Boehme Hartmann V

JACOB BOEHME — Citações de sua obra, organizadas por Franz Hartmann

Retiradas da tradução oferecida pela SCA

V – ANJOS
Se desejas ouvir o Espírito Santo, manifestado pela boca de outro, é preciso primeiro que tu mesmo penetre com tua vontade no espírito de santidade. Jacob Boehme.

Deus, constituindo a Si mesmo um ser criado, assumiu o aspecto de um ser com relação à sua trindade; e como essa trindade é o mais elevado e grandioso em Deus, Ele também criou três princípios de anjos (reflexos divinos de Sua própria imagem), superiores a todos os outros. (Aurora, XII 88).

Michael representa Deus o Pai. Ele não era Deus, o Pai propriamente dito; mas há entre os seres criados (os anjos) um que representa Deus, o Pai. O círculo ou espaço onde ele e seus anjos são criados é o seu reino; ele é um filho amado de Deus, uma alegria para seu Pai. Não o compare com o coração ou a luz de Deus, que está na totalidade do Pai, e o qual não tem começo nem fim, assim como o Pai. Esse príncipe é um ser criado, e como tal tem um princípio; mas ele está em Deus o Pai, e se curva a Ele no amor. Portanto, ele usa sobre sua cabeça a coroa da honra, poder e força, e a não ser o próprio Deus em Sua trindade, não se pode encontrar nada no céu que seja maior, ou mais bonito ou poderoso que ele. (Aurora, XII 86).

Assim como Michael fora criado segundo o tipo e a beleza de Deus o Pai, Lúcifer fora criado segundo o tipo e a beleza de Deus o Filho, unido à Ele em amor; seu coração repousava no centro da luz, como se fosse o próprio Deus. (Aurora, XII 101).

O terceiro rei, Uriel, é formado segundo o tipo e o caráter do Espírito Santo. Ele é um magnífico e belo príncipe de Deus, também unido em amor com os outros príncipes, como num só coração. (Aurora, XII III).

Há sete qualidades principais no Poder divino, de onde o centro de Deus nasce; da mesma forma há alguns poderosos príncipes angélicos criados, cada um, de acordo com sua qualidade principal, sendo um regente no exército ao qual pertence. Cada um deles está ao lado de seu rei ou arcanjo, o comandante de outros anjos subordinados. (Aurora, XII 7).

Deus também chamou à existência outros príncipes dos anjos, correspondendo a sete espíritos, tais como Gabriel, Rafael, etc. (Aurora, XII 88).

É preciso considerar especialmente sete divisões elevadas principais em três hierarquias, de acordo com a fonte das sete qualidades da natureza, cada uma destas formas culminando em um trono.(Graça, X 24).

Os anjos possuem entre si uma única vontade-amor. Nenhum deles inveja o outro por causa de sua beleza, se reconhecem ente si como os espíritos de Deus. Eles amam uns aos outros, e nenhum deles sequer imagina superar o outro em beleza; cada um se regozija na beleza e na graça do resto. (Aurora, XII 17).

Quando os espíritos de Deus surgem em sua glória divina, não podem estar amarrados de forma a evitar que se misturem uns com os outros, e os anjos não se limitam pela localidade em que residem. Os espíritos de Deus surgem perpetuamente uns dentro dos outros, e em sua geração eterna, desfrutam de uma contínua troca de amor. Assim, os santos anjos movimentam-se uns nos outros e vão juntos em todos os três reinos, de onde cada um recebe de outro, beleza de forma, graça e virtude, felicidade suprema; mas cada um mantém a posição que lhe pertence (seu centro de gravidade) que em seu aspecto, como um ser criado, lhe fora transmitido como sua própria propriedade especial. (Aurora, XII 57).

Quando Deus criou os anjos, o príncipe do fogo e da luz se manifestou. Seu espírito ou vida-angústia (consciência) tem sua origem no fogo. Ele foi então passado pela luz, tornando-se ali a angústia do amor, através da qual a cólera foi extinta. (Encarnação de Cristo…, I 3-10).

Todos os anjos foram criados no primeiro princípio, formados e corporificados pelo Espírito em movimento e iluminados pela luz de Deus. (Três Princípios…, IV 67).

Desde toda eternidade a luz de Deus era clara, doce e graciosa; mas quando Deus movimentou-se para criar, a matriz (o fundamento), com suas qualidades, amarga, ácida, obscura e ígnea, tornou-se manifesta; os anjos foram criados desta matriz para a luz, tornando-se corpóreos pelo Espírito em movimento. (Aurora, V 24).

Cada anjo possui em si o poder dos sete espíritos primitivos. (Aurora, XII 8).

