Cassiano Conferencias I-22

CASSIANO — CONFERÊNCIAS

PRIMEIRA CONFERENCIA DO ABADE MOISÉS — DA META E DO FIM DO MONGE

XXII. A quadrupla divisão da discrição

Assim, precisamos da discrição nos quatro modos de que falamos.

Primeiro, pois, é preciso que não ignoremos qual a natureza da matéria, se é ouro verdadeiro ou falsificado. Em segundo lugar, devemos rejeitar como moeda falsa os pensamentos que mentirosamente fingem a piedade. Eles contêm a imagem do rei, mas são falsos porque não cunhados de modo legítimo. Devemos, em seguida, discernir e igualmente rejeitar tudo aquilo que sobre o ouro preciosíssimo das Escrituras imprime um sentido vicioso e herético: a imagem não é do rei verdadeiro, mas do tirano. Finalmente, temos de recusar como dinheiro leve, prejudicial e com peso a menos, os pensamentos roídos pela ferrugem da vaidade, não podendo, por isto, corresponder à medida dos antigos.

Com isso, evitaremos cair naquilo que o preceito do Senhor nos admoesta a observar com toda a força, para não sermos defraudados nem do mérito nem da recompensa dos nossos trabalhos: “Não acumuleis tesouros para vós na terra, onde a ferrugem e os vermes roem, e os ladrões cavam e roubam” (Mt 6,19).

Pois tudo que fizermos em vista da glória humana, saibamos que é um tesouro que acumulamos na terra, segundo a sentença do Senhor. Assim sendo, devemos considerá-lo como escondido no chão e metido na terra, à mercê da devastação dos demônios ou da ferrugem voraz da vaidade, e de tal maneira pronto a ser devorado pelas traças da soberba, que não pode pretender a qualquer utilidade e proveito para quem o esconde.

É, pois, preciso examinar, sem cessar, as profundezas do nosso coração e, com o faro mais sensível, seguir o rastro dos que ali entram, para não acontecer que alguma fera espiritual, leão ou dragão, passando por lá, deixe em segredo a marca de seus passos perniciosos e permita, pela negligência quanto aos pensamentos, o acesso de outros ao santuário íntimo da nossa alma.

E assim, ao longo de cada hora e de cada minuto, sulcando a terra do nosso coração com o arado do Evangelho, isto é, a constante lembrança da cruz do Senhor, poderemos exterminar de nós os covis de animais ferozes e o esconderijo de serpentes venenosas.