Jo 1,5

PRÓLOGO DE JOÃO — A LUZ BRILHA NAS TREVAS…(Jo I,5)

VIDE: VIRSÍCULOS 4-9

A Luz brilha nas trevas, as trevas não podem alcançá-la.

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Erígena: LUZ NA ESCURIDÃO

Jean-Yves Leloup: EVANGELHO DE JOÃO

A Luz do Logos não se revela sempre na evidência de um corpo de luz, como aquele do Cristo no Monte Tabor ou como aquele de Serafim de Sarov. Na maioria dos casos, ela permanece cercada de Trevas. Ela brilha no Escuro.

Este escuridade não é somente a considerar como sendo aquela do mal ou do pecado que impedem a luz de se revelar; ela é também a condição deste desvelamento.

A luz é por ela mesma invisível; para entrar no campo de nossa percepção, ela tem necessidade de tomar certa densidade (ela se torna então: nuvem), ela tem necessidade de uma certa matéria que é — por conta de sua natureza — mais ou menos pesada e sombria.

Logo pode-se compreender este versículo: É na matéria (skotia) que a Luz (phos) se tornam um fenômeno (phainen), que ela se se torna perceptível no espaço-tempo.

« Skotia auto ou katelaben »: As trevas não podem alcançá-la, ou ainda: não podem compreendê-la (contê-la).

Esta Luz incriada que habita nas profundezas do ser não é acessível ao espírito « material »; ela é de uma outra natureza.

A Alteridade e a Transcendência permanecem no íntimo do Fenômeno, o mais conhecido está saturado de inconhecível; é próprio da Luz permanecer invisível no coração mesmo de tudo que ela dá a ver; infinitamente próxima e sempre não apegada ao que ela mostra; não se poderia guardar nos olhos nem nas mãos sua claridade…

Uma outra interpretação menos metafísica e talvez mais rica em esperança seria de ler neste versículo a afirmação que o mais tenebroso de nós mesmos não viria jamais ao fim da Luz; A Centelha não seria jamais atenuada pelo peso de nossas cinzas; o mal não a tomaria.

Quaisquer que sejam nossas impurezas, a luz que cada um leva em si mesmo não é maculada.

O olhar de João desloca-se agora para o presente e sumariza o ensinamento fundamental da cognição em uma breve sentença: tudo é linguagem, discurso ou fala ela mesma. Através das metamorfoses do Logos, que é vida-luz, contato com a escuridão se dá. Este segundo ponto essencial segue o tema de abertura do “Logos no princípio primal”. A luz aparece na escuridão, e a escuridão não a recebe em si mesmo. Aqui o texto pausa, interrompe o fluxo da descrição da descida, e a “interpolação” sobre João Batista segue. É preciso conhecer mais de seu significado antes de retornar ao destino do Logos-Luz. O Prólogo então culmina com “e vimos sua glória” (Jo I,14). Depois da descrição das relações do Logos com a luz, o texto retorna, em frases significantes, à glória e radiância do Logos.

Estes dois pontos de virada são enfatizados pela forma gramatical. Aparte do verbo “ilumina” em sentença subordinada (Jo I,9), que é também relacionada à luz, só um simples verbo no Prólogo inteiro está no tempo presente, todos os outros estão no tempo passado. Este é o verbo “aparecer”. Igualmente enfática é a frase, “e nós vimos”, o único momento pessoal no Prólogo, todos os demais predicados estando na terceira pessoa. A Luz de fato deve ser dita no tempo presente, pois ela, como o Eu sou, não pode ser mencionada no tempo passado. Em um verdadeiro texto, forma e significado interior originam de “uma única” fonte, e não são acidentais. O pronome pessoal no clímax do Prólogo, vindo depois desse princípio e daqueles temas, é um sinal enfático. Para muitos os três temas — o Logos no princípio primal, a luz na escuridão, e a contemplação do homem da radiância do Sol (glória) — se tornaram três obstáculos que escandalizam e ofendem. Para alguns é um pensamento monstruoso que a luz apareça na escuridão e brilhe. Significa que a escuridão não é o mal absoluto, mas “serve”, talvez para a chamada do amor, o se tornar consciente da luz, de modo que a luz pode receber sua sua ideia através do homem e se tornar verdadeira luz. Só em combinação com sua ideia é tudo aquilo que é. A luz inapercebida, não apreendida como ideia, não é ainda a verdadeira luz do homem, que aparece primeiramente só em alguns. A verdadeira luz é integralmente ideia, experiência interior. Nada é percebido através dos sentidos, porque os sentidos percebem somente o que já foi iluminado. O tema da “luz na escuridão”, recorre nisso que o Salvador, esperado desde tempos imemoriais, não vem à nobreza, aos regentes e aos escribas, mas, ao invés, aos pobres, os doentes, os pecadores. Assim não acaba um regente terrestre, mas ao invés morre uma morte vergonhosa, longe do palco da história em um recanto insignificante da terra. O mundo dificilmente nota este lugar. A luz que veio ao mundo não guarda semelhança com a luz da tradição pré-cristã. É a luz na escuridão: para a tradição, um tema herege e revolucionário.