HANS JONAS — A RELIGIÃO GNÓSTICA
A HABITAÇÃO CÓSMICA E A ESTADA DO ESTRANGEIRO
*Apesar da vastidão do mundo tem-se a impressão de um célula fechada — Marcion a chama haec cellula creatoris — dentro da qual e fora da qual a vida pode se mover.
**”Vir de fora” e “sair ou fugir” são frases padrões na literatura gnóstica
**A Vida ou a Luz “veio ao mundo”, “viajou aqui”; “parte do mundo”, pode ficar “na periferia dos mundos”, e assim “de fora”, “chamada para dentro” do mundo
*A estada ou estadia “no mundo” é denominada “habitação”, “morada”, o mundo ele mesmo uma “habitação” ou “casa”, e em contraste às moradas brilhantes, a “escuridão” ou a morada “inferior”, a “casa mortal”.
**A ideia de “morada” tem dois aspectos: por um lado implica em estado temporário, algo contingente, e assim revogável — uma morada pode ser trocada por outra, pode ser abandonada e mesmo permitida se arruinar.
**Por outro lado, implica a dependência da vida de seu entorno — o lugar onde se habita faz uma diferença para o morador e determina toda sua condição
**Assim ele só pode trocar uma morada por outra, a existência extra-mundana é também denominada “morada”, desta vez no assento da Luz e da Vida, que embora infinitas têm sua própria ordem de regiões limitadas.
**Quando a Vida se assenta no mundo, o pertencimento temporário assim estabelecido pode conduzir a sua transformação em “um filho da casa” e tornar necessário a recordação, “Tu não é daqui, e tua raiz não foi do mundo”.
**Se a ênfase é na natureza temporária e transiente da estadia mundana e sobre a condição de ser um estranho, o mundo é chamado de “estalagem”, na qual se aloja; e “manter a estalagem” é uma fórmula para “estar no mundo” ou “no corpo”
**As criaturas deste mundo são os “companheiros-habitantes da estalagem”, embora sua relação a isto não seja de hóspedes: “Desde que sou uno e mantido para mim mesmo, eu era um estranho para meus “companheiros-moradores” na estalagem” (Hino da Pérola, nos Atos de Tomé)
**As mesmas expressões podem referir-se também para o corpo, que é eminentemente a “casa” da vida e o instrumento do poder do mundo sobre a Vida que nele está fechado.
****Mais particularmente “tenda” e “vestimenta” denotam o corpo como forma passageira terrestre encaixotando a alma
****Uma vestimenta é doada e descartada e mudada, a vestimenta terrestre para esta luz.
**Cortada de sua fonte, a Vida langue na vestimenta corporal
****”Eu sou um Mana da grande Vida. Que me fez vivo no Tibil, que me jogou no corpo?”
****Um Mana sou da grande Vida. Quem me jogou no sofrimento dos mundos, que me transportou para escuridão do mal? Por tanto tempo eu suportei e habitei no mundo, por tanto tempo eu habitei entre os trabalhos de minhas mãos.
****Aflição e pesar eu sofri na vestimenta-corporal na qual me transportaram e me jogaram. Quão frequente deve me despir dele, quão frequente vesti-lo, devo sempre e de novo fixar meu esforço e não observar a Vida em sua shekinah
**De tudo isto surge a questão endereçada à grande Vida: “Porque criastes o mundo, porque ordenastes às tribos (da Vida) para dentro disto, de seu meio?
**A resposta a tal questão difere de sistema a sistema: as questões elas mesmas são mais básicas do que qualquer doutrina particular e refletem imediatamente a condição humana subjacente.