BIBLIOTECA DE NAG HAMMADI
Excertos de do livro de R. Kuntzmann e J.-D. Dubois, trad. de Álvaro Cunha
A Protenoia Trimorfe (XIII,1)
Tradução de Y. Janssens, in BCNH, n. 4, 1978.
Este tratado, redigido por volta do ano 200, apresenta especulações filosóficas e apocalípticas sobre a natureza da história e do universo. A personagem central do documento é Protenoia, o Pensamento Primeiro, revelador celeste que desce a este mundo por tríplice epifania, a fim de despertar aqueles que dormem, tirá-los de sua situação de esquecimento e salvá-los (cf. Jo 1,1-18 e Apócrifo de João, II, p. 30-31).
Eu (desci) ao meio do Hades. Eu brilhei (sobre as) trevas. Sou eu que faço brotar a água, eu que estou oculto nas águas (…). Fui eu que produzi cada coisa a cada vez por meu pensamento. Sou eu o encarregado da voz. É de mim que emana a gnose, estando (eu) entre os inefáveis e os incognoscíveis. Eu sou a percepção e o conhecimento, (emitindo) uma voz saída de um pensamento. Eu sou a voz real, que dá voz a todo ser. E eles o sabem, pois um germe está em mim. Eu sou o Pensamento do Pai. E foi primeiro de mim que saiu a Voz, isto é, o conhecimento daqueles que não têm fim (p. 36,4-19).
A missão de Protenoia é relatada por ele mesmo em um hino de revelação cujas três partes começam pela mesma forma (“Eu sou”): … o Protenoia, p. 35; … a Voz, p. 42;’… a Palavra, p. 46. O texto acumula títulos gnósticos, bem conhecidos do gnosticismo: Primeiro Pensamento do Pai, Voz, Mãe, Virgem, Filho, Logos etc. Ap. 37,20-31 mostra como os títulos se interligam e entrecruzam:
E o som que nasceu de meu Pensamento estava em três lugares: o Pai, a Mãe e o Filho. Uma voz estava em uma percepção. Há um Logos nele que possui toda a glória. E há três masculinidades, três forças e três nomes que são assim, todos os três, …, quadrangulares, secretamente, no silêncio do Inefável, apenas (ele) que nasceu, isto é, (o Cristo, e) fui eu quem o ungiu de glória (…).
O título de Cristo aparece três (ou quatro) vezes no texto. E certas passagens evocam os apocalipses sinóticos (Mt 24 e paralelos) e 1Cor 15. Eis duas passagens características desses ecos bíblicos, em primeiro lugar uma descrição apocalíptica do fim dos tempos:
Desde que as grandes Potestades souberam que o tempo do fim se havia manifestado — ao modo das dores daquela que vai dar à luz ele aproximou-se da porta: tal é o modo como se aproximou a perdição —, ao mesmo tempo os elementos tremeram todos. E os alicerces do inferno e as abóbadas do caos se abalaram. Grande fogo irrompeu no meio deles e os rochedos e o solo se abalaram como caniço agitado pelo vento. E os lotes do Heimarmene e aqueles que medem as casas abalaram-se fortemente sob grande (estrondo de) trovão. E os tronos das Potestades se abalaram, deslocando-se, e seu rei teve medo (p. 43,4-17).
A p. 48 também apresenta ecos de simbolismo bíblico. Após uma passagem corrompida, que fala de despojamento do caos e das trevas, o texto prossegue:
Eu me revesti de tudo isso e disso me despojei (Eu) o revesti de luz brilhante, isto é, o conhecimento do pensamento da paternidade. E eu o transmiti àqueles que dão a (túnica): Amon, Elassô, Aménai, e eles o revestiram de uma túnica (d) entre as túnicas de luz. E eu o transmiti àqueles-que-batizam. E eles o batizaram: Miqueu, Micar, Mesinu. E eles o mergulharam na fonte da água da vida (p. 48,11-21).