Pla
Jesus disse: O Reino é semelhante a um pastor que tinha cem ovelhas. Uma delas, a mais gorda, se perdeu. Ele, abandonou às noventa e nove e buscou a única até encontrá-la. Quando havia passado a aflição, disse à ovelha: Te amo mais que as noventa e nove.
Puech
107. Jésus a dit : Le Royaume est semblable à un berger qui avait cent brebis; l’une d’elles se perdit, qui était la plus grosse; il laissa les quatre-vingt-dix-neuf (et) il chercha celle-là seule, jusqu’à ce qu’il l’eût trouvée. Après qu’il eut peiné [Ou, peut-être, si on lit he au lieu de hise : « Après qu’il (l’) eut trouvée ». Mais la conjecture est des plus douteuse.], il dit à la brebis : Je t’aime plus que les quatre-vingt-dix-neuf.
Suarez
1 Jésus a dit : 2 le Royaume est semblable à un berger 3 qui possédait cent brebis. 4 L’une d’entre elles, la plus grosse, disparut. 5 Il laissa les quatre-vingt-dix-neuf 6 et ne se préoccupa que de l’Unique, 7 jusqu’à ce qu’il l’eût trouvée. 8 Comme il s’était donné de la peine, 9 il dit à la brebis : 10 je te veux plus que les quatre-vingt-dix-neuf !
Meyer
107 (1) Jesus said, “The kingdom is like a shepherd who had a hundred sheep. (2) One of them, the largest, went astray. He left the ninety-nine and sought the one until he found it. (3) After he had gone to this trouble, he said to the sheep, ‘I love you more than the ninety-nine.’” [Cf. Matthew 18:12–13 (Q); Luke 15:4–7 (Q); Ezekiel 34:15–16]
Comentários
Roberto Pla
Versão em sentido oculto da Ovelha Perdida.
A ovelha, como imagem da alma, essencializada ou não, é o símbolo universal utilizado na Escritura para designar ao homem como membro de uma espécie tendente à dispersão, por débil e desvalida, quando vive sem pastor, mas que Deus prevê reunir na unidade no final dos tempos como rebanho próprio de seu redil [Pastor e Ovelhas].
A mais antiga figura da alma enquanto ovelha necessitada de pastar nos pastos de Deus foi acompanhada de Abel, pastor de ovelhas.
Tornou a dar à luz a um filho – a seu irmão Abel. Abel foi pastor de ovelhas, e Caim foi lavrador da terra. (Gen 4,2)
Seguiram-se todos os patriarcas de Israel, que desde Abraão até Moisés “apaziguaram” ovelhas.
Na tradição testamentária do profetismo aparece a convicção de que o único bom pastor é Deus. Este é o tempo das queixas acerca da obra feita pelos chamados “pastores de Israel”, os quais, segundo se diz, “se apaziguam a si mesmos”: Is 53,6; Jer 23,1-3.
Os textos dos profetas dedicados a propor a substituição dos pastores humanos pelo Senhor, como pasto direto, único e divino, são muito claros e é evidente que se postula neles a supressão de tais pastores como intermediários, forçosamente defeituosos, entre o homem e Deus, naquelas matérias que se referem à consumação religiosa da ovelhas: Ez 34,10.
Na revelação neotestamentária reivindica Jesus para si, enquanto Cristo manifesto e oculto ao mesmo tempo, não somente ser ele o bom pastor da eleição feita por Deus, o pastor que conhece as ovelhas, mas que revela ser ele, além do mais, a porta das ovelhas, a porta que as ovelhas conhecem.
