PANTOCRATOR — CRISTO DO SINAI
Excertos de Richard Temple
Em um ícone tal como o Cristo do Sinai, as formas que vemos são a expressão visível das forças espirituais criativas cuja origem jazem em um reino mais alto que a mente ordinária pode perceber, e as quais o pintor, agindo como intermediário entre o mais baixo e o mais alto, interpreta ao nível dos sentidos. Assim ele desempenha aqui uma função sacerdotal e é somente neste sentido que a arte pode ser genuinamente sagrada. Tantos os constituintes abstratos da figura: suas formas, ritmos, cores, proporções e assim por diante, e as imagens concretas: face, mãos, livro, parede, céu e estrelas, estão juntas combinadas sob um princípio unificador e ordenador, levado a ser através da atenção interiormente focalizada situada profundamente dentro da alma do pintor. A fonte da sacralidade não está na arte mas no artista. Em termos neoplatônicos seria dito que o princípio ordenador é aquela parte da alma do pintor que é um fragmento da Alma Universal. No Cristianismo é chamada “Centelha Divina”.
Uma inteligência e propósito muito altos, ou divinos, estão trabalhando no cosmos que necessitam alcançar a humanidade e as quais os seres humanos necessitam a fim de não perder sua humanidade ou tê-la destruída por forças muito baixas. Esta inteligência nos aparece no ícone somente como um resultado de ter aparecido primeiramente dentro da psique do pintor que assumimos ter sido um adepto hesicasta trabalhando em sua própria transformação interior.
Tudo isto é expresso para nós no olhar. O Cristo olha sobre a eternidade enquanto, ao mesmo tempo, o observador sente que este olhar é dirigido intimamente e pessoalmente sobre ele mesmo. Aqui o eu não é o ego, o pequeno eu que pertence ao mundo material e ao tempo, mas o Si Mesmo, o verdadeiro “Eu” que veio, e retornará à, eternidade. É a sabedoria olhando a si mesma; é o Si Mesmo olhando a si mesmo.
Somos levados ao limiar do mistério da existência. Eis porque tradicionalmente, em ícones do Cristo, a nuvem ao redor da cabeça contendo as letras significam o mistério da Existência: “Ho on” significando “Existência”, “O Ser”, ou “Eu sou Este Eu sou”, como a versão autorizada afirma. O sentido é similar ao “Isto que é” dos brâmanes, e está relacionado ao “caminho do autoconhecimento” do misticismo hindu e ao “Conheça-se a si mesmo”.
Embora a ideia de autoconhecimento seja a base de toda espiritualidade autêntica das tradições antigas, foi menos explorada pelo Ocidente cristão que tendeu a repudiar o misticismo ou negar sua importância essencial como a base da qual a verdade mais alta da religião procede. Mas no século IV, embora esta controvérsia já estivesse ameaçando homens tais como Clemente de Alexandria e Orígenes, encontramos Evágrio escrevendo no deserto: “se queres conhecer Deus, primeiro conhece-te a ti mesmo”.
Poderia ser dito que a totalidade da Philokalia é um estudo em autoconhecimento e que o Hesicasmo é o caminho espiritual da autoconhecimento. Veremos que o Hesicasmo e a pintura de ícones estavam intimamente relacionados em certas escolas gregas e russas, particularmente nos séculos XIV e XV.