Betanzos (BBPL:83, 90-91, 113) – Franz von Baader

A filosofia deve almejar primeiro que tudo “buscar e provar os meios e condições sob as quais um homem pode alcançar o livre uso de sua capacidade para aprender”. Sendo o princípio cardinal na epistemologia e metafísica de Baader:

“Ao invés de dizer com Descartes: Penso, logo sou, um homem deveria dizer: Sou pensamento, logo penso, ou sou querido (amado), portanto sou”.

O lema de Baader, cogitor (a Deo), ergo cogito, ergo sum, foi um contraponto visando não somente o subjetivismo do cogito cartesiano mas também a filosofia crítica de Kant e a metafísica do Ego de Fichte; seu lema insiste em um primeiro princípio objetivo, um fundamento para todo o conhecer, amor e fazer do homem. Somente porque eu sou conhecido, amado e iluminado por Deus posso conhecer, amar e ou iluminar. Baader está insistindo na identidade entre fundamento de existência e fundamento de conhecimento. Localizar mesmo que seja no homem, em última instância, é deificá-lo. “A mente finita, com sua visão parcial, não pode ver exceto sendo arrebatada por um olho central ou universal” (vide consciência universal). Na visão de Baader, conhece-se a si mesmo na proporção de como conhece-se Deus; o mesmo vale para o amor. O cogito de Descartes põe o que é realmente “pensamento secundário” ou pensamento derivado (Nachdenken) em lugar do “pensamento original” ou pensamento primordial (Urdenken) e, por conseguinte, abre o caminho para o ateísmo. Baader insiste que a participação no conhecimento e amor divinos não faz um homem uma “parte” de Deus em absoluto. O princípio de Baader tenta reunir ontologia e epistemologia, para superar o solipsismo e o subjetivismo assim como a absoluta autonomia humana e a deificação da razão.

Conhecimento e existência são inseparáveis um do outro. Falar como se conhecimento fosse uma atividade puramente humana sem um fundamento em Deus é falar como se existência também fosse auto-dada pelo homem e não fundamentada em Deus. Assim, Baader vê conhecer como Mitwissen ou Gewissen ou conscientia, i.é., conhecer em união com, e em imitação do, conhecimento de Deus. (p. 83)


Um princípio maior da revelação trata do modo da presença de Deus em uma região ou em uma pessoa; isto é afetado, por sua vez, pelo status dessa região ou pessoa vis-à-vis tempo e eternidade. Céu, a “boa eternidade”, tem três dimensões temporais — passado, presente e futuro; terra (tempo) só tem duas — passado e futuro, mas nenhum presente; inferno, a “má eternidade”, só tem uma — o passado. O relacionamento de Deus a cada região é expresso em uma das distinções favoritas de Baader: Inwohnung (morar-em), Beiwohnung (“morar-por”), e Durchwohnung (“morar-através”). Analogias com a distinção entre princípio, órgão e instrumento são sugeridos. A presença de Deus através de Inwohnung é presença como amor, a espécie mais apropriada à Deus que é amor; sua presença através de Beiwohnung se dá quando um agente inteligente coopera livremente com Deus e age como órgão de Deus; sua presença através de Durchwohnung é presença somente através de poder: Deus trata com a natureza inanimada — e em última instância com agentes livres que resistem a ele — através de seu poder: i.é. ele os trata como instrumentos.

Essas distinções lançam luz sobre muitas afirmações de Baader: por exemplo, “uma boa pessoa e uma má farão coisas diferentes, mas ambas farão o que Deus quer”; e “Deus faz pessoas boas ou más, como intenciona, pois fazer é determinado pela vontade”. Baader diz, com efeito, que Deus se oferece em amor para todos, mas amor não pode ser forçado em ninguém; embora amor possa ser recusado, a presença de Deus através de poder não pode, pois nada pode existir aparte dele. Em uma veia análoga, Baader cita Angelus Silesius: “Deus é mestre para o servo, é Pai para seu filho, e é noivo quando encontra sua noiva, Sophia”.

O fato da revelação não justifica panteísmo, pois a unidade da essência de Deus é indissolúvel e não-transferível. Para Baader, Deus não é alguma espécie de princípio abstrato mas ao invés um ente pessoal; e a marca de personalidade é incomunicabilidade. Deus não é “uma parte do mundo” nem é o mundo uma “parte de Deus”. Deus é tanto acima do mundo quanto dentro do mundo. Em outras palavras, ele é tanto transcendente e imanente. Deus tem “externalidade” com relação a ele, mas esta é imanente nele:

“Isso é precisamente o grande mérito de Jacob Boehme — que ele concebe esta interioridade e exterioridade de Deus de maneira imanente e não concebe imediatamente a externalidade da existência de Deus como existência criatural, como os panteístas fazem, para quem Deus, assim que quer ser ou deve ser um ente existente realmente, imediatamente abandona a si mesmo e entra ou cai na criação. O Deus destes filósofos é um centauro ou um ente híbrido, consistindo de uma centro que é divino e uma periferia que criatural ou não-divina…”.

O que é “externo” a respeito de Deus é antecedente a e independente de qualquer referência ao mundo. (p. 90-91)


Na medida que a criatura conformou-se a si mesma à divina auto-fundação, ela está unida a Deus e feita uma participante em seu amor, Deus é amor. A filosofia do amor, portanto, deve ser a doutrina central.
{Deus est sphaera, cujus centrum ubique, circunferentia nusquam}.

Uma das mais comuns e falsas interpretações desta expressão tem sua raiz na consideração superficial da figura geométrica (do círculo ou da esfera), de acordo com a qual imagina-se Deus (o ponto no meio) como cercado por (fechado por) o mundo (criação), assim como o primeiro, como centro, e o segundo, como periferia, fossem simplesmente dois elementos constituintes de um e mesmo X. Dificilmente se poderia dizer algo sobre a natureza de tal coisa, tal je ne sai (sic) quoi ou indiferença espinozística, posto que não seria nem Deus nem criatura. Em tal caso, não poderia haver questão de um Deus super-mundano ou livre-de-mundo; de fato, Deus realmente consistiria de algo que é feito centro simplesmente pelo mundo e pela criação, enquanto é Deus que toma este último em seu próprio centro, porque todas as coisas são imanentes em Deus… (p. 113)