Cristo e Shekinah

CABALA – CRISTO E SHEKINAH

Roberto Pla
O que se descreve com o nascimento do “filho” em Isaías é o “sinal de Deus”, o nascido da donzela virginal que o profeta denomina Emmanuel, “Deus conosco”. Com ele se anuncia a grande experiência, a superior revelação religiosa no acontecer do eleito. No entanto, desde a vertente manifesta, o Emmanuel isaiano serve no Evangelho de Mateus como “plenitude e atualização do sentido bíblico” cristológico quando o evangelista recorre a Isaías.

Enquanto signo manifesto esta plenitude deve ser entendida como um modelo de promessa-cumprimento de um fato sagrado que se anunciou no AT, mas desde a vertente oculta serve ao hagiógrafo neotestamentário como justificação. O nascimento dificilmente crível por muitos, do Cristo-Senhor da promessa, Deus conosco, havia tido seu antecedente e seu cumprimento documentado no profeta.

Com grande precisão de linguagem, não diz o quarto evangelista que Isaías “viu ao Filho”, mas que “viu sua glória”. Mas sempre que os evangelistas se referem a Vinda do Filho do homem descrevem sua chegada “com grande poder e glória”. Marcos agrega: “para reunir (unir em um só) a seus eleitos”.


Cabala Cristã
Geneviève Javary (tradução de Antonio Carneiro)

Outro cabalista cristão, C. Schoettgen retomou as palavras de Paulo, que afirma que é aos judeus que pertencem « a adoção filial, a glória, as alianças, a legislação, o culto »; a glória é a Sekina, mas, uma vez que o Cristo, originou segundo a carne do povo escolhido, tudo o que é dito da Sekina pode se aplicar a ele: « E jamais o Cristo se manifesta sem certo esplendor de glória, como cada um sabe…. »

Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, escreveu Paulo aos Romanos: esta expressão está próxima daquela tão frequentemente empregada pelos cabalistas que falam das vestimentas da Sekina.

A expressão « o jugo da Sekina » evoca as palavras do Cristo: «Tomai sobre vós o meu jugo» (Mt 11, 29). Mas, se o símbolo do jugo põe acento sobre uma relação de mestre para escravo, entre Deus e o homem, o símbolo das asas, por outro lado, introduz nesta relação um tom afetivo. Todos os cabalistas cristãos lembraram-se das palavras do Cristo: « Quantas vezes quis reunir teus filhos como uma galinha reúne seus pintinhos sob suas asas » (Mt 23,37). Ora, disse C. Schoettgen:

Esta expressão é muito familiar aos judeus; assim, quando os gentios se converteram ao judaísmo, diziam que vinham sob as asas da Sekina. O Salvador se serve da mesma expressão, para mostrar que não propõe uma religião inventada, mas, a verdadeira religião, uma vez que conduz a ele, o verdadeiro Deus.

Outros símbolos são comuns ao Cristo e à Sekina: a pedra angular, o caminho, a pomba, etc. O nome Emanuel, « Deus conosco », tão rico de sentidos e que designa o Messias, é muito próximo da palavra Sekina. Mas, a palavra Emanuel é mais específica e está reservada para o Messias, enquanto que a palavra Sekina tem empregos muito mais diversificados.

Aproximações mais precisas ainda foram feitas com Jesus de Nazaré; E. de Viterbe não hesita à fazer falar assim a Sekina:
Não me afastei de meu assunto falando do Messias (Scech. fol. 339), e a Sekina emprega a primeira pessoa quando ela relata as ações de Jesus Cristo:

Fui próximo do mar da Galileia após ter começado a aí pregar penitência. (…) Lançava minhas redes, que são as forças mais eficazes da oitava (= Bina) para tudo converter, tudo mover, tudo arrebatar (Ibid.).