O corpo dos anjos, ou seja, sua apreensibilidade, origina-se dos sete espíritos, e os espíritos geradores de poder naquele corpo são os sete espíritos. (Aurora, XVI 15).

Há uma vida superior à vida neste mundo, na eternidade. O espírito deste mundo (a mente terrestre) não pode conceber a sua natureza. Ela contém em si todas as qualidades desta vida terrestre, mas não em essências inflamadas como no último. Verdadeiramente, ela também contém um fogo, e muito poderoso, mas que queima de forma diferente; ele é doce, humilde e sem dor; ele não consome, mas causa majestade e esplendor vivo, seu espírito é puro amor e alegria. (A Vida Tríplice…, VIII. I).

No céu, no mundo espiritual, existem as mesmas qualidades do mundo terrestre; mas elas não se encontram manifestadas de forma tão furiosa (grosseira), mas num estado superior, assim como as trevas estão absorvidas pela luz. (Mysterium, X..7). 54

Toda a localidade do mundo, as profundezas da terra e acima da terra, até o céu e o próprio céu criado, que vemos com os nossos olhos, mas que, no entanto, não podemos compreender com nossos sentidos, todo esse espaço é um reino, onde Lúcifer era o governador antes de sua queda; mas os outros dois reinos, o de Miguel e Uriel, existem além do céu criado (espaço) e são iguais ao primeiro reino. (Aurora, VII.7).

Deus, o eterno Um, rege todas as coisas através da atividade dos anjos. O poder e a ação são de Deus; os anjos, Seus instrumentos. (Questões Teosóficas, VI.7). 55

Quando a melodia celeste dos anjos começa a ser ouvida, estará surgindo com o divino salitre, vários mundos de crescimento, figuras e cores magníficas. (Aurora), XII.24).

Cada país possui seu espírito guardião principal com suas legiões. Do mesmo modo, há anjos governando os quatro elementos — fogo, água, ar e terra. (Mysterium, VIII. 9).

Saiba que o demônio sempre luta com os anjos. Quando a alma do homem está segura em Deus, então o demônio deseja entrar, mas ele é impedido, não podendo realizar a sua vontade. Sempre que a alma imagina, fazendo com que surjam os desejos luxuriantes, ocorre a vitória do demônio. (A Vida Tríplice…, XIV.13).

Cada princípio é atraído pelo conhecimento e sentimentos semelhantes em seu próprio ser. Os princípios existentes na periferia atuam sobre seus princípios correspondentes no centro. Amor atua sobre amor, ódio sobre ódio; o bem é atraído pelo bem e o mal pelo mal. Se não há desejo mal ativo no homem, as influências malignas não podem criar raízes em seu coração. O demônio é a mais pobre de todas as criaturas. Ele não pode mudar uma folha de árvore sem que a cólera esteja presente. (Pontos Teosóficos V. 15).

Cada anjo que deseja viver na luz e poder de Deus deve abandonar o egoísmo da dominação do fogo no desejo; deve render a si e tudo o que lhe pertence à vontade de Deus; deve morrer com relação à sua vontade própria e desdobrar-se na luz do amor, como um fruto do amor divino, a fim de que a vontade-espírito (a vontade espiritual) de Deus comande sua vida. (Stiefel 11. 49).

O demônio era um anjo; seu dever era colocar sua imaginação (fé) na luz de Deus. Nesse caso teria recebido a substancialidade divina em sua imaginação e sua luz permaneceria luminosa. A fonte fogo teria permanecido naquela essência e qualidade; ele teria permanecido um anjo. (Tilk I. 187).

No raio de luz, a quarta forma da natureza, está a origem da vida, ela contém a perfeição na constância do fogo. Aqui, no objeto da divisão, nasce o espírito, que pode voltar e penetrar com sua imaginação em sua mãe, o mundo de trevas, ou ir em frente, e através da morte afundar-se na angústia do fogo, e explodir na vida. O espírito é livre, e, portanto cada um desses dois caminhos estão dentro de sua escolha. (Pontos Teosóficos, VII. 2).

A vida da criatura eterna era em seu princípio inteiramente livre, porque estava em temperatura harmoniosa e apropriada. Os anjos foram criados pelo céu, e mesmo se o mundo de trevas, com o reino da fantasia estivessem contidos ali, era numa condição latente, e não manifesta. Pela ação da vontade livre nos anjos caídos o mundo das trevas tornou-se objetivo neles; porque estavam inclinados para a fantasia (especulação), e consequentemente essa tomou posse deles, surgindo em essência. (Graça, IV. 45).

