Nicolas Boon — Excertos de seu livro “No Coração da Escritura”
MARIA, VIRGEM E MÃE
Qual o segredo da Maternidade da Mui Santa Virgem Maria? O segredo reside na sua Virgindade (parthenia).
Qual é exatamente o sentido profundo de toda virgindade? Está oculto nestas palavras: «Eis a Serva do senhor, que me seja feito segundo tua palavra» . Serva, em hebraico, se diz emmah e isto significa igualmente “mãe oculta”. A serva faz a vontade de seu mestre. Maria, em dizendo: «Eis a Serva do Senhor» , está submetida à Vontade de Deus. É verdade que nossa linguagem é bem imperfeita , pois deveríamos dizer, não “submetida”, mas “aberta” à Vontade de Deus. Ainda há muitos que pensam que a vontade de Deus é uma vontade de potência, um pouco como aquela de um tirano ou de um ditador. A vontade de Deus é essencialmente uma vontade de Amor. Fazer a vontade de Deus não consiste em uma obediência cega e temerosa. É responder ao Amor pelo amor. É por isto que na demanda da oração dominical: «que seja feita tua vontade assim na terra como no céu» (o que quer dizer que toda coisa seja invadida pelo Amor divino), se opõe «nos perdoe nossas dívidas», pois o pecado é uma recusa do Amor. Pelo pecado, o homem opõe sua vontade própria à vontade divina.
A fecundidade espiritual encontra sua raiz nesta união perfeita no Amor e é isso a essência da Virgindade. Aí, onde, de alguma maneira que seja, há união da vontade do homem à vontade divina, há um grau de Virgindade. A Virgindade exterior não tem sentido a não ser na medida onde ela é Testemunha desta Virgindade interior.
É portanto dizendo: «Eis a Serva do Senhor, que me seja feito segundo tua palavra» que a Virgem é já Mãe oculta, secretamente mãe, mas realmente Mãe.
O como ela se tornou Mãe? O Anjo lhe disse: «O Espírito Santo te cobrirá sob sua sombra». Em hebraico “sombra” quer dizer muito mais que ausência de luz. “Sombra” que dizer “poder”, “potência”, “virtude ativa secreta”. Quando se lê, por exemplo: «sombra da morte», isso não quer dizer unicamente “trevas” no sentido negativo da palavra, mas também “virtude secreta da morte”, pois a morte engendra uma vida nova.
E quem é o Espírito Santo? Ele é o Amor de Deus ou o Deus–Amor. Ele une o Pai e o Filho em um Amor comum. Ele é a Vontade de Amor em Deus. Ele é também aquele que dá a Vida. Nós o confessamos no Credo. Do mesmo modo na oração litúrgica dizemos: «Na Unidade do Espírito Santo». Unidade e Vida são inseparáveis. Nosso corpo forma uma unidade orgânica onde todos os membros estão como presentes uns aos outros, porque é um corpo vivente. Um cadáver perde esta unidade e se decompõe. Aí onde há unidade aparente sem vida, só há, em realidade, uma uniformidade e é totalmente outra coisa. Pois esta uniformidade quer dizer justaposição de coisas que, aparentemente, se reúnem, sem qualquer ligação entre elas e como ausentes umas das outras. Digo coisas que aparentemente se assemelham, porque, em realidade, uma coisa não é jamais idêntica a outra. A beleza consiste na unidade harmoniosa das coisas em sua diversidade.
O Espírito Santo é aquele que dá a Vida. A palavra Espírito não corresponde a algo de abstrato. A palavra hebraica para Espírito, quer dizer “sopro”, “alento”. O latim spiritus vem de spirare, soprar. Encontramos esta ideia em nossos aspirar, respirar, inspirar, expirar, etc. Podemos dizer, de certo modo, que o Espírito Santo é a Santa Respiração de Deus, pois o Ser está vivente por sua Respiração. Render o espírito, ou dar seu último suspiro, quer dizer cessar de viver. O homem se tornou, segundo a expressão do Livro do Gênesis: «Alma vivente», porque Deus lhe insuflou uma alma. Toda vida é portanto uma participação na Vida divina. Nossa respiração é uma participação na Respiração de Deus. É por esta razão que a Igreja ensina que toda alma, no momento da concepção da criança, é criada diretamente por Deus.
A vida não vem de baixo, a partir da matéria que seria perfeicionada graças a uma evolução, como acredita uma certa ciência moderna, mas vem do alto. Ela é um dom de Deus que nos inspira o respeito de todo vida.
O Espírito Santo é ainda a alma da Igreja, pois, segundo São Paulo, A Igreja é o corpo vivente do Cristo.
O Verbo feito carne é portanto o fruto das bodas entre o Espírito Santo e a Virgem Maria que é denominada a Esposa do Espírito Santo. A maternidade da Santa Virgem não é uma maternidade que serviu, uma vez por todas, para nos dar Jesus. Ela não é uma porta que, agora que Deus se fez homem, teria se tornado inútil, de sorte que em falando da maternidade da Santa Virgem falaríamos de uma realidade que pertenceu ao passado. É necessário de dar conta de toda esta atualidade desta Maternidade única. Isto quer dizer que ela é sempre atuante. E como isso?
