filosofia

Significa etimologicamente amor da sabedoria. Com isso pretende-se dar a entender que o homem nunca possui plenamente a compreensão definitivamente válida de tudo o que se designa sabedoria, mas luta sempre ansiosamente por atingir esse alvo. Quanto ao conteúdo real, filosofia denota o saber da razão humana, a qual, penetrando até às últimas razões, investiga a realidade global, especialmente o ser e o dever próprios do homem. Uma certa compreensão de si mesmo e do universo anima de contínuo a ação do homem adulto. Esta espontânea orientação da existín-cia constitui sua filosofia pré-científica, a qual ostenta um cunho instintivo e sentimental, mas nem por isso brota menos de um pensamento que, enquadrado na conexão total da vida, não se isola nem formula enquanto tal. Para além desse conhecimento, o homem, em todos os séculos, tem-se sentido impelido para um saber seguro, sistemático, pormenorizado e mentalmente esclarecido, do real, precisamente para a filosofia científica.

Sua missão pode ser nitidamente delineada, se a opusermos às demais ciências. Do mesmo modo que estas, a filosofia é um saber pelas causas, mas de espécie muito peculiar. As restantes ciências são ciências particulares, porque se circunscrevem a uma parcela da realidade e só pesquisam as causas últimas dentro desse sector (portanto são relativas). A filosofia, pelo contrário, é ciência universal, visto que abarca a totalidade do real e, por isso mesmo, penetra até às suas razões últimas, ou seja até às causas absolutamente últimas. — O ponto de partida mais íntimo da filosofia é a ação humana, a só coisa imediatamente dada ao homem, na qual se lhe revela o seu eu e tudo o mais. Encarada deste ponto de vista, a filosofia toda apresenta-se como interpretação daquela ação humana levada até suas mais profundas raízes. Em sentido mais amplo, é ponto de partida do filosofar todo e qualquer saber acerca do real, que preceda a filosofia, não só o implicado na vida cotidiana e na criação cultural, como também o subministrado pelas demais ciências. Se estas servem à filosofia, esta, por sua vez, lhes presta serviço, enquanto aclara e assegura as bases últimas delas.

Acerca do método da filosofia, diremos somente que ela procura interpretar o mundo, ao qual o homem também pertence, por meio da razão humana, e sob este aspecto pode ser considerada como ciência do mundo. Em frente dela, ergue-se a ciência que tem Deus por objeto ou teologia, a qual, apoiada na revelação divina, se ocupa de Deus e de sua ação no mundo. O fato de a filosofia ser obra da razão não significa que ela fique à mercê de um racionalismo hostil à vida; pois que a própria razão é um elemento da vida humana e está em intercâmbio orgânico com os outros elementos desta. Pelo que, a filosofia não só satisfaz a tendência do espírito para a verdade, como também aclara, complementa e consolida a orientação da vida do homem, pela qual, por seu turno, ela é orientada e defendida contra loucos devaneios. — Tal filosofia nunca pode ser obra exclusiva do indivíduo, que cede com demasiada facilidade às contingências do seu eu e do seu tempo e, de acordo com isso posterga a realidade. Só o diálogo, a um tempo, respeitoso e crítico, com a tradição filosófica da humanidade conduz à verdade integral, porque as eternas perguntas encontram eternas respostas que perduram através de todas as épocas e opiniões, formando uma philosophia perennis. Não se trata contudo de uma cega na autoridade dos grandes pensadores, nem de uma aceitação rígida de suas fórmulas; pelo contrário, cada época tem de propor de novo os problemas eternos e de tentar dar-lhes uma solução.

No que tange à divisão da filosofia, distinguimos com S. Tomás de Aquino, as ordens do ser, que a razão encontra perante si, e as ordens do operar, que ela fundamenta. Dentro do primeiro domínio, estuda a razão, enquanto descobridora do ser: (teoria do conhecimento). No próprio ente penetra a metafísica. Como metafísica geral, desenvolve as questões relativas a todo ente em geral, quer se refiram à sua estrutura interna (ciências do ser ou ontologia), quer se refiram à sua origem primeira (ciência de Deus ou teologia natural). Como metafísica especial, aplica os conhecimentos adquiridos aos círculos fundamentais do criado, dilucidando a natureza (filosofia natural ou cosmologia) e o espírito que, se nos depara só como alma humana (filosofia da alma ou psicologia). De ambas deriva a ciência filosófica do homem (antropologia). — O segundo domínio estrutura-se de acordo com os modos de operar. A lógica estuda a maneira reta e exata de pensar; a ética e a filosofia da religião (filosofia da religião), a bondade da operação interna, que aperfeiçoa o homem total; a filosofia da cultura (filosofia da cultura), em seus vários ramos, considera a obra da criação externa, que desenvolve diversas atuações parciais. — Com os mencionados domínios não coincide inteiramente a dualidade de filosofia teorética theorein contemplar) ou especulativa e prática prattein fazer). A primeira abrange tudo quanto se refere ao saber, incluindo a lógica; a segunda, somente o operar propriamente dito, enquanto é mais do que saber. — Lotz. (Brugger)


PHILOSOPHIA = FILOSOFIA

Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias (philosophia) e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo; (Col 2:8)


CRISTOLOGIA
Citações dos Padres — em nosso site francês

Ananda Coomaraswamy: DA PERTINÊNCIA DA FILOSOFIA

Ninguém contesta que filosofia implica mais o amor pela sabedoria do que o amor ao saber, nem que depois, por uma transição natural do amor para a sabedoria, surgiu a filosofia, que passou a significar a doutrina dos que apreciam a sabedoria e são denominados filósofos.

