Paul Nothomb

(pesadume), PNHI:31-36)

O relato do Jardim do Éden começa com um preâmbulo, que serve de transição com o relato da Criação em seis dias que o precede, e ao mesmo tempo parece começar tudo do zero. A transição é marcada nas primeiras frases por uma série de “erets” usados ​​no mesmo sentido geral e com a mesma frequência que na primeira história:

O dia em que YHWH Deus fez uma terra e céus
nenhum arbusto selvagem ainda existia na terra
e nenhuma grama selvagem ainda crescia
pois YHWH Deus não tinha feito chover sobre a terra.

Mas, depois desta evocação mais rústica do “tohu-bohu” inicial do primeiro relato, não é a luz que aparece, como no primeiro relato, mas o Homem. Aparência inicialmente impessoal, porque a palavra “adam” não é precedida ali como em todos os outros lugares pelo artigo definido, e também é acompanhada por uma negação, de modo que é equivalente a “ninguém”. Mas lido literalmente o texto continua da seguinte forma:

E nenhum homem para cultivar a adama,
mas um vapor se elevava da terra
e irrigava toda a superfície da adama.

Todas as Bíblias traduzem a “adama” desta última passagem por “solo”, que parece, à primeira vista, tão lógico quanto coerente. Se este relato introduz uma nuance de sentido dentro da noção geral de “terra” assumida exclusivamente, com uma exceção, por “erets” na primeira história, é aparentemente para distinguir lá como em francês, na agricultura, a “terra” do “solo”.

O problema é que este relato não trata de forma alguma da agricultura, exceto negativamente no final, onde trabalhar a terra é considerado um castigo infligido ao Homem, expulso do jardim. Não só o jardim, que está no centro deste relato, não tem nada a ver com a agricultura, como a exclui.

Exclusão tão categórica que, para sublinhá-la, o autor final do relato não hesita em cometer um flagrante erro de gramática – e ainda mais significativo. Digo o autor final, porque essa falha torna plausível a hipótese segundo a qual o texto que conhecemos foi enxertado em um substrato, que poderia ser uma história popular da época (embora não tenhamos vestígios documentais dela) relacionada a certas cosmogonias da região, onde o Homem se dedica à agricultura pelos deuses, não como castigo, mas para os alimentar.

Para Paul Humbert, é isto explica por que onde lemos nas traduções: “YHWH Deus tomou o Homem e o colocou no jardim para cultivá-lo e guardá-lo” (2,15), o texto hebraico tem os pronomes substituindo “jardim” no feminino (enquanto “jardim” é masculino em hebraico como em português) e que devemos traduzir literalmente: “YHWH Deus tomou o Homem e o colocou no jardim para cultivá-la e guardá-la. »

O feminino mostraria que o autor final substituiu “jardim” por “adama” (feminino em hebraico) que aparecia no substrato, depois “negligenciado” para combinar com os pronomes correspondentes.

De minha parte, vou fazer uma suposição mais séria: houve de fato uma substituição, muito motivada, de um “gan” (jardim) por um “adama”, e também é intencional que o autor tenha deixado os pronomes femininos que ele deveria ter colocado no masculino. Acrescento: bendizei os escribas que ao longo das gerações não corrigiram esta frase errônea — seja porque entenderam seu significado, seja por respeito ao texto — como professores ou estudiosos não teriam deixado de fazer, “especialistas”.

A menos que se acredite na inspiração divina dos erros gramaticais — e isso seria então uma questão de “negligência” providencial — tudo se passa de fato como se o autor, prevendo que um dia essa história não seria mais lida em sua verdadeira altura — que é existencial e não agrícola — e por estudiosos e não por crentes, nos legou através dos tempos essa anomalia tangível e curiosa para nossas mentes críticas, que nunca deixariam de encontrar sua “razão”.

