Julius Evola: Excertos de A TRADIÇÃO HERMÉTICA [JETH]
Diz Tertuliano que as obras da natureza, «malditas e inúteis»; os segredos dos metais; as virtudes das plantas; as forças dos esconjuros mágicos e de «todas aquelas estranhas doutrinas que vão até à ciência dos astros» — quer dizer, todo o corpus das antigas ciências mágico-herméticas —, foram reveladas aos homens por Anjos caídos. Esta ideia aparece no Livro de Enoch; e, no contexto desta tradição mais antiga, a ideia completa-se, traindo assim a unilateralidade própria da interpretação religiosa. Entre os Ben Elosim, os anjos caídos que desceram sobre o monte Hermon, de que se fala em Enoch, e a estirpe dos Veladores e dos Vigilantes — egregoroi — que desceram a instruir a humanidade, do mesmo modo que Prometeu «ensinou aos mortais todas as artes» referido também no «Livro dos Jubileus» como faz notar Mereshkowskij, existe uma evidente correspondência. Mais ainda: em Enoch (LXIX, 6-7), Azazel, «que seduziu Eva», teria ensinado aos homens o uso das armas que matam, o que, deixando de parte a metáfora, significa que teria infundido nos homens o espírito guerreiro. Já se sabe, neste sentido, qual é o mito da queda: os anjos incendiaram-se de desejo pelas «mulheres»; pois bem, já explicamos o que significa a «mulher» na sua relação com a árvore, e a nossa interpretação confirma-se se examinarmos o termo sânscrito çakti, que se emprega metafisicamente para referir-se à «mulher do deus», à sua «esposa», e ao mesmo tempo à sua potenciai20). Estes anjos foram presas do «desejo» pela sua potência (vigor sexual) e, em conjunto, caíram, desceram à terra, sobre um lugar elevado (o monte Hermon): desta união nasceram os Nefelin, uma poderosa raça (os titãs — titanes — como são chamados no Papiro de Giszé), alegoricamente descritos como gigantes, mas cuja natureza sobrenatural fica a descoberto no Livro de Enoch (XV, 11): «Não necessitam de comida, não têm sede e escapam à percepção (material)».
Os Nefelin, anjos caídos, são afinal os «titãs» e «os que vigiam», a estirpe chamada, no Livro de Baruch (III, 26), «gloriosa e guerreira», a mesma raça que despertou nos homens o espírito dos heróis e dos guerreiros, que inventou as suas artes e que lhes transmitiu o mistério da magia.
Ora bem, que prova pode ser mais decisiva, no que respeita à investigação, acerca do espírito da tradição hermético-alquímica, que a explícita e contínua referência dos textos precisamente àquela tradição? Podemos ler num texto hermético: «Os livros antigos e divinos — diz Hermes — ensinam que certos anjos se incendiaram de desejos pelas mulheres. Desceram à terra e ensinaram-lhes todas as operações da Natureza. Foram eles que compuseram as obras (herméticas) e é deles que provém a tradição primordial desta Arte.»