Perspectiva Metafísica [FCBA]

François Chenique — A Sarça Ardente — Ensaio sobre a metafísica da Virgem [FCBA]

Excertos traduzidos de livros esgotado e fora de circulação

Primeira parte: OS PRINCÍPIOS – PERSPECTIVA METAFÍSICA

Convém primeiramente definir o que entender por “metafísica” ou “perspectiva metafísica”. Preferimos a segunda expressão pois deixa entender o caráter propriamente “ilimitado” da metafísica; esta, ciência do universal, não poderia se pôr em nenhum “ponto de vista” particular e “perspectiva” que oferece engloba todos os pontos de vista possíveis sem ser limitada por nenhum deles.

NOTA: Sobre a metafísica e a perspectiva metafísica, remetemos de uma maneira geral às seguintes obras: René Guénon, INTRODUÇÃO GERAL AO ESTUDO DAS DOUTRINAS HINDUS e A METAFÍSICA ORIENTAL; Georges Vallin, A PERSPECTIVA METAFÍSICA.

A metafísica é frequentemente confundida com a “ontologia” que é propriamente o estudo do ser. Pode-se tratar do “ser enquanto ser”, ou do Ser primeiro “causa” dos outros seres. Veremos como deve-se conceber a “polarização” do Ser primeiro em Essência e em Substância para explicar outros seres.

Mas ainda assim a metafísica não pode ser reduzida à ontologia: ela deve igualmente estudar o que está na “raiz” ou “além” do Ser, o Ser sendo a primeira e a mais geral das determinações.

Um primeiro capítulo definirá a metafísica e seu domínio; um segundo capítulo será consagrado à polarização do Ser em Essência e em Substância; um terceiro capítulo tentará precisar o que há “além” do Ser.


ORIGEM DA PALAVRA

  • VIDE metafísica
  • Ta meta ta physika é o nome dado à obra de Aristóteles que hoje denominamos Metafísica, porque fazia sequência à Física (Physika) na coleção de obras de Aristóteles compiladas por Andrônico de Rodes no I século AC. Sob esta forma, a expressão datada do início do cristianismo veio a cunhar o termo Metaphysica em uma palavra somente na Idade Média.
  • Para os Antigos, a física englobava o que hoje em dia denominamos “ciências da natureza”, onde os termos física e natureza implicam a ideia de devir, de produção. A metafísica trata portanto do que está “depois” ou “além” da natureza. O domínio da metafísica é portanto aquele dos princípios primeiros que são de ordem universal.
    • Não se tratam de princípios lógicos que seriam de algum modo somente da razão, mas de princípios ao mesmo tempo “lógicos” e “ontológicos”, que se poderiam denominar “arquétipos”quer dizer, realidades se situando no nível que vai além da natureza e da razão; seriam as Ideias de Platão, sem que que seja necessário aí ver algo análogo ao idealismo dos filósofos contemporâneos.
      • Todo sistema de lógica se apoia inevitavelmente sobre uma “metalógica” que lhe serve de fundamento. Se há leis no interior de um cálculo lógico, há regras que dominam este sistema, e no limite a metalógica é uma expressão da metafísica.

