Escoto Eriugena — Homilia sobre o Prólogo do Evangelho de S. João — Ambos correram…
Ambos os Apóstolos, entretanto correram ao túmulo.
O túmulo de Cristo é a Sagrada Escritura, na qual os mistérios de sua divindade e humanidade estão seguros pelo pêso da letra, assim como o túmulo está seguro pela pedra.
Mas João corre à frente e chega antes de Pedro — pois a contemplação, sendo profundamente purificada, penetra mais prontamente e rapidamente dentro do poder secreto da intenção divina do que faz a ação, que ainda necessita purificação.
No entanto — embora eles tenham ambos corrido para o túmulo e ambos entrado nele — Pedro entra primeiro, e João apenas entra depois dele. Pois se Pedro simboliza a fé, então João significa o intelecto. Portanto, como está escrito, “A não ser que acredites não irás compreender”, a fé necessariamente entra primeiro no túmulo da Sagrada Escritura, seguido pelo intelecto, para o qual a fé preparou a entrada.
Pedro, que reconheceu o Cristo, agora feito humano e divino no tempo, e dito, “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, voou muito alto, mas mais alto ainda voou aquele que, tendo conhecido este mesmo Cristo como Deus, nascido de Deus antes do tempo, disse, “No princípio era o Verbo”.
Não se pense, no entanto, que se prefere João a Pedro. Pois quem poderia fazer isto? Quem de fato entre os Apóstolos poderia ser maior do que aquele que é, e é chamado, seu chefe?
Não preferimos João a Pedro, apenas comparamos ação e contemplação — a alma, ainda necessitando purificação, à alma que já está purificada. Só comparamos a virtude que ainda está no processo de ascensão para um estado imutável, à virtude que já atingiu isto. Não consideramos aqui a dignidade pessoal dos Apóstolos, mas apenas as belas distinções que são feitas nos divinos mistérios.
Assim Pedro, ação praticando virtude, percebe, através da fé e da ação, o Filho de Deus confinado na carne de uma maneira maravilhosa e inefável. Mas João, que é a mais alta contemplação da verdade, se maravilha diante do Verbo de Deus em si-mesmo, antes da carne, em seu princípio ou origem absoluta e infinita — ou seja, no Pai.
Pedro, verdadeiramente, quando observa a eternidade e o tempo feitos um, em Cristo, é levado a divina revelação; mas é João somente que dirige as almas cheias de fé ao conhecimento daquilo que em Cristo é eterno.