A linguística moderna nos ensina que as línguas são “sistemas”, dentro dos quais o significado das palavras, em princípio arbitrário, evolui pelo jogo de oposições recíprocas. Temos aqui, na minha opinião, um exemplo avant la lettre. No centro da história, a palavra “jardim” com todas as suas conotações — uma estada de abundância, de delícias, sem cansaço e sem morte — carrega a palavra “adama” com todas as conotações contrárias e a contrapõe a ponto de absolutamente excluir todas as combinações com ele. Se, como traduzem nossas Bíblias, a palavra “adama” neste contexto significasse simplesmente “solo” ou “terra”, o autor poderia ter enxertado a palavra “gan” (jardim) mantendo na frase a palavra “adama” como ele manteve os pronomes femininos. Teríamos: “YHWH Deus tomou o Homem e o colocou no jardim para cultivar o solo e guardá-lo”. Mas tal compromisso é impossível, se adama aqui representa o oposto de gan. Ora, é isso que o autor, creio eu, quis nos indicar ao suprimir a palavra “adama” sem suprimir os pronomes femininos que a ela se relacionavam e que ali permanecem como testemunhas de sua substituição por uma palavra que exclui e com a qual não pode coexistir na mesma frase. Onde está o jardim, não pode haver adama. E reciprocamente. São lugares contraditórios.

Essa oposição entre jardim e adama é verificada ao longo da história. Nada entra no jardim em proveniência da adama que não tenha dela sido previamente separada, extraída, arrancada. Sucessivamente, diz-se que o Homem (2,7), as árvores (2,9), os animais (2,19) são moldados ou empurrados “desde a adama” (min haadama) antes de serem admitidos no jardim, as árvores e os animais sendo assim para o prazer do Homem, que sozinho foi formado com vistas o jardim. Mostraremos mais adiante esta singularidade natural do Homem que o predispõe ao jardim tanto quanto o opõe à adama. Por outro lado, quando o homem é expulso do jardim, é para a adama, seu oposto, que ele é enviado de volta.

Se, portanto, neste relato excepcional — ele é único em seu gênero na Bíblia — o jardim simboliza leveza, prazer sem vergonha nem saciedade e liberdade total, a adama simboliza dor, constrangimento, sofrimento, em uma palavra, adama (pesadume). É assim que vamos traduzir esta palavra-chave neste relato que é diferente de qualquer outro, posto que ele trata do Homem imortal.

Mas isto ainda não existe no preâmbulo mencionado acima. E é isso que ele diz no final. Além disto, deve-se notar que em hebraico a palavra que geralmente é traduzida como “vapor” — e que não é atestada em nenhum outro lugar da Bíblia — é composta por duas letras que são as duas primeiras da palavra “adam”, assim como a palavra “adam” é composta por três letras, que são as três primeiras da palavra “adama”, que tem quatro. Há aqui em duas linhas todo um jogo de espelhos ou pelo menos de assonâncias que certamente não é involuntário, embora permaneça misterioso, e que torna toda essa passagem praticamente intraduzível. Ele inclui duas proposições, que podem ser aproximadamente decifradas desta maneira. A primeira, ou: “O homem não existe para cultivar a adama (pesadume)”, o que soa como uma verdade geral (o verbo está de fato no tempo presente), ou, no contexto do preâmbulo: “Não havia homem para cultivar o pesadume. A segunda proposição está ligada à primeira como consequência. Ela observa que de certa forma a adama (pesadume) ligada ao Homem (adam) como uma de suas virtualidades também não existe, pois “não havia homem para cultivá-la”, mas que um elemento que é designado por uma palavra de duas letras que são as duas primeiras da palavra “adam” e saídas da terra (que participa, é claro, simbolicamente de sua massa, no pesadume) mantém enquanto espera (irriga) toda a aparição (a superfície) da adama (pesadume), que é sem dúvida apenas fáctica ou potencial neste estado. A adama (pesadume) é, se quiser, isto de que se tem de sair para entrar no jardim, e o Homem só a “cultivará”, então ela não existirá senão quando o Homem por um tempo aí terá sucumbido como à mortalidade e estará exilado do jardim. Traduzindo:

E não havia homem para cultivar o pesadume
apenas um fluido se elevou desde a terra
e fez espelhar toda a aparição do pesadume

temos consciência de estar muito longe da riqueza concisa do original, mas de dar a conhecer pelo menos um aspecto dele, ausente em todas as traduções até agora. Feliz o hebreu que pode, em palavras concretas, sugerir imediatamente a adama (pesadume), comparando-a a terrenos pedregosos irrigados, mas que não é, é claro, terreno pedregoso irrigado no sentido literal neste relato onde não há dúvida, vamos repeti-lo, nem do homem necessitado, lavrador, produtor ou reprodutor nem do homem infeliz, ansioso, religioso ou idólatra, mas do Homem que não precisa trabalhar para se alimentar, do Homem sem nenhum problema material, do Homem imortal.

