Roberto Pla:
O relato parabólico da cizânia teve desde os primeiros tempos cristãos muitos exegetas eclesiásticos ou não eclesiásticos, embora na verdade não se trate de uma história difícil de apreender, não se pode dizer que tenha encontrado muitas interpretações diáfanas em seu puro sentido interior, oculto. Em geral, a exegese caiu em muitos casos em um dualismo pouco maduro de bons e maus de ordem teórica, como se o bom e o mau absoluto fossem na complexidade do coração humano, uma planta comum e não de exceção.
Quanto aos dados interpretativos que aporta a explicação da parábola atribuída a Jesus e transmitida também por Mateus, há que dizer que tal como só ocorre com muitos esclarecimentos da linguagem evangélica, parecem assumir o que explicam dentro de outra elipse parabólica. Por sorte, não por isto se deixa de entrabrir alguma porta que facilita o acesso a um melhor entendimento do conteúdo do texto.
Como se diz na explicação: “O que semeia a boa semente é o Filho do Homem” (Mt 13,37). Com este dado já há informação suficiente para interpretar que o campo do mundo onde se semeia é a alma, que, segundo se diz em outros lugares evangélicos, pertence ao mundo, é o mundo, em contraposição ao Filho do Homem, o semeador, que “não é do mundo” (Jo 18,36).
Por sua origem, os componentes da boa semente são qualificados com justiça como “filhos do Reino”, posto que são semente trazida dos celeiros do Filho do Homem; mas não é esta a única semente semeada na alma, pois quando a consciência do homem ainda não desperta para a vida, “dorme”, ocorre que o “Maligno”, o qual aqui deve-se interpretar como a natureza psicossomática, semeia também na alma recém-nascida a semente da cizânia, a qual, dada sua condição separativa, estéril para o fruto, é qualificada de “inimiga” da obra unificadora e de multiplicação espiritual que se propõe realizar nela o Filho do Homem.
Segundo se raciocina no relato de Mateus, a espiga e a cizânia devem crescer juntas na alma, no mundo, pois ambas são indiferenciáveis em seu estado latente, seminal. É a consciência já madura a qual corresponde, mais tarde, “conhecer” a qualidade das ervas que se desenvolveram e multiplicaram na alma e facilitar com sua inclinações e com sua irrigação atento à maior proliferação de umas ou de outras. Assim até o fim do mundo, quer dizer, até o fim do viver de cada alma, que é quando as sementes se congregam na alma já consumada. Tal como se faz quando termina a sega, a cizânia deve então ser recolhida e arrojada ao fogo, enquanto o trigo, a gramínea fecunda, acrescida em frutos da alma, depositada no celeiro do Filho do Homem.
Em tal ocasião, os encarregados da sega e colheita serão os anjos enviados pelo Filho do Homem. Como já sabemos, o anjo, enquanto satélite ou gota de luz do Salvador, é o espírito do homem, o pneuma puro, masculino, o pneuma-pneuma. É o espírito, com efeito, o que sega sua própria alma quando lhes chega a ambos o fim de sua estância no mundo, pois ele é o o que tem e dá vida. Então recolhe de sua morada comum compartilhada com a alma, a qual até então havia dotado de vida, todos os componentes de origem heterogêneo acrescidos nela.
As cizânias, que a interpretação de Mateus descreve como os “agentes de iniquidade”, que estão formadas por uma mistura psicossomática puramente mortal, tal como o vemos em nosso viver corrente, são arrojadas ao fogo do tempo para ser queimadas, pois estão mortas desde que separadas do espírito que as dava a vida só restam como cadáver.
Quanto ao trigo, os novos grãos nascidos e crescidos nos campos mundanos da alma a partir da boa semente semeada nela pelo Filho do Homem, e mesclada com a semente inimiga, são recolhidos no Reino pelos anjos segadores, os quais recebem este grão novo como salário, isto é, “como fruto para vida eterna” (Jo 4,36). Em verdade é assim como o espírito de cada homem toma sua nova gordura do azambujeiro que junto a ele, bem cuidado, se torna oliva, e ao qual como pneuma-psyche, como semente multiplicada por seu contato com o mundo, o ingressa no celeiro próprio do Filho do Homem.
Cada grão novo, purificado durante sua vida na alma, no mundo, e constituído em pneuma-psyche, vai a seu descanso como psíquico espiritualizado, para reunir-se com todas as sementes de Deus consagradas na consumação. Este é o “Resto” purificado da alma que alcança a salvação; as sementes chegadas à justiça, quer dizer, limpas das nuvens que cobriam sua luz e possuidoras, por adoção, da vida eterna.
Como diz o evangelho: “Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai” (Mt 13,43).
Evangelho de Tomé – Logion 106
Em um sentido paralelo deve discorrer a exegese ao explicar a parábola da cizânia. Nesta, a boa semente é o Filho do Homem — enquanto este é no homem o “gérmen” que faz possível sua regeneração ou nascimento de “acima” —, e a cizânia é a grama que no campo do mundo cresce ao redor do gérmen interior e essencial do homem com perigo de que sufoque seu crescimento e seu fruto.
Mas quando na parábola se diz que os anjos — o espírito individual, a partícula de luz, de cada homem — “arrojarão no forno de fogo” todos os escândalos e trabalhadores de iniquidade, a exegese manifesta os “maus” onde se diz “cizânia”. Com isto, incorre em contradição com o que pouco depois explica o evangelista como conclusão, pois diz que tudo isto é como o dono de uma casa (o Filho do Homem, a Palavra semeada), que tem em suas arcas o novo (a boa semente) e o velho (a cizânia)”, tão estéril como a palha da parábola do semeador.