predicados

A teoria dos predicados remonta de maneira imediata ao Isagoge de Porfírio que a fixou no estado no qual ela se perpetuará em seguida. Porém, a ideia dessa teoria, assim como seus principais elementos, já haviam sido claramente expostos nos Tópicos (I, C. I e segs.): os predicados já aparecem aí como sendo os títulos mais gerais de atribuição. Sem entrar em maiores detalhes, mostraremos simplesmente que a lista aristotélica dos predicados não coincide exatamente com a de Porfírio-Boécio, pois compreende somente quatro predicados: definição, propriedade, gênero e acidente.

Os predicados são as diversas espécies de conceitos universais. Essa divisão tem sua raíz na própria propriedade do universal lógico: sua aptidão a ser predicado. Como, com efeito, as noções universais convêm a seus inferiores de muitas maneiras diferentes, elas exercem sua função de predicado de maneira igualmente diferente, o que ocasiona uma diversidade nos próprios conceitos, que se veem por este fato, divididos segundo as diversas espécies de “predicáveis”.

Porfírio distinguiu cinco espécies de predicáveis: gênero, espécie, próprio e acidente. Eis como se pode justificar essa divisão. Há, já o dissemos, tantos predicáveis quantas as maneiras de se relacionar ao sujeito. Ora, um predicado pode representar, seja a essência do sujeito, seja alguma coisa que lhe é acrescentada.

Se o predicado significa a essência, ou ele a significa inteira e tem-se a espécie, species: “homem”, ou ele significa a parte a determinar dessa essência, e tem-se o gênero, genus: “animal”, ou ele significa a parte que determina a precedente, e tem-se a diferença específica, differentia: “racional”.

Se o predicado significa alguma coisa que é acrescentada à essência, ou se trata de alguma coisa que lhe pertence necessariamente, e tem-se o próprio, proprium: “a propriedade de rir”, para o homem, ou se trata de alguma coisa que não lhe sobrevém senão acidentalmente, e tem-se o acidente predicável, accidens, que é necessário não confundir com o acidente predicamental: “a qualidade de francês”.

Os predicáveis em particular.

O gênero pode ser definido como um universal relativo a inferiores especificamente diferentes uns dos outros, e que lhes pode ser atribuído exprimindo sua essência de maneira incompleta:

“Universale respiciens inferiora specie differentia et quod praedicatur de illis in quid incompleta”.

A primeira parte desta definição indica a própria natureza do gênero: é um universal cujos inferiores são espécies; a segunda parte acentua a propriedade do gênero, sua aptidão a exprimir a própria essência, o quid do sujeito, mas somente de maneira incompleta. Assim “animal” exprime a essência do homem mas de maneira incompleta; quando se diz: “o homem é um animal”, na verdade exprime-se o que ele é, mas incompletamente.

A espécie é um universal que pode ser atribuído a seus inferiores exprimindo sua essência de maneira completa:

Universale respiciens inferiora et quod praedicatur de illis in quid complete.

A espécie se distingue do gênero pelo fato de que ela exprime completamente o que são seus inferiores. Se eu digo: “Pedro é um homem”, exprimo completamente sua essência.

A diferença específica é um universal que pode ser atribuído a seus inferiores por modo de qualificação essencial:

Universale respiciens inferiora et quod praedicatur de illis in quale quid.

Observar-se-á que a diferença específica, bem como o gênero e a espécie, exprime a essência do sujeito, seu quid, mas sob um modo especial. A diferença determina o gênero e o qualifica. Donde a precisão qualis ajuntada ao gênero de atribuição que, no fundo, não deixa nunca de ser um quid: “O homem é racional”.

O próprio é um universal que exprime por modo de qualificação alguma coisa que sobrevém acidentalmente à essência, mas lhe é atribuída necessariamente:

Universale quod praedicatur de pluribus in quale, accidentaliter et necessario.

Nesta definição, quale significa o modo qualitativo da predicação; accidentaliter indica que se trata de um elemento que não é da própria essência do sujeito; necessario, finalmente, faz a distinção entre o próprio e o acidente, pois o acidente não qualifica necessariamente o sujeito. – O próprio é frequentemente definido como “o que convém a todo, ao único e sempre”:

Quod convenit omni, soli et semper.

Esta fórmula, que vem de Porfírio-Boécio, designa o próprio em sentido estrito. Para compreendê-la é necessário completar: omni individuo e soli speciei. Com isso, quer-se significar que a propriedade pertence a toda a espécie e só à espécie. A “capacidade de rir”, por exemplo, se encontra em todo homem e só na espécie humana: dir-se-á, é próprio do homem poder rir. O próprio neste sentido se liga à diferença específica. Se se considera que uma espécie última se obtém determinando progressivamente os gêneros mais elevados por diferenças sucessivas, poder-se-á dizer que uma mesma espécie tem muitas propriedades, mas só a que se liga à sua última diferença será verdadeiramente seu “próprio”. O próprio sendo para Aristóteles, portanto, uma modalidade bem determinada, característica de cada essência, toda a teoria da demonstração científica se liga a esta noção. Observe-se que, aquilo que se chama comumente de “propriedades” de uma coisa, de um corpo, pode-se ligar ao próprio e mesmo o exprimir, se bem que, nesse caso, se trata de apenas uma manifestação mais ou menos exterior.

O acidente predicável é um universal que pode ser atribuído a uma multidão, de maneira qualitativa, acidental e contingente:

Universale quod praedicatur de pluribus in quale, accidentaliter et contingentes.

Contingenter, nesta definição, marca a diferença do próprio e do acidente: o acidente não está necessariamente ligado à essência. É o que, da maneira mais explicita, exprime a definição de Boécio: aquilo que se acrescenta ou se separa sem que haja corrupção do sujeito:

Quod adest et abest praeter subjecti corruptionem.

Dormir, ser branco ou preto, são assim acidentais com relação à espécie humana. (Gardeil)