Cassiano Collatio XVI-17

CASSIANO — CONFERÊNCIAS

CONFERÊNCIA XVI — PRIMEIRA CONFERÊNCIA DO ABADE JOSÉ SOBRE A AMIZADE

XVII. Aqueles que acham que devem ser mais pacientes com os seculares do que com os irmãos.

Com que lágrimas, também, devemos chorar por causa de alguns irmãos que irritados por qualquer injúria, encontram alguém que deseja acalmá-los e acaba por enervá-los com seus pedidos. Ao ouvirem dele que não devem jamais ter ou guardar mágua de um irmão, conforme está escrito: “Quem se ira contra o seu irmão, será réu do juízo” (Mt 5,22) e ainda: “o sol não se ponha sobre a tua cólera” (Ef 4,26), imediatamente exclamam: Se um pagão, se um secular tivesse feito ou dito tal coisa, era preciso suportá-lo. Mas, quem poderia tolerar que um irmão cometa conscientemente tão grave falta ou profira insulto tão insolente?

Como se a paciência não fosse devida senão aos infiéis e aos sacrílegos, e não a todos sem exceção. Como se a cólera fosse julgada nociva contra um pagão e útil contra o irmão, quando, em verdade, o mal que um espírito perturbado causa a si mesmo, por sua obstinação na própria mágoa, não é diferente, qualquer que seja aquele contra quem se levanta essa comoção.

Que tamanha obstinação, ou, melhor, loucura, obra de um espírito bronco, não distinguir a própria significação das palavras! Pois não se diz que aquele que se encoleriza contra o pagão e réu do juízo — o que poderia, talvez, na sua interpretação, excetuar os que nos são unidos pela mesma fé e vida. Mas o evangelho se exprime de modo bem claro: Quem se ira contra o irmão, é réu do juízo”.

Ainda que, segundo a lei da verdade, devamos acolher todo homem como irmão, nesta passagem, en tretanto, o nome de irmão designa mais os fiéis e aqueles que participam da nossa vida, do que os pagãos.