Toda graça nos chega pelo poder do Espírito Santo. Toda graça, mínima que possa parecer. Ora, que é justamente a graça? Ela é a Presença do Cristo Salvador. Presença por sua ação salvadora nos sacramentos, os sacramentais, em todas as bençãos, e todas ajudas provenientes e concomitantes, em todos os perdões, em toda inspiração. Ora o poder do Espírito Santo não age só. Ele é inseparável da Maternidade de Maria. Toda graça é e permanecerá sempre o fruto das bodas entre o Espírito e Maria. Toda Redenção se realiza dentro do Seio da Virgem. Seio, em hebraico, «rechem» e «rachom» (é a mesma palavra pois, em hebraico, as vogais não se escrevem necessariamente), quer dizer Misericórdia Divina. Logo podemos dizer que o Seio da Santa Virgem ou, dito de outro modo, sua maternidade, é o sacramento da Misericórdia divina.
Quando, na Santa Eucaristia, o padre invoca o Poder do Espírito Santo e pronuncia as palavras da Consagração sobre o Pão e o Vinho, o Cristo está realmente presente com seu Corpo e seu Sangue e sua alma. É neste momento também que age a Maternidade da Virgem Maria. É verdade que, na Eucaristia, trata-se do Corpo glorioso, quer dizer do Corpo ressuscitado do Cristo. Mas São Paulo não diz que o Cristo é ressuscitado pelo poder do Espírito Santo? Então, podemos afirmar que s Santa Virgem é realmente Mãe, em uma maternidade atuante, do Corpo Ressuscitado e glorioso do Cristo. Devemos mesmo notar que se, na gruta de Belém, a Virgem deu a luz sem dor, pelo privilégio de sua concepção imaculada que a pôs ao abrigo da condenação de Eva: «Darás à luz na dor», ela deu à luz seu Filho Glorioso na dor ao pé da Cruz. Do mesmo modo, quando a menor graça nos é dada e, com mais forte razão, a primeira de todas, aquela da participação na Vida divina, a Maternidade da Virgem está presente em nós em toda sua atualidade. São Paulo nos diz que, assim como o Cristo é ressuscitado, nós também nos ressuscitaremos. Por conseguinte, a Virgem nos dará à luz, nós também, corpo e alma, à Vida eterna no momento da Ressurreição. Sua maternidade não é uma maternidade vagamente espiritual. Ela tem a ver também com nossos corpos. Isto estabelece uma ligação misteriosa mas real entre nossas mães terrestres e a Mãe de Deus. Todas as maternidades estão presentes umas nas outras e encontram sua unidade na Maternidade de Maria, sua unidade e seu sentido profundo e sagrado. É em nossa fé que nós tiramos a veneração que devemos a nossas mães e, mais geralmente, o respeito de toda maternidade, cujo último termo se situa na Eternidade.
Logo quando dizemos: «Santa Maria, Mãe de Deus, orai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte», ou que demandamos de outra maneira sua intercessão, ela não se contenta de formular uma oração junto a Deus, com palavras, mas ela se une ao Espírito Santo para engendrar, para nos estabelecer no Ser divino. Na hora de nossa morte, ela nos engendra para a Vida eterna e ela nos porta em seus braços, ao pé do Trono de seu Filho, pois, verdadeiramente pela morte, escapamos ao tempo terrestre e o que, visto do alto, nos separa de nossa ressurreição? Em todo caso não uma duração terrestre. Há certamente uma duração celeste, mas ela é, para nós, como um piscar de olho.
Para concluir, meditemos sobre o que diz a Santa Virgem dela mesma: «Eu sou a Imaculada Concepção”. Para uma criatura, é uma estranha maneira de falar. É como se um ser humano dissesse: “Eu sou a bondade” ou “eu sou a beleza”. Somente Deus pode se qualificar de um substantivo. Deus somente pode dizer: “Eu sou a Bondade” ou “Eu sou a Beleza”. O homem só pode ser bom ou belo. Como então a Virgem pode dizer: “Eu sou a Concepção”? É que, como toda esposa, ela tomou o nome de seu Esposo. Pois se o Pai é aquele que concebe, o Filho é aquele que é concebido e o Espírito Santo é o ato de Concepção, a Concepção tout court. Se consideramos a segunda Pessoa da Santa Trindade como o Verbo, o Pai concebe o Verbo como concebemos uma ideia e o Espírito é a Concepção pela qual o Pai concebe. Do mesmo modo, quando consideramos a segunda Pessoa como o Filho, o Pai o concebe pelo Espírito Santo, a Concepção. O nome da Concepção é portanto o nome próprio à essência do Espírito Santo. A Santa Virgem, em tomando o nome de seu Esposo, é portanto aquela que, unida indissoluvelmente a seu Esposo, é verdadeiramente a Mãe de toda Vida e de toda Graça.