METAFÍSICA E FILOSOFIA ESCOLÁSTICA

  • VIDE Gardeil sobre a metafísica de Tomas de Aquino
  • Tomas de Aquino comentou a Metafísica de Aristóteles; graças a ele a filosofia aristotélica veio a ser o sistema de base no Ocidente cristão, chegando a se identificar com a filosofia escolástica.
  • O debate sobre o ser como tal e sobre suas propriedades é o centro da metafísica de Aristóteles, dando Tomas de Aquino ênfase a três concepções:
    • A metafísica como ciência das causas primeiras e dos princípios primeiros
    • A metafísica como ciência do ser enquanto ser
    • A metafísica pode ser definida como a ciência daquilo que é imóvel e separado.
  • Donde decorrem prerrogativas da metafísica:
    • Uma ciência especulativa, onde o saber é buscado para ele mesmo e não para uma ação prática.
    • A metafísica é uma ciência livre pois todas as outras ciências lhe são ordenadas como a seu fim.
    • A metafísica não é uma ciência humana.
    • A metafísica é a mais nobre de todas as ciências.
  • A metafísica concebida como sabedoria: Gardeil Sabedoria
    • Chenique considera que Gardeil quer dizer em seu texto que a sabedoria não deve ser somente fruto do raciocínio humano, mas se apoiar na Revelação, se expandindo sob a influência dos dons do Espírito Santo até a contemplação da eterna Verdade.
    • Esta “sabedoria integral” que denominamos metafísica, não havendo mais separação entre o estudo teórico e a realização espiritual.

METAFÍSICA E SISTEMAS FILOSÓFICOS

  • Percurso da filosofia em decadência desde Aristóteles, acentuando sua queda em Descartes, conforme o entendimento dos tradicionalistas em geral.

RAZÃO E INTELECTO

  • Retomada do texto de GardeilGardeil Sabedoria, enfatizando o último grau de sabedoria, sabedoria dom do Espírito Santo, como alcançando a Deus segundo um modo não-humano.
    • Para tal um indivíduo humano deve ter nele algo de “não-humano” ou de “supra-humano”, ou pelo menos a possibilidade de receber algo de supra-humano como o dom da Sabedoria que o primeiro dos dons do Espírito Santo. Para os escolásticos o “órgão” do conhecimento metafísico é o intelecto (termo traduzido do grego noûs, distinguindo-se o intelecto agente ou ativo — noûs apathes de Arsitóteles, que se tornou o noûs poietikos em seus comentadores ; e o intelecto paciente ou passivo, noûs pathetikos.
  • Agostinho de Hipona distinguia a “razão superior” voltada para as realidade eternas e a “razão inferior” voltada para as coisas temporais, embora só se distinguissem por suas funções.
  • Precisões de vocabulário escolástico:
    • phantasmata, são as imagens das coisas sensíveis recebidas pelos sentidos sem elaboração prévia.
    • species: as imagens (phantasmatas destacadas de suas condições materiais) são denominadas “impressas” (species impressae) porque são impressas pelos objetos nos sentidos. Elas se tornam “inteligíveis” graças ao intelecto agente e são recebidas no “intelecto passivo”; elas se denominam “expressas” (species expressae) porque elas são exprimidas a partir de espécies impressas. Não sãos as ideias, mas aquilo pelo qual o intelecto passivo é preparado para a formação das ideias.
    • illuminatio (ou abstractio): é a abstração operada a partir das espécies impressas.
    • intellectus agens: o intelecto agente ou ativo que opera a iluminação ou abstração.
    • intellectus paciens: o intelecto paciente ou passivo que provoca o ato de intelecção.
    • intellectus superior: é o Intelecto superior ou Intelecto divino. é dele que vem o intelecto agente que participa de algum modo no Intelecto superior.
  • Resumindo pontos importantes do ensino escolástico:
    • O intelecto não vê os inteligíveis na essência divina: com efeito, os inteligíveis ou “ideias” em Deus são Deus Ele mesmo (v. forma); como não contemplamos Deus Ele mesmo, não contemplamos os inteligíveis na essência divina.
    • O intelecto não tem ideias “inatas”; é a partir das coisas sensíveis com ajuda da experiência que formamos nossas ideias; distanciamento da filosofia de Platão.
    • O intelecto nos permite compreender com a ajuda de imagens recebidas pelos sentidos. É a partir do dados sensíveis que formamos os conceitos. Um cego de nascença não pode ter o conceito de “cor” e se sabe hoje em dia quanto o progresso intelectual está ligado ao bom funcionamento dos sentidos, da memória e da imaginação.

VIDE: INTELECTO AGENTE