Pla
(42) Jesus disse: Sede transeuntes (gr. paragein).
(43) Seus discípulos o disseram: quem és tu que nos diz isso? Jesus os disse: Depois do que os digo, não sabeis quem sou? Sois como os judeus, que amam a árvore e detestam seu fruto, ou amam o fruto e detestam a árvore.
Puech
42. Jésus a dit : Soyez passant.
43. Ses disciples lui dirent : Qui es-tu, toi qui nous dis cela ? < Jésus leur dit > : D’après ce que je vous dis, vous ne savez pas qui je suis ? Mais vous êtes devenus comme les Juifs, car ils aiment l’arbre (et) haïssent son fruit, et ils aiment le fruit (et) haïssent l’arbre.
Suarez
LOGION 42
1 Jésus a dit : 2 soyez passant.
LOGION 43
1 Ses disciples lui dirent : 2 qui es-tu pour nous dire de telles choses ? 3 Par les choses que je vous dis, 4 ne savez-vous pas qui je suis ? 5 Mais vous, vous êtes comme les juifs : 6 ils aiment l’arbre, 7 ils détestent son fruit, 8 et ils aiment le fruit, 9 ils détestent l’arbre.
Meyer
42
Jesus said, “Be passersby.” [Cf. an Arabic inscription at the site of a mosque at Fatehpur Sikri, India; Petrus Alphonsi, Clerical Instruction.]
43
(1) His disciples said to him, “Who are you to say these things to us?” (2) “You do not know who I am from what I say to you. [Cf. John 14:8–11] (3) Rather, you have become like the Jewish people, for they love the tree but hate its fruit, or they love the fruit but hate the tree.” [Cf. Luke 6:43–44 (Q); Matthew 7:16a, 16b (Q), 19–20; 12:33a–b, 33c (Q)]
Canônicos
[Segue-me]
Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia. (2Co 4:16)
Comentários
Roberto Pla
Com sua advertência de que se deve ser transeunte nesta vida, quer dizer, morador estritamente circunstancial do mundo, propõe Jesus, segundo parece, despertar naqueles que o escutam a intuição do espírito próprio, do Ser, de cada um. Avisos como estes não faltam nos evangelhos canônicos. O uso do duplo sentido do vocábulo “pneuma” (espírito-vento; heb. ruah), utiliza Jesus em uma ocasião referindo-se a João Batista.
E, partindo eles, começou Jesus a dizer às turbas, a respeito de João: Que fostes ver no deserto? uma cana agitada pelo vento? (Mt 11:7)
O corpo é aqui interpretado como cana oca por onde o espírito que dá vida, penetra e vivifica a alma e o soma. Destes princípios reunidos na unidade do homem terreno, o corpo é o único morador até certo ponto estável e o espírito, embora eterno, se limita a transitar pela cana em cumprimento de sua função de transeunte do mundo.
O que pede Jesus ao dizer: “sede transeuntes”, é uma identificação da consciência com o espírito eterno, infinito, semelhante a uma esfera com o centro em todas as partes, ou em nenhuma, segundo se interprete e, em consequência, privado de lugar próprio no mundo de baixo. Isto é o que explica Jesus quando em resposta ao escriba que quer seguir seus passos, o adverte: “O Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8,20; Lc 9,58); e algo similar o dirá a Nicodemo, na ocasião de seu memorável diálogo com o magistrado judeu relatado no evangelho joanico (vide Nascer do Alto): “O vento (espírito) sopra onde quer e ouves sua voz, mas não sabes de onde vem nem a onde vai” (Jo 3,8).
O que em definitivo recorda Jesus não somente é o caráter transitório da vida no mundo senão, especialmente, a necessidade de tomar consciência até a vida eterna do espírito.
- Logion de Jesus em Delhi esculpido pelo mongol Akbar o Justo: Jesus, a paz esteja com ele – disse: O mundo é uma ponte; passes por cima mas não estabeleças nele tua morada.
- Dito do Sufismo: Estar no mundo mas não ser do mundo.
Incitados pela ideia de alcançar essa eternidade do espírito, cuja inquietude por descobri-la foi suscitada pelas palavras de Jesus, abordam os discípulos, uma vez mais, a interrogação sobre o Ser. O que perguntam os discípulos é acerca do Ser enquanto Filho do homem, enquanto Cristo vivo, oculto, embora manifesto veladamente através da palavras de Jesus. Por isso dizem: “Quem é tu que nos diz isto?”
O lugar paralelo a este logion nos evangelhos canônicos, aparece na mesma pergunta que o fazem a Jesus os judeus, segundo o relato de João: Sinal da Cruz. Não há dúvida de que esta divisória não se deve entender em termos diretos de lugar, senão em um sentido inteiramente qualitativo. Ninguém ignora que na linguagem evangélica a expressão “abaixo” serve para indicar o mundo material inclusive o corpo, além do mais de todas as paixões ou afeições de caráter transitório e portanto mortal, pertencentes ao reino intermédio, ou psíquico. A consciência aderida, consumada em apegos a tal mundo, encarna a soma de uma homem de “abaixo”; mas se mercê ao conhecimento e à virtude a consciência não mantém aderência ou superposição nenhuma, senão que é somente espírito puro, sem mistura, tal como o vento que sopra em que “nasceu do alto”, tal é um homem de “acima”.