O Cristo manifesto é o pastor verdadeiro e o Cristo oculto é a porta que cada ovelha tem em si mesma, no meio dela. O Cristo oculto é, com efeito, a porta que cada ovelha há de transpor para tomar em propriedade a Vida que o Filho do homem lhe dá por desígnio do Pai com o que “ele é uno”. [Pastor e Ovelhas]
O bom pastor a seguir até ser de seu redil, é o Cristo oculto, interior, que comparece como porta, o pastor que cada ovelha há de descobrir e reconhecer como seu si mesmo desde a eternidade. Este reconhecimento é o único signo que livra da ansiedade de crer ou não crer; o reconhecimento que salva desse abismo que abriram os pastores externos entre o ser do homem e o Deus que o espera misericordioso sob o dintel para dizer-lhe: “Eu sou tu”.
As ovelhas da parábola são todas as ovelhas, todas as almas desta grande geração humana. Ao dizer que são cem, que é um número de perfeição, o que se diz delas é que seu número é perfeito posto que são todas, embora não se diga que elas são perfeitas, pois caso fossem não estariam neste trânsito da geração humana.
Andam dispersas as ovelhas, apartadas umas das outras; seus corpos, por impenetráveis as separam por toda superfície da terra. Algumas ovelhas, arriscam errantes pelos montes e altas colinas, e outras, mais débeis, ou mais enfermas, ou mais feridas, pastam no deserto, sem que ninguém se ocupe do rebanho, nem saia em sua busca.
Por vezes acontece, sem que se possa saber porque motivo, que alguma destas ovelhas buscando sendas verdadeiras, se encontra perdida, descarriada, porque não conhece o redil ao qual quer voltar. Estas ovelhas sofrem fome e sede de justiça, e em consciência “buscam”. E essa é a mais formosa e eficaz maneira de pedir o retorno ao Pai.
São estas ovelhas que recebem a “presença” do Espírito “que nelas está” e que logo se revela como morador eterno de seu santuário. A descida da unção que se derrama sobre a ovelha é o procedimento que emprega o Espírito para buscar e encontrar ao final à ovelha, perdida primeiro e descarriada depois.
Graças ao alimento que recebe do Pai, a ovelha resulta ser agora a mais gorda e robusta, a que o pastor guarda e pastoreia com justiça. Diz o evangelista que o bom pastor se põe logo a ovelha sobre os ombros, tal como dizem que tomou Jesus a cruz, para conduzi-la até o monte da Vida.
Talvez queira significar com isso Lucas que ao ser a mais gorda, lhe havia chegado a esta ovelha a hora do sacrifício. Mas o sacrifício de uma alma consiste em morrer ao mundo, todos os dias um pouco, para que se dissipe tudo o que nela é mundo até restar convertida em essência. Estas são as bodas sagradas da alma, que se entendem como morte, mas são primícia da ressurreição em espírito.
Segundo a exegese oculta, a alma convertida em espírito por essencialização de si mesma, é a alma que “fez do dois um”, que dizer, a que alcançou a Unidade. Por isso diz o logion que esta ovelha consumada é “única” (só), pois ainda que sejam muitas as ovelhas perdidas e encontradas, sempre são “uma” na unidade do Pai.
No entanto, por outro lado, à esquerda, onde estão os que ainda não encontraram a unidade, restam os “cabritos” que o pastor separa das ovelhas “únicas”. Ali restarão, entretanto, as ovelhas (cabritos) que não se encontraram perdidas, nem descarriadas, porque jamais imaginaram, enquanto pastavam nos montes ou no deserto, que uma mansão bendita as esperava quando retornaram. Dessas ovelhas se diz que são as “noventa e nove”, as imperfeitas ainda, pois não alcançaram a perfeição de ser “únicas”.
Termina o logion esta parábola quando o pastor confessa seu amor incomparável pela ovelhas que se fez “um”. Mateus explica a vontade do Pai que tenham Vida eterna todas as almas que nasceram “de acima” ([Nascer do Alto->art7092]) e se fizeram “pequeninas” (elakistos), recém-nascidas ao Espírito, para entrar no Reino.
Quanto a Lucas, sublinha ao final da parábola o gozo que se produz no Reino do Pai pelo retorno de uma alma que se viu a si mesma perdida e logo descarriada no imenso oceano da alma, como antecipação de seu caminho de conversão.
