Nova Vida Mística

Jean Daniélou — PLATONISMO E TEOLOGIA MÍSTICA
Nova vida mística como expressão da graça batismal
Estes poucos exemplos que escolhemos entre muitos outros e precisamente porque demandavam além do mais explicação, mostramos como os primórdios da vida espiritual são a expressão da graça batismal e a prolongam. Isto também não é verdade somente dos primórdios. Pois se cada sacramento corresponde mais especialmente a uma via, seu efeito se estende também nos outros. Assim é eminentemente do batismo. A vida espiritual não será inteiramente senão a realização, pela mortificação do homem velho e a vivificação do homem novo, da graça inicial do batismo. E é ainda ela que Gregório encontra nas provas supremas da vida mística, as purificações passivas que despojam a alma dos últimos vestígios da mortalidade comentando as palavras do Cântico: «Fiz destilar a mirra de meus dedos», Gregório as põe em relação com a teologia paulina do batismo: «Ressuscitei porque primeiro fui enterrado na morte com ele pelo batismo» (XLIV).

Em seguida ele descreve a nova vida mística nestes termos admiráveis: «Assim é pela morte que a alma ressuscita da morte. Enquanto ela não morre, ela permanece totalmente morta e incapaz de receber a vida, enquanto que pela morte ela entra na vida tendo deposto toda mortalidade» (XLIV). É pelos termos análogos que Bérulle descreverá a morte vivente de Maria Madalena, figura da vida de amor: «Jesus que vive nela e se ela parece vivente não é ela que vive, é Jesus que vive nela; e por assim ela é vivente e não vivente, vivente e morrente tudo junto… Pois Jesus que é sua vida não é vivente nela senão para a fazer morrer… Ó morto vivente e vida morrente» (Maria Madalena, er. Vida. Espir., p. 76-77). Eis o supremo efeito da graça batismal, do mistério da morte e da ressurreição com o Cristo.

É importante de notar a princípio que este caráter sacramental da mística de Gregório não lhe é particular. Ele se encontra, mas então muito sob sua influência, na mística oriental. Acentuou-se as relações do photismos batismal e da iluminação mística: «Toda a doutrina da iluminação mística é uma realidade sobrenatural inerente à graça do batismo. Neste instante, diz Cabasilas, o «raio divino» toca invisivelmente a alma que conhece por intuição direta, conhecimento transformador que já anuncia a união. A teologia dos sacramentos, da qual a palingenesia batismal é a iniciação primeira, junta-se à teologia dos estados místicos e abre às almas cristãs a via da henosis theiosis» (Lot-Borodine, A graça deificante dos sacramentos, segundo Nicolas Cabasilas, R. S. P. T., avril 1936, p. 328).

E o que é verdadeiro do batismo o é de toda a economia sacramental. Esta correspondência dos graus da vida espiritual e dos diversos sacramentos que vemos se esboçar em nosso autor e que outros já notaram (Lewy, Sobria ebrietas, p. 136) fará parte da estrutura da mística oriental: «Vê-se como, escreveu Mme Lot-Borodine (e estas palavras concluirão muito exatamente esta parte de nossa exposição), do plano ritual ao plano místico próprio encontra-se as mesmas etapas ou progresso espirituais. Pois as praktike theoria, e mystike theologia dos ascetas contemplativos retomam por sua conta estas ideias de purificação, iluminação e perfeição-união que guiam o Areopagita e seus discípulos na via dos sacramentos deificadores» (Lot-Borodine, Initiation à une mystique sacramentaire de l’Orient, R. S. P. T., nov. 1935, p. 672).