O que se segue será mais fácil de transpor, creio, para a linguagem abstrata de nossa decadência.

Antonio Orbe

ANTROPOLOGIA DE SÃO IRINEU [OASI]

Filón se adelanta a la idea, y aun a ciertas expresiones del Santo (IRENEO), cuando escribe:

El primer hombre era en verdad realmente hermoso y bueno. Tres cosas atestiguan la buena forma de su cuerpo. Primeramente, la tierra era de nueva fundación. Al separarse de la gran masa líquida, denominada mar, la materia de cuanto venía al ser resultaba sin mezcla, no adulterada, pura y además maleable y fácil de trabajar. Lo que de ahí salía era con razón irreprochable. En segundo lugar, no parece que Dios haya querido modelar con esmero celeste la estatua de forma humana, tomando al acaso el polvo. Al contrario, hízola cerniendo lo mejor dispuesto, que mejor convenía a su constitución. Pues levantaba una casa, un templo para el alma racional…1

La dignidad del hombre, centro del mundo, requería un cuerpo bellísimo lleno de gloria y majestad y una constitución privilegiada.

Lo más puro de la materia había de confluir en él. El Targum de Jerusalén (In Gen 2,7) se expresa en términos similares a los filonianos: «Dios tomó un polvo encarnado, negro y blanco del lugar del templo y de las cuatro regiones todas del mundo. Le amasó con las aguas del mundo entero y sacó a Adán». El polvo de que vino el barro del primer hombre era cualificado. Había de participar de los cuatro elementos. La razón está formulada en la “CAVERNA DE LOS TESOROS“, de abolengo hebreo, aunque contaminada por noticias cristianas.

Y vieron (los ángeles el sexto día) cómo (Dios) tomaba de la tierra toda un granito de polvo, de toda el agua una gota de ella, de todo el aire de arriba un soplo de viento y de todo el fuego un poco de calor. Y los ángeles vieron cómo fueron depositados en la concavidad de su mano estos cuatro débiles elementos: frío, calor, sequedad y humedad. Entonces formó Dios a Adán. Mas ¿a qué fin hizo Dios a Adán de tales cuatro elementos sino para que todo el mundo le estuviera sometido por su medio?

El anónimo calla el término, pero fácil es adivinarle. Dios hubo de tomar ‘las primicias’ (tas aparkas) de los elementos del mundo, concentrándolas en el hombre primero, destinado a ser ‘microcosmos’ y rey de la creación sensible.

Además de ‘microcosmos’, físicamente consustancial con el mundo, Adán adquiere a título de simpatía y oikeiosis un dominio real sobre los cuatro elementos y sobre sus habitantes: animales de tierra, agua, aire y fuego (= demonios y ángeles)2 p. 102ss y en Corpus Hermeticum vol.3 p.CLXXXV y p.27 n.50. )).

La procedencia somática de Adán, de los cuatro elementos, es un tema trivial y se deja sentir dentro y fuera del judaismo. Mas no se impone absolutamente. Hay quien omite alguno de los cuatro y hay quien agrega nuevos elementos3.

De la parádosis sobre las sustancias de origen hubo de venir fácilmente, si no la acompañó siempre, la tradición sobre el origen ‘ex quatuor cardinibus orbis terrarum’, o de regiones privilegiadas.

La exégesis rabínica ofrece algunas variantes. A juzgar por Sanhédrin 38b, la materia para el cuerpo de Adán provino de regiones diversas: Dios tomó tierra para su cabeza, de Israel; para el vientre, de Babel, y para los miembros, de todos los demás países. Y no faltó quien, inspirándose en Ex 20,244, descubrió en el lugar del santuario futuro el polvo de que Dios formó al primer hombre.

Para muchos judíos el Templo ocupaba el centro geográfico de la tierra. La procedencia más universal de las cuatro partes del mundo venía refrendada aun fuera del hebraísmo por el origen angélico y divino del nombre Adam, acróstico de las cuatro direcciones.

