Autoridade (Mt XXI,23-27; Mc XI, 27-33; Lc XX, 1-8)

LOGIA JESUS — AUTORIDADE (Mt XXI,23-27; Mc XI, 27-33; Lc XX, 1-8)

EVANGELHO DE JESUS: Mt 21:23-27; Mc 11:27-33; Lc 20:1-8


Michel Henry: EU SOU A VERDADE [MHSV]

A fim de expôr de maneira correta o discurso à primeira vista estupendo que o Cristo tem sobre ele mesmo e que constitui o coração do Novo Testamento, convém responder claramente à questão prévia: quem tem este discurso e enfim de que direito? É precisamente a questão que os judeus colocam ao Cristo.

Eis portanto a questão dos “judeus”: «Como (Jesus) circulava no templo, os grandes sacerdotes, os escribas e os Anciãos vieram a ele e eles lhe disseram: “De que direito fazes isso, ou quem te deu este direito aí, para isso fazer?”» (Mc 11,27-30). Sabe-se por qual desvio, os remetendo a uma questão que os embaraçava: «O batismo de João era do Céu ou dos homens?» — a ponto que eles preferem se calar: «Nós não sabemos» —, o Cristo se dispensa esta vez de lhes responder ele mesmo: «Eu também, não vos direi de que direito faço isso». Dois traços, neste enfrentamento que se repetirá sob uma forma mais e mais tensa e finalmente trágica, são particularmente notáveis: por um lado, a pertinência da demanda que remete infalivelmente do direito de fazer o que faz o Cristo à natureza daquele que tem ou que não tem este direito; por outro lado, a esquiva do Cristo diante desta interrogação no entanto essencial: logo quem és tu, e isso para te arrogar um tal direito? Ou ainda: «Quem pretendes ser?» (Jo 8,53). E enfim, na sua última formulação por Pilatos desta vez: «De onde és tu?» (Jo 19,9).

Que a resposta seja em um primeiro tempo eludida e depois sem cessar diferida, envelopada em parábolas, entregue de maneira fragmentária, indireta, enigmática, antes de ser acenada de um golpe em uma brutalidade extrema, pode-se ser tentado a explicá-la por motivações que pertencem ao mundo e à ordem dos afazeres humanos. Formulada em sua nudez, tornada enfim transparente na medida que se possa fazer e privada de equívoco, o dizer do Cristo sobre ele mesmo significará sua condenação à morte. Compreende-se então que este dizer sobre si tenha sido retardado tanto tempo quanto o Cristo o estimou necessário para realizar sua missão. Somente, explicado desta maneira na luz do mundo e esclarecido por ela, o dizer sobre si do Cristo se torna grandemente ininteligível. E isso porque a Verdade da qual fala o Cristo e que ele a apresenta bem mais como sua própria essência, não é precisamente aquela do mundo mas uma Verdade que nada tem a ver com este.

Do ponto de vista do mundo a condenação do Cristo é perfeitamente compreensível, bem mais ela é legítima. Do ponto de vista do mundo, o Cristo é um homem e, na medida que seu discurso sai de sua dissimulação inicial para se produzir em plena luz, o que ele afirma sobre ele mesmo aparece insensato ou escandaloso. Eis um homem que declara ser nascido antes de um outro, na ocorrência Abraão, que o precede de alguns séculos na história; que pretende poder fazer que o que é não seja, que o que não é seja — perdoar os pecados, ressuscitar os mortos; que pretende jamais morrer e, para completar, que se identifica simplesmente a Deus. Proposições insensatas não porque contradizem o senso comum ou as crenças de uma sociedade dada. Mas porque desafiam as estruturas fenomenológicas do mundo ele mesmo, a maneira pela qual ele se faz mundo em aparecendo como tal, por exemplo a temporalidade deste mundo, sua irreversibilidade — o Cristo dizendo não estar preocupado nem pela primeira nem pela segunda.

Quem é portanto este cujo dizer sobre ele mesmo, em ruptura com tudo o que sabemos do mundo, permanece inconcebível sobre o esclarecimento deste último? Uma única resposta: é na condição de escapar, com efeito, às estruturas fenomenológicas do mundo que o Cristo pode dizer dele tudo o que diz. Somente sua condição de Arque-Filho transcendental co-gerado na auto-geração da Vida absoluta é suscetível de legitimar asserções que não convém em todo rigor senão a Deus. E é bem o que nós temos sob os olhos, em João notadamente. A auto-designação do Cristo como Filho de Deus só faz em efeito comentar sua condição de Arque-Filho tal que uma fenomenologia radical da vida por estabelecê-la, enquanto que, aplicada a um homem deste mundo e vindo dele, ela apareceria simplesmente absurda e demente, como ela o foi ao olhos dos religiosos de seu tempo e como ela o seria ainda bastante para os homens de hoje em dia se por acaso lhes viesse à ideia lhe prestar atenção. A que ponto a auto-designação do Cristo como o Arque-Filho só é a transcrição imediata de sua condição, é o que é possível estabelecer ponto por ponto. Surgem então uma série de tautologias fundamentais, as tautologias fundadoras da vida que chamaremos também as implicações decisivas do cristianismo e que se trata aqui de pô-las na ordem que as torna compreensíveis.