Bergson

Bergson, Henri (1859-1941)

Qualifica-se a filosofia de Bergson como “a máxima expressão do espiritualismo francês deste último século”. O tema fundamental da filosofia bergsoniana é a consciência, considerada não como uma energia infinita e infinitamente criadora, mas como uma energia finita, condicionada e limitada por situações, circunstâncias e obstáculos que podem inclusive solidificá-la, degradá-la, bloqueá-la ou dispersá-la.

H. Bergson nasceu e morreu em Paris. Deixou detrás de si uma brilhante e esplêndida obra tanto literária quanto filosófica: conferências, ensaios e livros formam parte de seu legado como professor no Colégio da França. Seu primeiro escrito é Ensaio sobre os dados imediatos da consciência (1889), que já revela o que será o método de sua filosofia: libertar a vida original da consciência de estruturas fictícias. Sua obra principal, A evolução criadora (1907), interpreta a natureza da vida como corrente de consciência ou impulso vital (elã vital), que se insinua na matéria, sujeitando-a a si, mas ficando também limitada e condicionada por ela. Seguem a essa última outras obras como Energia espiritual (1919); Duração e simultaneidade (1922); O pensamento e o movente, e As duas fontes da moral e da religião (1932), na qual expôs o significado ético-religioso de sua doutrina. Desta obra trataremos aqui de maneira preferencial.

Em As duas fontes da moral e da religião, Bergson alcançou uma noção muito mais próxima do conceito religioso de Deus do que em A evolução criadora. Em 1937 reconheceu: “Minha reflexão levou-me cada vez mais perto do catolicismo, no qual vejo o completo cumprimento do judaísmo”. No entanto, embora tenha declarado “sua adesão moral ao catolicismo”, nunca foi além disso. “Ter-me-ia convertido, se não tivesse visto de antemão a formidável onda de anti-semitismo que se infiltra no mundo. Gostaria de permanecer entre os que amanhã serão perseguidos”. Confirmando essa convicção, poucas semanas antes de sua morte levantou-se da cama e pôs-se na fila para ser registrado como judeu, conforme a lei que acabava de ditar o governo de Vichy, e da qual não quis eximir-se apesar de se ter proposto isto a Bergson.

Bergson distingue duas classes de sociedades, nas quais se dão também duas classes ou tipos de moral e de religião. Existem sociedades fechadas nas quais se pratica e vive uma moral da obrigação e do costume. Em tais sociedades, a ordem moral é modelada sobre a ordem física. O indivíduo segue o caminho traçado pela sociedade: automaticamente obedece a suas normas e conforma-se com seus ideais. A sociedade é a fonte das obrigações morais. Junto a esta existe uma moral absoluta, a dos santos do cristianismo, dos sábios da Grécia, dos profetas de Israel, que é a moral de uma sociedade aberta. Essa moral não corresponde a um grupo social, mas a toda a humanidade. Tem por fundamentação uma emoção original e prolonga o esforço gerador da vida. A moral da obrigação é imutável, a moral absoluta está em movimento e tende ao progresso.

Da mesma maneira há dois tipos de religião: a religião estática e a religião dinâmica. A primeira é infra-intelectual: uma reação defensiva da natureza contra o poder dissolvente da inteligência. É uma religião natural no sentido de que é produto da evolução natural. Mas há também uma religião dinâmica: religião supra-intelectual, que empreende e continua diretamente o impulso vital originário. Bergson identifica essa religião dinâmica com o misticismo.

Sobre essa religião dinâmica ou misticismo, Bergson diz que é própria dos homens privilegiados e geniais. Não obstante, confessa que é algo que está em todos os homens, enquanto tende a libertá-los da religião estática e dá lugar a numerosas formas de religião. “O resultado do misticismo — diz Bergson — é uma tomada de contato e, consequentemente, uma coincidência parcial com o esforço criador que a vida manifesta. Esse esforço é de Deus, senão o próprio Deus.” Sobre esse misticismo, Bergson escreveu suas páginas mais belas. Assinalou que o misticismo completo é o dos grandes místicos cristãos: São Paulo, Santa Teresa, Santa Catarina, São Francisco, para os quais o êxtase não é um ponto de chegada, mas a partida para uma ação eficaz no mundo. Bergson prediz o surgimento de algum gênio místico como correção dos males sociais e morais de que hoje sofre a humanidade. Termina seu pensamento afirmando: “O corpo imensuravelmente engrandecido do homem e da natureza espera um suplemento de alma, e a mecânica exigiria uma mística”.

As duas fontes reproduzem as linhas de um panteísmo romântico. O homem é constituído, em sua mais íntima essência, por um impulso vital, supra-individual e sobre-humano, que “é o divino ou o próprio Deus”, nas palavras do próprio Bergson. Isto não é panteísmo? Mas não impede de reconhecê-lo como um dos filósofos que maior influência exerceram nos pensadores cristãos atuais.

BIBLIOGRAFIA: L’Evolution Créatrice, Paris 1948; Cartas, Conferências e Outros Escritos, S. Paulo 1974 Obras escogidas. Aguilar, Madrid 1963; La risa. Valencia 1973; F.Copleston, Historia de la filosofia, 9,179-212; Diccionario de filósofos. Madrid 1987. (Santidrián)