Origenes Oratio Dispositio

Orígenes — Tratado da Oração
IX Disposições ditadas pela Escritura
1 Vamos provar pelas divinas Escrituras o que acima foi dito, do seguinte modo:

Deve o orante levantar mãos puras, (cf. 1 Tm 2,8) perdoando todas as injúrias recebidas, removendo da sua alma a paixão da cólera e não guardando rancor contra ninguém.

Ao mesmo tempo, a fim de que o espírito não fique ocupado por pensamentos estranhos durante o tempo da oração, é preciso então esquecer tudo aquilo que seja alheio à prece. Esse estado, como não há de ser felicíssimo? É o que ensina Paulo em sua Primeira Carta a Timóteo: “Quero, pois, que os homens orem em todo lugar, levantando mãos puras, sem cólera nem discussões” (1 Tm 2,8).

Quanto à mulher, além disso, principalmente quando ora, deve ser bem composta e ornada na alma e no corpo. Sobretudo na hora da oração, seja ela reverente a Deus, e expulse da mente todo pensamento desordenado e mulheril. Adorne-se não com cabelos trançados, nem com ouro e pérolas nem vestes preciosas, mas com o que convém a uma mulher que faz profissão de piedade.

Espanta-me que alguém possa duvidar da felicidade duma tal mulher que já por essa atitude mental se prepara à oração. É o que Paulo ensina na mesma Carta, com estas palavras: “Igualmente, as mulheres, em vestidos decorosos, se ornem com pudor e modéstia, não com cabelos trançados, nem com ouro e pérolas nem vestes preciosas, mas com boas obras, como convém a uma mulher que faz profissão de piedade” (1 Tm 2, 9-10).

2 Também o profeta Davi diz que o homem santo, que ora, deve ter muitas outras qualidades. Não será inoportuno declará-las, a fim de que nos sejam manifestas as grandes vantagens que, por si só, apresentam a atitude e a preparação à oração para aquele que foi consagrado a Deus. Diz ele: ” Para ti levantei os meus olhos, a ti que habitas no céu” (Sl 122,1). E também: “A ti elevei a minha alma, Deus” (Sl 24,1).

Os olhos do espírito se levantam quando não se fixam nas coisas terrenas, nem se enchem mais de imagens das coisas materiais, mas chegam a tal altura, que desprezam as coisas passageiras e pensam somente em Deus, a quem escutam com reverência e a quem falam com modéstia.

Como estas coisas tão sublimes não poderiam ser de máximo proveito a olhos que “contemplam com face descoberta a glória do Senhor, como num espelho e que se transformam na sua imagem, de glória em glória”? (cf. 2 Cor 3,18). Estes, então, participam do influxo de certa percepção intelectual mais divina, como se vê do seguinte: “A luz da tua face, Senhor, brilhou sobre nós” (Sl 4,7). A alma se eleva e, seguindo o Espírito, se separa do corpo. Não somente segue o Espírito, mas nele se transforma, como transparece destas palavras: “A ti elevei a minha alma” (Sl 24,1).

Como não dizer, depois disso, que a alma abandona, então, a sua natureza (tó eínai) e se torna espiritual (psychê pneumatikê)?

3 O maior rasgo de virtude é o perdão de injúrias, no qual, como disse o profeta Jeremias, se resume toda a Lei: “Não mandei isto aos vossos pais quando saíram do Egito, mas eis o que mandei: Cada um perdoe de coração ao seu próximo” (Jr 7,22-23).

Quando, pois, vamos orar, perdoemos primeiro, e cumpramos o preceito do Salvador, que diz: “Quando vos puserdes de pé para orar, perdoai, se tendes algo contra alguém” (Mc 11,25). É evidente que com tais disposições, já conseguimos o melhor.