Quando Lúcifer viu que era tão bonito, e quando percebeu seu nascimento elevado, e grande poder, o espírito que ele havia gerado em si (ou seja, sua própria vontade livre) manifestou-se e desejou triunfar sobre o divino nascimento, e exaltar-se acima do coração de Deus. (Aurora, XIV. 13, 32).

Quando Lúcifer encontrava-se em tal forma majestosa, em tão alta glória, ele deveria ter se movimentado em Deus, assim como Deus se movimentava nele; mas isso ele não fez, pois depois que seus espíritos de origem foram tomados por tão gloriosa luz, foram preenchidos por tanta satisfação, que se revoltaram contra o direito natural (a lei), e desejaram uma qualificação ainda maior, mais magnificente e suprema do que o próprio Deus. Ocorreu então, que a qualidade adstringente contraiu sua essência a um tal estado de solidez que a água doce que ali existia se secou. Simultaneamente, o raio de luz ficou tão claro, que se tornou intolerável aos espíritos emergentes; isso porque o raio de luz foi até a qualidade adstringente de forma tão terrível, como se quisesse explodi-los repentinamente com grande satisfação. (Aurora, XIII. I. 16).

Deus não criou um inferno ou um estado especial de sofrimento para atormentar as criaturas que dele desertaram; mas tão logo os demônios deixaram a luz e tentaram governar através do poder do fogo sobre a beatitude no coração de Deus, no mesmo momento foram para fora de Deus, penetrando as quatro qualidades inferiores da natureza eterna. Com isso, foram mantidos aprisionados no abismo do inferno. (A Vida Tríplice…, II.53).

Os quatro princípios inferiores sem a luz eterna são o abismo, a cólera de Deus, e inferno. A luz desses princípios é o terrível raio de luz, onde devem despertar a si próprios. (A Vida Tríplice…, II. 50).

O áspero e severo desejo movimentou-se em Lúcifer, despertando a dor e o desejo de angústia. Assim a bela estrela encobriu sua própria luz e pereceu, e sua legião atuou da mesma forma. (Mysterium, IX.10).

Se os espíritos que surgiam (em Lúcifer) tivessem interagido pacificamente e segundo a vontade de Deus, teriam gerado um filho, o qual seria como o Filho de Deus e seu amado irmão; mas quando surgiram num estado de absoluta ignição, geraram um filho triunfante, auto planejado, que, de acordo com a primeira qualidade, era duro, áspero, frio e escuro; e de acordo com o segundo princípio, de uma aparência ígnea, ardente e amarga. O som nele era um duro som-fogo, e no lugar do amor havia um inimigo orgulhoso. Assim, na sétima forma da natureza apareceu um monstro orgulhoso que fantasiou estar acima de Deus, como não havia outro igual. O amor esfriou; o coração de Deus não podia mais tocar esse ser pervertido. Sempre que aquele coração, cheio de benevolência e graça, movimentava-se para encontrá-lo, o coração do monstro aparecia escuro, frio, duro e ígneo. (Aurora, XIII. 40-47).

A qualidade adstringente foi a primeira assassina, ao perceber que o ser gerava uma bela luz, ela se contraiu de forma ainda mais dura do que quando Deus a criou. A segunda qualidade, a segunda assassina, partiu com grande força para a qualidade adstringente, como se quisesse transformar seu corpo em pedaços. O calor ou o terceiro espírito assassino matou sua mãe, a água doce. O som surgiu tão furioso que soou como um trovão; pretendia com isso, provar sua própria nova divindade; o fogo surgiu como um terrível raio de luz. Assim, o corpo todo se transformou num vale escuro; não houve conforto, nem ajuda. O amor transformou-se em inimigo, e o anjo da luz tornou-se um escuro demônio de trevas. (Aurora, XIV. 19-25).

Lúcifer viu a criação e conhecia seu fundamento. Portanto, ele também quis ser um deus, e governar em todas as coisas pelo poder do fogo. Ele quis trazer para a forma seus próprios pensamentos, e não aquilo que o Criador desejou. Assim, tornou-se um inimigo de Deus, e desejou destruir o que fora formado pela ação de Deus com o propósito de colocar em seu lugar seus próprios efeitos e figurações. (Questões Teosóficas, X.I).

O reino escuro da fantasia e a criatura que está constituída pelos anjos caídos, são uma coisa só, uma vontade, um ser; e como essa vontade rebelada não quis residir e governar sozinha na fantasia, mas quis governar também no santo poder, onde apareceu de imediato, o santo poder repeliu-o para fora de si e se ocultou, logo em seguida — isso quer dizer, o céu interior se fechou, fora de seu próprio estado, a fim de que ele não visse a Deus. Assim é que morreu para o reino da boa vontade. (Graça, IV. 46).

