Antonius Deserto

Santo Antão — A Vida de Santo Antão — Santo Atanásio
3.1- Antão busca o deserto e habita em Pispir (banda oriental do Nilo)
No dia seguinte ele se foi, inspirado por um zelo maior ainda pelo serviço de Deus. Foi ao encontro do ancião já antes mencionado (3,5) e rogou-lhe que fosse viver com ele no deserto. O outro declinou o convite devido à sua idade e porque tal modo de viver não era costume. Então ele se foi sozinho para a montanha. Aí estava, entretanto, de novo o inimigo! Vendo sua seriedade e querendo frustrá-la, projetou a imagem ilusória de um grande disco de prata sobre o caminho. Antão, porém, penetrando o ardil daquele que odeia o bem, deteve-se e, mirando o disco, desmascarou nele o demônio, dizendo: “- Um disco no deserto? De onde vem isto? Esta não é uma estrada freqüentada e não há sinais de que haja passado gente por este caminho. É de grande tamanho e não pode haver caído inadvertidamente. Em verdade, ainda que fora perdido, o dono teria voltado a procurá-lo, e seguramente o haveria encontrado, pois esta região é deserta. Isto é engano do demônio. Não vás frustrar minha resolução com estas coisas, demônio! Teu dinheiro pereça contigo!” (cf At 8,20). E ao dizer isto Antão, o disco desapareceu como fumo.

12. Logo, enquanto caminhava, viu de novo, não mais outra ilusão, mas ouro verdadeiro, espalhado ao longo do caminho. Pois bem, seja que o próprio inimigo lhe tivesse chamado a atenção, ou fosse um bom espírito que atraiu o lutador, ficou demonstrado ao demônio que ele não se preocupava nem sequer das riquezas autênticas; ele próprio não o indicou, e por isso não sabemos nada senão que era realmente ouro o que ali havia. Quanto a Antão, ficou surpreendido pela quantidade que havia, mas passou por ele como se fora fogo, e seguiu seu caminho sem olhar para trás. Ao contrário, pôs-se a correr tão rápido que em pouco tempo perdeu de vista o lugar e dele desapareceu.

Assim, firmando-se sempre mais em seu propósito, apressou-se em direção à montanha. Em lugar distante do rio encontrou um fortim deserto que com o correr do tempo achava-se infestado de répteis. Ali se estabeleceu para viver. Os répteis, como que expulsos por alguém, foram-se de repente. Bloqueou a entrada, e depois de enterrar pão para seis meses — assim o fazem os tebanos e muitas vezes os pães se mantêm frescos por todo um ano — e tendo água perto, desapareceu como num santuário. Ficou sozinho, não saindo nunca e não vendo ninguém passar. Por muito tempo perseverou nesta prática ascética; só duas vezes por ano recebia pão, que lhe deixavam cair pelo teto.

13. Seus amigos que vinham vê-lo passavam a miúdo dias e noites fora, pois não queria deixá-los entrar. Ouviam barulho dentro como de multidão frenética, fazendo ruídos, armando tumultos, gemendo lastimosamente e dando guinchos: “Sai de nosso domínio! Que vens fazer no deserto? Tu não agüentas nossa perseguição!” A princípio, os que estavam fora criam haver homens lutando com ele e que haviam entrado por escadas, mas quando espreitaram por um buraco e não viram ninguém, deram-se conta de que os demônios é que estavam na coisa, e cheios de medo, chamaram Antão que estava mais inquieto por eles do que preocupado com os demônios. Chegando à porta, aconselhou-os que se fossem e não tivessem medo. Disse-lhes: “Os demônios só conjuram fantasmas contra o medroso. Façam agora o sinal da cruz e voltem a suas casas sem temor, e deixem que eles se enlouqueçam a si mesmos”.

Foram-se, então, fortalecidos com o sinal da cruz, enquanto ele ficava sem sofrer dos demônios mal algum, sem se cansar, nem se alterar na contenda, porque a ajuda que recebia do alto por meio de visões e a debilidade de seus inimigos, davam-lhe grande alívio em suas penas, e ânimo para um entusiasmo maior. Seus amigos vinham uma ou outra vez supondo encontrá-lo morto, mas o ouviam cantar: “Levanta-se Deus e seus inimigos se dispersam; fogem de sua presença os que o odeiam. Como a fumaça, eles se dissipam; como se derrete a cera ante o fogo, assim perecem os ímpios diante de Deus” (Sl 67,2). E ainda: “Todos os povos me rodeavam, em nome do Senhor eu os expulsei” (Sl 117,10).