Erigena Verbo

ESCOTO ERIUGENA — ANÁLISE DO TRATADO «DA DIVISÃO DA NATUREZA».

Nicola Abbagnano — História da Filosofia
A SEGUNDA NATUREZA: O VERBO

A segunda natureza, a que é criada e cria, corresponde à segunda pessoa da Trindade. Contém as ideias e as formas das coisas; é portanto o Verbo divino, através do qual todas as coisas foram criadas. Escoto interroga-se sobre o valor causal que podem ter as formas subsistentes no Verbo divino; se os corpos do mundo são formados por elementos que foram criados do nada. Se o nada fosse efetivamente a origem de tais corpos, teria sido também a sua causa. Sendo assim, o nada seria melhor que as próprias coisas de que foi causa, uma vez que a causa é sempre superior ao efeito. Escoto resolve a dificuldade afirmando que os elementos que compõem o mundo não foram criados pelo nada, mas pelas causas primordiais. E volta a levantar o problema a propósito destas últimas. Teriam sido estas criadas do nada? Escoto responde que também estas não foram criadas do nada; sempre estiveram com o Verbo porque são coessências. A criação do nada não se refere às causas primordiais, nem tão-pouco às coisas que dependem delas. O nada não encontra lugar nem dentro nem fora de Deus. O fato de as coisas terem sido criadas do nada significa apenas que existe um sentido no qual não são: com efeito, as coisas tiveram um princípio no tempo através da geração e antes desta não apareciam nas formas nem nas espécies do mundo sensível. Mas, noutro sentido, são sempre, já que subsistem como causas primordiais no Verbo divino, na qual nunca começam ou deixam de existir (III, 15). A teofania divina começa nas causas primeiras que subsistem no Verbo. Para elas, o próprio Criador é criado por si mesmo e por si se cria, isto é, começa por surgir nas suas teofanias, a emergir dos recessos da sua natureza e a descer aos princípios e às coisas, começando assim a existir juntamente com elas (III, 23). João Escoto, ao longo de toda a sua obra, insiste na identidade essencial das criaturas com o Criador, na permanência da criatura na própria essência do Criador, na presença substancial deste naquelas. O mundo é o próprio Deus na sua auto-revelação. Tal é o princípio que domina toda a especulação de Erígena. Deus não pode, certamente, subsistir antes do mundo. Deus precede o mundo, não no tempo, mas apenas racionalmente enquanto causa dele. Mas não começa a ser causa num momento dado, uma vez que é essencialmente causa e, embora não fosse causa se não criasse o mundo, a sua criação deve ser eterna, co-eterna com Ele (III, 8). «Deus não existia antes de criar todas as coisas» (I, 72) afirma Escoto.