Quando Lúcifer provou ser tal tirante e corruptor de tudo o que era bom, todo o exército dos céus se voltou contra ele, que também se voltou contra todas as coisas. Então, a batalha começou, e o arque-príncipe Miguel com suas legiões lutou contra ele, e o demônio com suas legiões, nada conquistaram; ele foi afastado de sua posição como alguém que fora conquistado. (Aurora, XVI. 9).

O céu está no inferno, e o inferno está no céu, e, no entanto, nenhum deles está revelado ao outro. Mesmo se o demônio estivesse viajando por muitos milhares de quilômetros, a fim de chegar ao céu, ele permaneceria sempre no inferno. Assim, os anjos não enxergam as trevas; eles só enxergam a luz do poder divino; mas os demônios só enxergam as trevas da cólera de Deus. (Mysterium, VIII. 28).

Como os demônios, levados pela concepção e devassidão, incendiaram-se a si próprios, foram completamente expulsos da geração da luz, e não podem concebê-la ou compreendê-la em toda eternidade. No entanto, a habitação de Lúcifer ainda não está completada, porque em todas as coisas nesse mundo ainda há amor e cólera residindo juntas, batalhando uma contra a outra. Aquelas coisas ou seres ainda não perceberam a luta da luz, mas somente a luta das trevas. (Aurora, XVIII.32).

O ser demoníaco ainda não está totalmente manifestado; os demônios ainda terão que esperar por um julgamento maior. O sol e a água ainda mantêm seus reinos ocultos no dia do acerto de contas, é por isso que eles tanto temem o dia do julgamento. (Questões Teosóficas, XIII.15).

Há sempre dois reinos (estados a serem distintos nos elementos) em um reina o amor emanado de Deus, e no outro Sua cólera. Os demônios residem unicamente no reino da cólera, onde estão encerrados com a noite eterna, e não podem entrar em contato com os bons poderes dos elementos. (Questões Teosóficas, XIII. 7).

Se nos lançarmos no desejo terrestre, seremos por ele capturado, e a angústia do abismo será o nosso senhor. Mas se pelo poder de nossa vontade nos elevarmos acima deste mundo, então o mundo da vida irá capturar nossa vontade, e Deus será nosso Senhor. (Pontos Teosóficos, VI.5)

Que nenhum homem pense que está no poder do demônio arrancar de seu coração as obras produzidas pela luz. Ele nem pode vê-las e nem compreender o que são. Portanto, mesmo se na mais externa geração, o demônio se enfurece e causa tempestade, enquanto você não transferir os produtos da cólera para a luz do seu coração, sua alma será salva de ser prejudicada pelo demônio, pois ele é cego e surdo na luz. (Aurora, XIX.97).

Quer dizer que Lúcifer não sabia sobre o julgamento de Deus e sobre a queda? Sim, ele sabia muito bem; mas esse conhecimento não estava em seu sentimento (ele não o percebeu como uma experiência real); o que ele possuía era apenas uma ciência, um conceito intelectual. (Mysterium, IX.9).

Lúcifer sabia que não era Deus, também conhecia a extensão de seu poder; mas ele quis uma experiência totalmente nova, ele quis ser maior que Deus, elevando seu poder acima de todos os reinos, e de toda Divindade. (Aurora, XIV. 14).

Na eterna sabedoria, ou melhor, dizendo, na natureza eterna, a queda do demônio (e também do homem) fora prevista antes da criação do mundo. (Três Princípios…, IX.22).

A imagem do ser criado foi vista na sabedoria, com seus aspectos de cólera e amor. Aqui também o Espírito de Deus, emanando eternamente da luz e do fogo do Pai, previu a queda, ou seja, que essa imagem, moldada num ser corporal, seria atraída pela cólera, e perderia seu esplendor divino. (Considerações Stiefel III. 58).

Pode ser que se pergunte: Por que Deus não restringiu Lúcifer do desejo maligno? Mas como isso poderia ser feito? Se esse ser de fogo fosse levado ainda mais para a humildade e para o amor, sua luz gloriosa se manifestaria ainda mais para ele, e sua ígnea vontade própria cresceria ainda mais com isso. Deveria Ele educá-lo punindo-o? O Objetivo de Lúcifer já era o de excitar em si a fundação mágica, e brincar com o centro das qualidades. (Mysterium, IX.14).

Se Lúcifer quiser novamente se tornar um anjo, terá que extrair novamente da unidade e do amor de Deus; seu fogo-vida terá que ser consumido pelo amor, transformado-se em humildade; mas isso o fundamento infernal (a vontade) nos demônios recusa a permitir. (Questões Teosóficas, VII.5).

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