Deidade

DIVINODEIDADE — ESSÊNCIA DE DEUS

Deidade, Deus (Gottheit, Deitas, Gott)

(Gottheit: deitas (em latim), deidade)

Na consideração de Deus como Abgeschiedenheit, distinguimos Deus e deidade. Portanto, divindade e deidade. Divindade é a qualidade de ser Deus. Deidade é, porém, o ser de Deus, o próprio seu, digamos a sua “quinta essência”, ele mesmo nele mesmo, na sua aseidade e inseidade, solto, desprendido de tudo que não é ele mesmo, pura e simplesmente, portanto Deus-Abgeschiedenheit.

Costumamos explicar essa duplicidade do conceito eckhartiano de Deus com o binômio: Deus quoad nos e quoad se, isto é, Deus referido a nós criaturas, e Deus referido a si mesmo. Muitas vezes essa dupla referência é interpretada como o modo de conhecer das criaturas, isto é, o nosso modo de conhecer e o modo de conhecer de Deus, referidos a Deus ele mesmo. Nesse sentido, Deus quoad se nos é inacessível. Tudo que dele podemos conhecer quoad nos é o que ele não é. Daí, Eckhart seria um dos grandes representantes da assim chamada teologia negativa. Outras vezes, a dupla referência é formulada como Deus virado para fora dele mesmo, na perspectiva do seu relacionar-se para com as suas obras ad extra, e Deus virado para dentro dele mesmo, na perspectiva do seu relacionar-se com a sua vida interior, com a sua intimidade ad intra. Tanto a primeira maneira de considerar a questão como a segunda, no fundo, parecem não fazer jus à “ideia” da Abgeschiedenheit. Pois ambas operam com a preocupação da adequação com o objeto do conhecimento, cujo sentido do ser é o da coisalidade física e de sua adequação. Talvez o inter-esse de Eckhart não esteja primeira e acentuadamente nas questões da teoria do conhecimento de Deus, mas sim nas questões da experiência de identificação com o ser de Deus, isto é, da Abgeschiedenheit no mistério da filiação divina. Trata-se, portanto, não propriamente de conhecimento de um objeto chamado Deus, mas sim do co-nascimento de Deus na alma e da alma em Deus, ou, dito de outro modo, do toque de Deus na união de encontro dele conosco, e assim da realidade do co-nascimento com o Filho unigênito do Pai, na recepção da sua filiação. E isto de tal maneira que esse interesse não é propriamente o aspecto místico-moral-espiritual do ensinamento de Eckhart, místico e pastoralista, em diferenciação ao aspecto especulativo-teórico de Eckhart teólogo e filósofo, mas sim, a fonte e a plenitude dentro da qual ele se acha. É, portanto, a dimensão do seu ser, saber, querer, sentir enquanto realização da realidade chamada mundo da revelação cristã. Isto significa que, para entendermos bem de que se trata quando se distingue Deus e deidade, é necessário aprofundar a compreensão da Abgeschiedenheit enquanto a dinâmica do Mistério da Santíssima Trindade. Esse aprofundamento, porém, não pode ficar no nível de classificação da revelação cristã como o ponto de vista subjetivo e particular religioso, ascético-moral, ou místico-espiritualista ao lado de outros pontos de vista, como por exemplo, filosófico na sua essência não é outra coisa do que questão, isto é, busca de evidenciação do sentido do ser, então uma colocação que não leva a sério o fato de que o ser da existência cristã é o ontologicum do pensamento de Eckhart parece não ser suficientemente filosófico. Toda a questão aqui é como pensar a “relação” entre a totalidade constituída por um determinado sentido do ser e a outra totalidade, constituída por um outro sentido do ser. Por ser cada vez totalidade, não pode haver uma totalidade das totalidades como se fosse gênero, para duas espécies ou comum de dois, mas deve levar em conta o ser, o sentido do ser, a essência da existência cristã, a partir e dentro da qual fala Eckhart, isto é, considerar o ser da revelação cristã como o ontologicum1 da fala de Eckhart. (Excertos do glossário do tradutor, Enio Paulo Giachini, da ótima versão portuguesa dos “Sermões Alemães” de Mestre Eckhart)


Há portanto em Boehme por um lado a pura Deidade e por outro lado sua emanação que é o Deus da teosofia. A pura Deidade escapa totalmente ao nosso conhecimento, enquanto o Deus emanado é o Deus que se revela.

