Máximo o Confessor — Centúrias sobre a Caridade
Excertos selecionados e traduzidos por C.F. Gomes
Segunda Centúria (excertos variados)
6. Na culminância da oração pura, distinguem-se dois estados: o dos ativos e o dos contemplativos. O primeiro resulta, na alma, do temor de Deus e da boa esperança; o outro, do abrasamento do divino amor e da purificação total. Indicações do primeiro estado: o espírito se recolhe, se subtrai aos pensamentos do mundo e, no pensamento de que Deus está presente — e Ele está! — faz oração sem distrações nem perturbação. Indicações do segundo estado: o espírito se deixa arrebatar, no impulso mesmo da oração, pela infinita luz divina; perde então todo sentimento de si e dos outros seres, exceto d’Aquele que realiza, pelo amor, esta iluminação. E atraído pelas propriedades de Deus, o espírito adquire noções puras e profundas sobre Ele.
7. Ao que amamos aderimos sem reserva, desprezando todo obstáculo capaz de nos afastar dali. Quem ama a Deus aplica-se à oração pura, rejeitando toda paixão que faça obstáculo.
8. Rejeita o egoísmo, fonte das paixões, e não terás dificuldade, com a ajuda divina, em afastá-las todas: a cólera, a tristeza, o rancor. . . Mas se cedes à primeira delas serás, sem querer, ferido pela segunda. Considero o egoísmo uma paixão cujo objeto é o corpo.
13. Os demônios nos tentam, ou eles mesmos, ou armando, contra nós, homens sem temor de Deus. Tentam-nos eles mesmos se vivemos no retiro, como o Mestre no deserto; através dos homens, se vivemos em sociedade, como o Mestre entre os fariseus. Mas pondo os olhos em nosso modelo podemos repelir ambos os ataques.
16. A paixão é um movimento da alma contra a natureza, seguinte a um amor irracional ou a uma aversão, também irracional, para com uma realidade sensível qualquer, eu causada por ela. Amor irracional, por exemplo, da boa mesa, de uma mulher, da riqueza, do renome passageiro. . . Aversão irracional, para com uma ou outra dessas coisas, por causa delas.
21. Desempenha o papel de diácono quem unge o espírito para os sagrados combates e expulsa os pensamentos da paixão; o papel de sacerdote, quem ilumina o espírito para o conhecimento dos seres expulsando a falsa ciência; o papel de bispo, quem aperfeiçoa o espírito pela santa unção, que é o conhecimento da Trindade santa e adorável.
22. A força dos demônios diminui, quando a prática dos mandamentos atenua as paixões em nos. Fica destruída quando enfim, por efeito da liberdade interior, as paixões desapareceram da alma. Porque os demônios não acham mais as cumplicidades que serviam de base para os ataques. Daí o sentido do versículo: “eles perderão a força e perecerão diante de tua face”.
27. No limiar do conhecimento de Deus, não busques conhecer sua essência: o espírito humano não chegaria a tanto, ninguém, senão Deus mesmo, a conhece. Mas considera a fundo (na medida que podes) seus atributos, por exemplo: sua eternidade, infinidade, invisibilidade, bondade, sabedoria, poder que cria, governa e julga os seres. Merece o nome de teólogo aquele, entre todos, que procura descobrir, por pouco que seja, a verdade desses atributos.
29. Pelas palavras: “meu Pai e eu somos uma só coisa”, o Senhor designa a identidade da divina essência. Pelas outras: “eu estou no Pai e o Pai está em mim”, ele declara que as Pessoas são inseparáveis. Os Triteístas, separando Filho e Pai, caem no impasse. Porque das duas uma: ou mantêm que o Filho é coeterno com o Pai, quando os separam, e então precisam negar que o Filho seja gerado pelo Pai, resultando a afirmação de três deuses, três princípios; ou, ao contrário, afirmam a geração, embora mantendo a separação, e assim vão negar que o Filho seja coeterno com o Pai, passam a submeter o Mestre à condição do tempo. Conclusão: com o ilustre Gregório de Nazianzo, mantenhamos a unidade de Deus professando a Trindade das Pessoas, cada qual com seus traços distintivos, pois são realidades distintas, mas a unidade é indivisível; são igualmente unidade e diversidade. Portanto, estes dois aspectos, unidade e diversidade, são incompreensíveis. Sem isto, onde estaria o mistério, se o Filho e o Pai fossem unidos e distintos simplesmente como dois homens?
32. Três forças nos movem ao bem: as tendências profundas da natureza, os bons anjos, a vontade boa. O fundo da natureza, quando fazemos a outrem o que queríamos feito a nós, ou vendo alguém em situação difícil sentimos compaixão natural. Os bons anjos, quando, prontos para uma boa ação, percebemos sua cooperação favorável e conseguimos caminhar sem dificuldade. A vontade boa, quando, discernindo o bem e o mal, escolhemos deliberadamente o bem.
33. Inversamente, três forças nos impelem ao mal: as paixões, os demônios, a vontade má. As paixões, quando sentimos o desejo irrazoável: comer sem necessidade, ter prazer com uma mulher, sobretudo se não é a nossa, rejeitando a procriação dos filhos; quando nos encolerizamos, damos vazão ao amargor contra alguém que nos injuriou. Os demônios, quando, por exemplo, num momento de negligência, nos vemos subitamente assaltados, como por um adversário à espreita, que vem revolucionar as paixões de que falamos. A vontade má, quando, sabendo onde está o bem, escolhemos o mal.
35. Muitas ações humanas, boas em si, podem cessar de o ser por seu motivo. O jejum, as vigílias, a oração, o canto dos salmos, a esmola, a hospitalidade são em si boas ações; feitas por vaidade, não mais.
36. Em todas as nossas ações, Deus considera a intenção: se agimos por causa dele ou por outro motivo.
37. A palavra da Escritura: “tu darás, Senhor, a cada um conforme suas obras” significa que Deus recompensa as boas ações; não as que parecem boas, mas são feitas contra a reta intenção; e sim as que precedem da reta intenção. Pois o julgamento de Deus não visa tanto a obra quanto a intenção.