Ningún exponente mejor que Zósimo en su Comentario a la letra Omega c.ll. El nombre de Adam derivaría de la lengua misma de los ángeles (= Arcontes). E indicaría su origen de los cuatro elementos. El cuerpo resume los elementos que componen el mundo y los cuatro puntos cardinales; igual que el nombre Adam resume las iniciales de anatole, dysis, mesembria.

La letra A de este nombre declara el oriente (anatole), el aire; la letra Δ expresa el poniente (dysis), la tierra; que por su peso se inclina hacia lo bajo (la segunda letra Α expresa el norte — arktos —, el agua); la letra M indica el sur (mesembria), el fuego…

Enoc eslavo, los Oráculos Sibilinos (III 24-26) y otros escritos judaizantes denuncian la misma etimología acróstica. Merece singular recuerdo el tratado ps.-ciprianeo ‘de montibus Sina et Sion’ (c.4):

Nomen accepit a Deo Adam. Hebraicum Adam in latino interpretatur ‘terra caro facta’, eo quod ex quatuor cardinibus orbis terrarum pugno comprehendit, sicut scriptum est: ‘Palmo mensus sum caelum et pugno comprehendi terram, et finxi hominem ex omni limo terrae: ad imaginem Dei feci ilium’. Oportuit ilium ex his quatuor cardinibus orbis terrae nomen in se portare Adam…

Y por la curiosa amalgama de tradiciones judías y cristianas, la Vida de Adán y Eva.

Los eclesiásticos no tuvieron reparo en apropiarse buena parte de tales tradiciones. Doctrinalmente eran en su mayoría inocuas. Exaltaban la microcosmía del hombre, sin comprometer la materialidad del cuerpo de Adán ni su identidad esencial con el de los hombres, sus hijos.


  1. Lo tercero es la bondad del creador, sobre todo en ciencia. De opific. 136-137. Cf., por el contrario, la noticia de Kore Kosmou 30: véase J. Kroll, Lehren… Trismegistos 242.  

  2. La composición de aire y fuego, específica de la esencia diabólica, figura mucho en el paganismo. Cf. E. Rohde, Psyché (Freiburg i.Br. 1898 = Darmstadt 1961) II 322,2; H. Diels, Doxographi Graeci (Berlin 1929) p.388s; Kore Kosmou 14 (ed. A. J. Festugière, en Corpus Hermeticum t.4, Paris 1954: fragm. XXIII p.4,22ss). Véase el mismo Festugière en Pisciculi ( = Studien zur Religion… Fr. J. Dölger… dargeboten (Münster i.W. 1939 

  3. La plegaria mágica, estudiada por E. Peterson (Frühkirche, Judentum und Gnosis, Rom 1959, p.109), omite el origen ‘del fuego’: «Yo soy Anthropos, plasma bellísimo del Dios de los cielos, hecho de pneuma y rocío y tierra» (Preisendanz: PMG IV 1177-1179). Entre las adiciones del revisor del Enoc eslavo se lee (ed. y Vers, de A. Vaillant, Le Livre des Secrets d’Hénoch, París 1952, p.101): «Et le sixième jour je commandai à ma Sagesse de faire l’homme de sept éléments: sa chair de la terre, son sang de la rosée et du soleil, ses yeux de l’abîme de la mer, ses os des pierres, sa pensée de la vitesse des anges et des nuages, ses nerfs et ses cheveux de l’herbe de la terre, son âme de mon esprit et du vent». El texto, muy tardío, representa una ideología antiquísima, a juzgar por documentos similares. Recuérdense las siete almas hílicas con que modelaron los Arcontes el cuerpo de Adán, en el Apocryphon Johannis: según las cuatro recensiones Cód. II 15,12ss; IV 24,lss; III 22,16ss; BG 49,7ss. Cf. Troje, Adam u. Zoe 29,1; Weber, Jüdische Theologie 210; W. Staerk, Die Erlösererwartung in den östlichen Religionen (= Soter II) (Stuttgart 1938) p.l6ss; K. Rudolph, en ZfRG 9 (1957) 15s y 18. 

  4. «Me erigirás un altar de tierra y sobre él ofrecerás tus holocaustos y tus víctimas de acción de gracias…»