Em boa lógica, tudo o que deveríamos dizer a respeito desta pura Deidade absolutamente desconhecível, é que nada sabemos a dela. No entanto Boehme não pode se impedir de incluí-lo em sua proposta. Como falar do Deus que se revela sem sugerir este Absoluto do qual emana? Se a teosofia é a história da manifestação divina, deve-se bem imaginar que esta ação tenha um princípio. Boehme faz bem de afirmar que este princípio é eterno, isso significa somente que se repete eternamente, e é no entanto um princípio. Desde então, há um antes deste princípio?

Sobre o plano da pura Deidade, considerada nela mesma, não há nem antes nem depois. Segundo a definição de uma eternidade perfeita. Mas o Deus emanado é um Deus que nasce. Há então um princípio. Como explicar este princípio? Esta questão implica uma reflexão sobre a pura Deidade que, para nós, precede necessariamente o Deus emanado, mesmo se em si ela é eterna.

Deus nasce seguindo um ciclo septiforme que chamamos o ciclo da manifestação divina. Como começa este ciclo? Deve-se imaginar que em um momento dado, a Divindade primordial que Boehme chamada a Deidade pura, sai dela mesma para aí se engajar. É bem assim que Boehme se exprime. Mas demandamos então isto que determina a Divindade a se expandir fora dela mesma, enquanto anteriormente ela repousa nela mesma. (Deghaye: O NASCIMENTO DE DEUS)


As was pointed out earlier, the name Allah refers to God’s Essence, attributes, and acts. The Essence is God in Himself without reference to anything else. As such God is unknowable to any but Himself. He is, as Ibn Arabi quotes constantly, “Independent of the worlds” (Koran 3:97), and this includes the knowledge possessed by the worlds. God as the Essence is contrasted with God inasmuch as He assumes relationships with the cosmos, relationships denoted by various divine names, such as Creator, Maker, Shaper, Generous, Just, Exalter, Abaser, Life-Giver, Slayer, Forgiver, Pardoner, Avenger, Grateful, and Patient.

Inasmuch as God’s Essence is Independent of the worlds, the cosmos is Not He, but inasmuch as God freely assumes relationships with the worlds through attributes such as creativity and generosity, the cosmos manifests the He. If we examine anything in the universe, God is Independent of that thing and infinitely exalted beyond it. He is, to employ the theological term that plays a major role in Ibn Arabi’s vocabulary, “incomparable” (tanzih) with each thing and all things. But at the same time, each thing displays one or more of God’s attributes, and in this respect the thing must be said to be “similar” (tashbih) in some way to God. The very least we can say is that it exists and God exists, even though the modalities of existence may be largely incomparable. Many scholars have employed the terms “transcendence” and “immanence” (or “anthropomorphism”) in referring to these two ways of conceptualizing God’s relationship with the cosmos, but I will refrain from using these words in an attempt to avoid preconceptions and capture the nuances of the Arabic terminology.

When Ibn Arabi speaks about the Essence as such, he has in view God’s incomparability. In this respect there is little one can say about God, except to negate (salb) the attributes of created things from Him. Nevertheless, the Essence is God as He is in Himself, and God must exist in Himself before He reveals Himself to others. Both logically and ontologically, incomparability precedes similarity. It is the ultimate reference point for everything we say about God. A great deal can indeed be said about Him — that, after all, is what religion and revelation are all about — but once said, it must also be negated. Our doctrines, dogmas, theologies, and philosophies exist like other things, which is to say that they also are He/not He. Discerning the modalities and relationships, distinguishing the true from the false and the more true from the less true, is the essence of wisdom. ( William Chittick: Caminho Conhecimento )

  1. Actus purus, ato puro, é a pura e plena dinâmica de ser (verbo) na absoluta plenitude da liberdade no seu límpido desprendimento.[]