontar uma cosmogonia “objetiva”, sua primeira palavra — o primeiro substantivo da Bíblia inteira é “cabeça” (traduzido por princípio). É na “cabeça” do homem que isso começa em realidade, parece advertir a Bíblia desde sua primeira palavra.

O “Isto” não é a Queda do mundo divino no mundo humano. É a Queda do mundo de Adão no mundo de Adão animal. Nada sabemos do mundo divino.


Pierre Gordon: A REVELAÇÃO PRIMITIVA

Contrariamente ao universo do Espaço-Tempo, que é aquele das contradições, do Devir, e da Dialética, o universo do ser e do Real é aquele da unidade, da identidade, e da Lógica. Não existe, entre os dois, continuidade. Um hiato os separa. Passar de um ao outro, é dar um salto. Tomamos emprestado a Schelling, para designar este salto, a expressão salto dialético; e o problema crucial é indicar porque um abismo separa assim o universo humano do universo do ser. Não há, no entanto, dois universos distintos, mas um só e único cosmo, onde um é a desfiguração momentânea do outro, desfiguração realizada, veremos por qual razão, pelo pensamento do homem. É nossa mente que constitui a ligação entre os dois cosmos. O cosmo humano, enquanto não se identifica com aquele do ser, é inteiramente nossa obra.

Decorre ainda mais que o cosmo do ser é um cosmo transcendente, posto que o cosmo humano, em dele procedendo, e não possuindo outra realidade que sua fonte, não permite nem conhecê-lo em sua essência própria, nem, menos ainda, alcançá-lo. De resto, não menos é, simultaneamente, um cosmo imanente ao universo fenomenal, posto que, totalmente inacessível que é, dele forma o substrato, e dele é o coração mesmo.

Frithjof Schuon: O ESOTERISMO COMO PRINCÍPIO E COMO VIA

A objetividade é a perfeita adaptação da inteligência à realidade objetiva. A interioridade é a concentração perseverante da vontade nesse “Interior” que, segundo a palavra de Cristo, coincide com o coração, cuja porta convém trancar após se ter entrado e que dá acesso ao “reino de Deus”, que está efetivamente “dentro de vós”.
No sentido elementar da palavra, a fé é o nosso assentimento a uma verdade que nos suplanta. Mas, espiritualmente falando, é o nosso assentimento, não aos conceitos transcendentes, mas às realidades imanentes ou, simplesmente, à Realidade; essa Realidade é a nossa própria substância.