CASSIANO — CONFERÊNCIAS
SEGUNDA CONFERÊNCIA DO ABADE MOISÉS — DA DISCRIÇÃO
IX. Pergunta sobre a aquisição da verdadeira discrição.
Depois destas palavras, perguntou Germano: Tanto pelos exemplos recentes como pelos ensinamentos dos antigos ficou bastante claro que a discrição é de algum modo a fonte e a raiz de todas as virtudes. Agora, pois, muito desejamos aprender como adquirir e como reconhecer se ela é verdadeira e de Deus, ou falsa e diabólica.
Só assim, segundo a parábola evangélica que explicaste no tratado precedente e que nos convida a tornar-nos cambistas peritos, poderemos, ao ver a efígie do rei verdadeiro impressa numa moeda, perceber que ela não foi gravada numa peça legal, e, assim, rejeitá-la como falsa. Mas, para isto, temos de estar munidos daquela perícia que expuseste com bastante abundância e de forma integral e assinalaste como qualidade necessária do cambista espiritual segundo o Evangelho.
Que vantagem teríamos em conhecer os méritos desta virtude e da sua graça, se ignoramos como buscar e adquirir?
X. Resposta sobre o modo de adquirir a verdadeira discrição.
Disse então Moisés: A verdadeira discrição não se adquire senão por uma verdadeira humildade.
Desta humildade a primeira prova consiste em reservar ao exame dos antigos todas as ações e todos os pensamentos, de tal maneira que nada confiemos ao nosso próprio juízo, mas que em todas as coisas acatemos as suas decisões e conheçamos pelo que eles transmitem o que se deve julgar bom ou mau.
Esta disciplina não só ensinará o jovem a caminhar em linha reta pela estrada verdadeira da discrição, mas também o guardará ileso contra todas as fraudes e insídias do inimigo.
É de todo impossível enganar a quem vive não do seu próprio juízo, mas do exemplo dos maiores. O esperto inimigo não conseguirá iludir-se a ignorância, pois, ele é incapaz de esconder por uma funesta vergonha todos os pensamentos que lhe nascem no coração, os quais rejeita ou admite de acordo com o maduro juízo dos antigos. Logo que se revela um pensamento maligno, ele desvanece. E antes mesmo que o juízo da discrição seja proferido, a maldita serpente, arrancada, por assim dizer, ao seu antro tenebroso e subterrâneo pela força da confissão, é exposta à luz e, envergonhada, se retira. Suas sugestões perniciosas só nos dominam, enquanto escondidas no coração.
Para que possais entender mais eficazmente o valor desta sentença, vou contar-vos um fato que o abade Serapião com muita frequência propunha aos mais jovens, para sua instrução.