A Encarnação do Cristo, deixando seu Pai, é evocada na « descida » da Sekina:

A Sabedoria me enviou na Bina; esta me ordenou descer em Hesed Din; e ela em Gebura, que me ordenou ir ao palácio de meu esposo (Tiphereth). Mas, mesmo ele não me guardou muito tempo perto dele: prescreveu-me de deixa-lo para ir a Nezec. De lá fui enviado a Hod (Ibid., fol. 330 v), e sobre seus conselhos a Sekina se refugiará no décimo círculo, aquele de Malkouth, onde ela reinará sobre o mundo.

O versículo 2,9 de Lucas: E a glória do Senhor os envolverá com sua claridade, foi comentado por Schoettgen, quem cita Jalkut Rubeni, fol. 6,2: « A glória da Sekina é uma grande luz. »

A palavra grega Epifania, manifestação, aparição, brilho, é um termo bem próximo daquele de Sekina, que é Deus em suas manifestações sensíveis, especialmente luminosas.

O Cristo criança, em sua humildade, é também evocado par E. de Viterbe:
(…) e se em seu conjunto a letra He simboliza a Sefira Bina, o ponto que aí está acrescido à base me representa, eu (quer dizer Malkouth ou a Sekina inferior) que lhe segue submissa, como a uma mãe, e que segue submissa aos outros Sefirot como aos irmãos. Uma prova disso é o que foi escrito a propósito do Messias: E era-lhes submisso (Luc 2, 51) (Scech., fol. 323 v).

É porque a Sekina habitava no Templo e « aí dava numerosas provas de sua presença visível » que, no momento da morte de Jesus Cristo, « o véu do Templo se dilacerou do alto até em baixo ».(Mt 27,51). Já, então, a Sekina não agia mais sozinha, mas, « o Verbo se fez carne e habitou entre nós ».

Por duas vezes no Evangelho, Jesus Cristo se manifestou em sua glória aos Apóstolos: a dois dentre eles, quando da Transfiguração sobre o monte Tabor, ao conjunto de seus discípulos na ocasião de sua Ascensão sobre o monte das Oliveiras. As tendas (skénai em grego, palavra da mesma raíz que Sekina) que Pedro propõe construir para o Messias, Moisés e Elias, e a luz do Cristo evocando bem os dois aspectos da Sekina: Glória e Presença. Quanto ao tema da Ascensão, apresenta certa ambiguidade: está ligado de uma parte à noção do exílio, de outra àquela da presença. Além disso, a Ascensão de Jesus Cristo teve lugar sobre o monte das Oliveiras, onde é de tradição dizer que habita a Sekina. E. de Viterbe evoca em termos líricos a ascensão de Malkouth e seu esposo Tiphereth:

Com efeito, antes de ser cumprido esse tempo, meu esposo e eu mesma, nos contentaremos com os sete recintos onde permaneceremos, mas, quando vier a feliz plenitude dos tempos, quebraremos os ferrolhos de ferro e sobre as asas dos ventos voaremos rumo às alturas da oitava Sefira e sua imensidão: nossas delícias! Esta ascensão teve lugar duas vezes: uma primeira vez, quando estávamos prestes a descer rumo aos homens, a fim de lhes levar, vindas das regiões as mais distantes, recompensas, riquezas e inestimáveis presentes; uma segunda vez quando o mundo foi vencido e a vitória alcançada graças ao sinal da Cruz… (Scech., fol. 337 v).

Se Reuchlin nos trouxe a exegese do Nome de Jesus, outros cabalistas cristãos, de um modo mais leve e sem dúvida mais convincente, fizeram aproximações entre os temas desenvolvidos pelos cabalistas judeus à propósito da Sekina e a pessoa e a vida de Jesus Cristo. Lembrando as palavras do Apóstolo: Um nome foi dado ao Messias que está acima de todo nome, E. de Viterbe acrescenta:

Ora, compreenderás o que é esse nome, quando, após ter visto as sete regiões inferiores, alcançarás às três regiões inacessíveis que restam (Ibid., fol. 317).