Bem-aventurados os que choram [ASIEC]

A significação banal desta bem-aventurança consiste em considerar os afligidos que derramam lágrimas por conta de seus infortúnios, e pensa-se que assim serão consolados, não se sabe bem como. Do ponto de vista psicológico, não dá para entender; por aí pode-se até dizer muitas besteiras, desde aqueles que se consolam facilmente até aquele que são inconsoláveis.

A verdade é totalmente outra: aqueles que choram, são aqueles que têm o que se chama o “dom das lágrimas”, o que se chama também em espiritualidade a “compunção do coração” (v. penthos). Normalmente nosso coração é como uma pedra, o que as Escrituras nomeiam o “endurecimento do coração” (YHWH endureceu o coração do Faraó). O fogo do Amor Divino não pode penetrar esta pedra. Esta abandona a ela mesma, acaba por se friccionar de tal maneira e por se tornar : a alma dispersa, se espalha em todas as espécies de consolações ou “alimentos terrestres”; é o que se pode chamar com Pascal o entretenimento, enquanto a verdadeira consolação está alhures! Mas esta, que é evidentemente divina, não pode ser percebida senão somente quando o antes ou simultaneamente o “coração se liquidifica”: é a significação do dom das lágrimas ou da compunção do coração. Então somente este líquido pode se inflamar ao contato do Fogo divino.

No entanto importa notar que não se trata de um líquido qualquer, mas de uma espécie de “óleo” capaz de se inflamar. Um episódio do AT, no Segundo Livro dos Macabeus, é bastante sugestivo a este respeito: sacerdotes, tendo tomado do fogo do altar, o ocultaram em um poço, e muito tempo depois, encontrou-se em lugar deste fogo um “água espessa”. Tendo aspergido a madeira depositada sobre o altar com esta água, quando o sol apareceu, um grande braseiro se iluminou. Em seguida, espalhou-se o resto da água em grandes pedras, e uma chama aí se acendeu, e o líquido do consumido (2Mac I, 22-31).

Este óleo tem por função significar e realizar que nossa alma que deve se tornar como este óleo, este líquido suscetível de se inflamar, e quando declaramos que aqueles que choram são bem-aventurados, quer dizer que seu coração endurecido se liquidificou para que possam ser “consolados”: consolados significa então confortados, consolidados, efeito também da Santa Crisma, dos Santos Óleos, quando da Confirmação ou do Sacramento dos Doentes.

A doçura ou ternura é uma espécie de permeabilidade, que, precisamente, a dureza do coração tornaria impossível. Ela magnificamente representada pelo ícone de Nossa Senhora de Vladimir, com uma variante no ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. A Virgem de Ternura (Eleousa) aperta o Menino-Jesus contra ela, e o Ícone nos mostra a ternura recíproca de Deus para o homem e do homem para Deus: “Tu que mas minha alma”, diz Gregório de Nissa.

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O fervor é uma espécie de energia contida, sem agitação, que se traduz pela Oração pura, a Oração do Coração, a Invocação do Nome de Jesus: “Teu Nome é um óleo espalhado”, diz o Cântico dos Cânticos.

Para terminar uma citação de um certo Teofano:

No princípio vem a oração soberanamente pura
De onde procede um calor no coração,
Em seguida uma estranha e santa energia,
Seguida das divinas lágrimas do coração
E a paz… de todos os pensamentos
De onde brota a purificação do espírito
E a contemplação dos mistérios divinos
… E uma iluminação do coração… Amém

[ASIEC]