Bem distinta desta ovelha convertida, são aquelas noventa e nove que tal como aqueles pecadores que se acercavam a Jesus para ouvi-lo sem pensar que eles eram pecadores, ainda não davam por chegada a hora de sentir-se perdidos e ter necessidade de conversão.
Aquelas ovelhas, as noventa e nove, ainda não são do redil verdadeiro; mas serão conduzidas e escutarão a voz, e se unirão ao mesmo rebanho, porque em verdade só é possível um rebanho e um pastor.
Isso é o que apontou Jesus em seu Discurso sobre a obra do Filho, no quarto evangelho: A ovelha “única”, que alcançou a perfeição, sairá de seu sepulcro terrenal para uma ressurreição de Vida, e as noventa e nove, as imperfeitas, sairão, quando ouçam a voz do pastor, “para uma ressurreição de juízo”, quer dizer, para um banho de fogo eterno, purificador, com consistência de sal, até alcançar a perfeição, a qual é o juízo.
Quando chegue a hora da conversão, não há que esquecer que o bom pastor é o que se encontra “em meio” das ovelhas dispersas, o Deus que espera misericordioso sob o dintel da porta de cada um, porque ele é a porta.
Leloup
- A leitura de Valentim desta parábola não é propriamente gnóstica, mas “gnosticante”
- Para Valentim “é ele, Jesus, o pastor, que deixou as 99 ovelhas que não se perderam; foi, buscou aquela que se perdera; se alegrou quando a encontrou: porque 99 é um número que é contado com a mão esquerda, ela mantém. No entanto, quando se se encontra o Uno, é todo o número interior que se desloca para a mão direita: assim também é daquele que falta do Uno, quer dizer, a mão direita inteira, que atrai o que é deficiente, o toma da parte esquerda e o desloca para a direita, e assim o número se torna cem” (alusão a uma antiga forma de contar: até 99 na mão esquerda e 100 na mão direita).
- Compreende-se porque o cem é mais importante, o mais belo, o que permite passar de uma mão a outra, de um estado de consciência a outro…
- No Evangelho da Verdade: “É ele, o Pastor, que deixou 99 ovelhas que não se perderam. Ele foi procurar aquela que se perdeu e se alegrou a tendo encontrado, pois 99 é um número que se conta na mão esquerda. Mas quando ele encontrou o Uno, o número inteiro passa para a mão direita”.
- Uma leitura mais metafísica nos lembraria que perdemos o contato com o Uno, o Si, o Único necessário ou ainda o mais belo de nós mesmos…
- Perdemos nosso centro, este ponto de coesão e de harmonização dos diferentes níveis de nosso ser.
Gillabert
As provas que encontro no caminho do despertar me convidam ao discernimento.
O gnóstico sabe que se ele se atém ao Único, ele tem o Todo. Compreende que o Uno engloba o múltiplo [Logion 58]. Ele é como o pecador avisado que escolhe o grande bom peixe [Logion 8].
A degradação da redação desta parábola se nota pela passagem de seu centro de atração, da ovelha para o pastor, nos sinóticos. Uma etapa intermediária nesta degradação é a passagem do Evangelho da Verdade (séc. II – trecho traduzido acima), que pode nos fazer perguntar: “como o Pastor pôde perder o Uno?”.
Puech
- Reflexão sobre os personagens de elite nomeados “Viventes” (netoneh, hoi zontes), “Únicos” (monachos), “Eleitos” (nsotep, hoi eklektoi) e mais ordinariamente denominados “Espirituais” (pneumatikos), “gnósticos” (gnostike).
- Vários traços os caracterizam:
- Superioridade sobre os demais homens a quem se opõem como “grandes” a “pequenos”; sua raridade, seu número ínfimo em relação à massa, à multidão, aos polloi; sua situação excepcional, privilegiada em relação ao mundo e à humanidade ordinária.