Tomamos como base para esta análise a obra de Endre von Ivánka, Plato Christianus – La réception critique du platonisme chez les Pères de l’Église (PUF, 1990). Nela revela-se um quadro cheio de nuances elaborado por um estudo minucioso do pensamento cristão durante quinze séculos, dos padres da Igreja (Orígenes, Gregório de Nissa, Agostinho de Hipona, Dionísio o Areopagita, Máximo o Confessor) à Idade Média, no Ocidente e em Bizâncio (Palamas).
A mensagem cristã em seu desenvolvimento se encontrou face a face com um platonismo ele mesmo se desdobrando, da Academia, à Nova Academia, ao Médio Platonismo e ao Neoplatonismo, de Plotino a Proclus e além. E não é ao mesmo platonismo que se referem os pensadores cristão: se Dionísio dialogo com Proclus, os padres de Chartres, recuperam Apuleio e Calcidius.
Em todos os casos o platonismo não é jamais um modelo e uma inspiração sem ser também um perigo a se defrontar. Os pensadores cristãos não se apropriarão jamais dos motivos platônicos sem proceder a sua radical reinterpretação. A miragem de uma helenização do cristianismo cede lugar a restituição do trabalho crítico pelo qual os padres produziram muitos conceitos fundamentais do pensamento ocidental.
Convém ter em mente as palavras de Heidegger, ao abordar o “cristianismo platônico”:
O processo de tradução do grego para o “romano” não é algo trivial e inofensivo. Assinala ao invés a primeira etapa no processo, que deteve e alienou a Essencialização originária da filosofia grega. A tradução latina se tornou então normativa para o Cristianismo e a Idade Média Cristã. Daqui se transferiu para a filosofia moderna, que, movendo-se dentro do mundo de conceitos da Idade Média, criou as ideias e termos correntes, com que ainda hoje se entende o princípio da filosofia ocidental. Tal princípio vale como algo, que os homens de hoje pretendem já ter de há muito superado. (Introdução à Metafísica, 1999, p. 44)