Em sua condição de homem de “acima” — um desconhecido completo para qualquer homem de “abaixo” — fez Jesus uma vez mais sua grande afirmação joanica: “Se não crês que Eu Sou…” [Sinal da Cruz]. E é precisamente este Eu Sou, cujo não entendimento firme, profundo é em si mesmo e por assim dizê-lo, “pecado”, posto que caracteriza ao homem de “abaixo” mortal, incapacitado para compreender a essencialidade do mundo de acima… é precisamente este Eu Sou o que suscita a pergunta: “Quem és tu?”. Mas esta pergunta não interroga sobre as qualidades ou determinações do Ser, senão sobre o Ser em si mesmo, quer dizer, sobre o “ser do Ser”.
Como é bem notório, o Eu Sou que Jesus repete intencionalmente embora em situações diversas por quatro vezes no evangelho de João, é uma aplicação a si mesmo do nome divino revelado a Moisés (Sou Aquele Sou), e se quer sublinhar com isto que o Ser de Jesus enquanto Cristo vivo, é o único Ser real e verdadeiro tal como o é o Ser de Deus. O “sou o que sou” do AT, muito mal entendido pelo dualismo religioso, afirma não somente o Ser absoluto de Deus senão o Ser real e verdadeiro de Deus com exclusão não de qualquer, senão de qualquer afirmação do Ser alheia a Deus.
- Talvez a interpretação mais correta do texto hebreu seja a preferida pelos Setenta: “Eu Sou o que é”, mas um valor similar têm as leituras: “Eu sou o que sou”, ou “Eu sou o que é”.
Quando Jesus afirma com seu Eu Sou seu ser real e verdadeiro enquanto Filho do homem, afirma ao mesmo tempo por exclusão, a não realidade absoluta de todo aquele que se apresenta “vivificado”, quer dizer, com Vida tomada de empréstimo da Vida real e absoluta “do-que-é”; a realidade absoluta e verdadeira do espírito do homem — o homem pneumático — como gota de luz do Filho, e a unidade absoluta do Pai e do Filho no único Ser real e verdadeiro, expressada fielmente no evangelho:
Eu e o Pai somos um. (Jo 10:30)
Crede-me que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim; crede ao menos por causa das mesmas obras. (Jo 14:11)
A resposta de Cristo segundo o logion é recriminatória e ao mesmo tempo explica uma vez mais a grande lição da via gnosiológica ensinada por Jesus Cristo em seu evangelho (vide Árvore Boa).
A prática do processo dedutivo evangélico exige, sem dúvida, uma repetida, insistente ação que se desloca do visível ao invisível (visível-invisível), e por esse motivo adverte Jesus a todos acerca da necessidade de ser “transeuntes”, de não se deter na contemplação de um dos mundos com exclusão do outro. Isto é o que faziam muitos homens de seu tempo, representados no logion evangélico pela locução “judeus”. Aqueles que fixavam seu olhar ideal no invisível significado pela árvore da perícope, pensavam malquerer o fruto e os que buscavam contemplar unicamente a realidade visível — o fruto — negavam a essência, a árvore. Tal advertência, por certo, é também válida em todos os tempos da história.
A resposta sinótica dada por Jesus no quarto evangelho oferece certas dificuldades de tradução e se ensaiaram muitas versões, que afortunadamente não são contraditórias em geral, senão que coincidem em sublinhar a necessidade de partir das palavras de Jesus — o fruto — para chegar a destacar e compreender o Si – Ser real e absoluto que é sua essência espiritual — a árvore — (vide Sinal da Cruz). Jesus diz: “Em primeiro lugar, o que os estou dizendo” (versão da Bíblia de Jerusalém), o que pode interpretar-se como uma afirmação que antes de tudo, em princípio, ele é, enquanto ente visível, o “fruto” que os fala e que se expressa diante deles. Mas o que este fruto — Jesus — diz de si mesmo, da árvore essencial, não visível, não pode ser outra coisa mais que “Eu Sou”, posto que o Ser inapreensível só pode conhecido por indicações e não por suas determinações, as quais não são o Ser senão meras qualidades aderidas a este.
É por meio destas indicações pela quais cada consciência pode alcançar, pela graça, a intuição do Ser, à vista da universalidade deste. Em consequência, fala Jesus do Pai, do qual pode dizer-se “Sou o que sou” e do qual o Filho do homem é sua Palavra.
Como via metodológica para alcançar a intuição do Ser, propõe Jesus no evangelho a necessidade de levantar o Filho do homem.