Ora, o saber ou conhecimento como tal não é um mero informe dado pelos sentidos (o reflexo de qualquer coisa no espelho retinal pode ser perfeito num animal ou num idiota, mas não é saber nem conhecimento), nem o simples ato de reconhecer (sendo os nomes um simples meio de se aludir a informes já mencionados): é uma abstração desses informes, em que a abstração dos nomes das coisas é usada como um substituto conveniente para as coisas em si. Por isso o saber ou conhecimento não é de representações individuais, é de tipos de representações; em outras palavras, é a representação das coisas no seu aspecto inteligível, ou seja, da existência que as coisas têm na mente de quem fica sabendo ou conhecendo, tais como princípios, gêneros ou espécies. Na medida em que o conhecimento é dirigido para a consecução dos objetivos, é denominado prático; enquanto permanece na pessoa que vai ficar sabendo, chama-se teórico ou especulativo. Enfim, não podemos dizer que uma pessoa sabe algo sensatamente; só podemos dizer que sabe bem. A sabedoria não leva em conta o saber e governa o movimento da vontade no que se refere a coisas conhecidas; ou podemos dizer que sabedoria é o critério do valor, segundo o qual tomamos a decisão de agir ou não num caso particular ou em geral. Isso não se aplica meramente a atos externos, aplica-se também a atos contemplativos ou teóricos.

Dessa maneira, filosofia é uma sabedoria do conhecimento, uma correction du savoir-penser. Em geral é costume considerar que a filosofia metafísica, ser de fato anterior na ordem lógica de pensamento, que sai de dentro para fora. abrange o que mencionamos antes como saber especulativo, como por exemplo a lógica, a ética, a psicologia, a estética, a teologia e a ontologia; e nesse sentido os problemas de filosofia são obviamente os mesmos da racionalização, sendo portanto a finalidade da filosofia correlacionar os dados da experiência empírica de modo a “extrair algum sentido” deles, ou seja, de modo a compreendê-los, o que na maior parte das vezes é conseguido por uma redução do particular para o geral (dedução). E, definida dessa forma, a função da filosofia contrasta com a da ciência prática, cuja função apropriada é prever o particular a partir do geral (indução). Contudo, por trás disso é costume considerar que a filosofia significa uma sabedoria que não se refere tanto a tipos particulares de pensamento, mas é uma sabedoria que se refere a pensar e analisar o que significa pensar, assim como uma indagação do que pode ser a natureza da referência final do pensamento. Neste sentido, os problemas da filosofia têm a ver com a natureza final da realidade, atualidade ou situação por que passamos, indicando por realidade tudo que é ação ou ato, e não simplesmente potencial. Por exemplo, podemos perguntar o que são a verdade, a bondade e a beleza (consideradas conceitos abstraídos das situações por que passamos e das coisas que sentimos) ou podemos perguntar se estes ou quaisquer outros conceitos abstraídos do que passamos ou sentimos têm de fato uma existência própria; isso constitui o assunto em debate entre nominalistas, de um lado, e realistas ou idealistas, de outro.1 Podemos observar que, como em todas estas aplicações filosofia significa sabedoria, se (ou quando) falamos em filosofias no plural não estamos querendo indicar tipos diferentes de sabedoria, e sim indicar sabedoria em relação a diversos tipos de coisas. A sabedoria pode ser maior ou menor, mas continua havendo uma e a mesma ordem de sabedoria.


Singularmente desprovida e indigente aparece então a filosofia, que se encontra inicialmente em situação de errância, não sabendo o que é a Verdade nem como fazer para chegar até ela. Longe de estar em posse de um começo assegurado por si mesmo, é prisioneira da aporia. Deve partir à procura de um ponto de partida verdadeiro, sem saber de onde partir para ter uma oportunidade de encontrá-lo, e sem saber, no caso de ter essa sorte, como poderia reconhecê-lo. Ao ceticismo antigo de onde saiu o platonismo, faz eco a dúvida universal de Descartes. A genialidade de Descartes foi descobrir nessa dúvida mesma o início buscado e, ao mesmo tempo, a própria Verdade, na medida em que ela reside nesse começo e na segurança que lhe é própria. (Michel Henry, MHE)

  1. Este é o tema debatido entre os filósofos budistas e bramanistas. Para os nominalistas, as formas, ideias, imagens e motivos finais são meramente nomes dos painéis de pensamentos e só são válidos como meios de comunicação; para os realistas (idealistas) as formas finais são realidades que dependem da existência e são inerentes a ela, isto é, reais em sua existência e nominais apenas no sentido de serem “distinguíveis apenas logicamente”.[]