CASSIANO — CONFERÊNCIAS
PRIMEIRA CONFERENCIA DO ABADE MOISÉS — DA META E DO FIM DO MONGE
II. Pergunta do abade Moisés sobre o escopo e o fim do monge
Toda arte, disse ele, e toda disciplina tem um escopo, ou fim particular, e um “telos”, isto é, um fim próprio. É fixando neste os olhos, que o zeloso pretendente de qualquer arte sustenta, sem pertubação e de boa vontade, todos os trabalhos, perigos e prejuízos.
O lavrador, por exemplo, arrostando os raios ardentes do sol ou geadas e neves, infatigavelmente rasga a terra e com o vai-e-vem do arado amanha as glebas bravias. Assim fazendo, ele conserva o seu escopo, que é purgar a terra de todas as sarças e libertá-la de ervas daninhas, ate que a torne, pelo seu trabalho, fina e solta como areia. Ele não espera conseguir de outro modo o seu fim, que consiste em searas copiosas e colheitas abundantes, para que possa, daí em diante, levar uma vida segura ou aumentar seu patrimônio. De bom grado, esvazia os celeiros cheios de grãos e com instante trabalho os semeia nos sulcos amolecidos. Contemplando as futuras searas, ele não sente a diminuição de agora.
Também os que vivem do comércio, não temem os azares do mar nem se apavoram com qualquer perigo, quando, alçados pela esperança do voo ligeiro, são provocados ao lucro, que é o seu fim.
O mesmo acontece com os que se inflamam com a ambição da carreira militar, ao divisar ao longe o seu fim, que são as honras e o poder. São insensíveis aos perigos e mortes das campanhas e não se deixam abater pelos sofrimentos e riscos atuais, nem pelas aflições e guerras do momento, pois ambicionam a dignidade, que e o fim que se propõem.
Assim também, a nossa profissão. Ela tem igualmente o seu escopo e o seu fim próprio. Por este fazemos todos os trabalhos, sem cansaço e até com alegria. Para obtê-lo, não nos fadiga a privação dos jejuns, achamos prazer na lassidão das vigílias, não nos enfastia a contínua leitura e meditação das Escrituras, nem nos deixamos assustar pelo trabalho incessante, pela nudez e privação de tudo, nem pelo horror desta vastíssima solidão.
É, sem duvida, por causa deste mesmo fim, que abandonastes o afeto dos pais e desprezastes a pátria e as delícias do mundo, atravessando tantas regiões para chegar ate nos, homens rústicos e ignorantes, que vivemos na aspereza deste ermo.