Ambrósio Amigo Importuno

Ambrósio de Milão — Tratado sobre o Evangelho de São Lucas
Obras de San Ambrosio, I, Tratado sobre el Evangelio de San Lucas, Biblioteca de Autores Cristianos (BAC), Madrid, 1966, 655 p., edición bilingüe preparada por el padre Manuel Garrido Bonaño, O.S.B.
Parábola do Amigo Importuno
Tradução de Antonio Carneiro das páginas 386, 387 e 388

87. Se algum de vós tem um amigo e ele vem a meia-noite e lhe diz: Amigo, empresta-me três pães… esta é uma passagem do que se depreende o preceito de que temos de orar em cada momento, não só de dia, como também de noite; com efeito, vês que este que a meia-noite foi pedir três pães à seu amigo e persevera nessa demanda insistentemente, não fica decepcionado no que pede. Mas, que significam estes tres pães? Acaso não são uma figura do alimento celestial ?; e que, se amas o Senhor, teu Deus, conseguirás, sem dúvida, o que pedes, não somente em teu proveito, como também em favor dos outros. Pois, quem pode ser mais amigo nosso que Aquele que entregou seu corpo por nós? David lhe pediu à meia-noite pães e os conseguiu; porque, em verdade, os pediu quando dizia: Levantava-me a meia-noite para louvá-lo (Sal 118, 62); por isso mereceu esses pães que depois nos preparou para nós para que os comêssemos. Também os pediu quando disse: Lavarei meu leito a cada noite (Sal 6, 7); e não temeu despertar de seu sono a quem sabe que vive vigiando.

88. Fazendo caso, pois, às escrituras, peçamos o perdão de nossos pecados com insistentes orações, dia e noite; pois se um homem tão santo e que estava tão ocupado com o governo do reino louvava o Senhor sete vezes ao dia (Sal 118, 164), pronto sempre a oferecer sacrifícios matutinos e vespertinos, que havemos de fazer nós, que devemos rezar mais que ele, posto que, pela fragilidade de nossa carne e espírito, pecamos com mais frequência, para que não falte a nosso ser, para seu alimento, o pão que robustece o coração do homem (Sal 103, 15), a nós que estamos já cansados do caminho, muito fatigados do transcorrer deste mundo e com fastio das coisas desta vida?

89. Não quer dizer o Senhor que tenha de vigiar somente a meia-noite, mas sim em todos os momentos; pois Ele pode chamar pela tarde, ou à segunda ou terceira vigília. Bem-aventurados, pois, aqueles servos aos que encontre o Senhor vigilantes quando venha. Portanto, se tu queres que o poder de Deus te defenda e te guarde ( Lc 12, 37), deves estar sempre vigiando; pois nos cercam muitas insídias, e o sono do corpo frequentemente resulta perigoso para aquele que, adormecendo, perderá seguramente o vigor de sua virtude. Sacode, pois, teu sono, para que possas chamar a porta de Cristo, essa porta que pede também Paulo que se abra para ele, pedindo para tal fim as humildes preces do povo, não confiando somente nas suas; e assim possa ter a porta aberta e possa falar do mistério de Cristo (Col 4, 3). Quiçá seja esta porta que viu aberta João; pois, ao vê-la, disse: Depois destas coisas tive uma visão e vi uma porta aberta no céu, e a voz aquela primeira que havia ouvido como de trombeta me falava e dizia: Sobe aqui e te mostrarei as coisas que hão de suceder (Apoc 4, 1). Em verdade, a porta foi aberta para João, e aberta para Paulo, com o fim de que recebessem os pães que nós comeremos. E, com efeito, este perseverou chamando à porta oportuna e inoportunamente (2 Tim 4,2) para dar nova vida, por meio da abundância do alimento espiritual, aos gentios que estavam cansados do caminho deste mundo.

90. Esta passagem, primeiro por meio de um mandato, e depois através do exemplo, nos prescreve a oração frequente, a esperança de conseguir o pedido e uma espécie de arte para persuadir a Deus. Em verdade, quando se promete uma coisa, deve-se ter esperança no prometido, de maneira que se preste obediência aos avisos e fé nas promessas, essa fé, que, mediante a consideração da piedade humana, logra enraizar em si-mesma uma esperança maior na bondade eterna, ainda que tudo, desde que se peçam coisas justas e a oração não se converta em pecado (Sal 108, 7). Tampouco Paulo teve vergonha em pedir o mesmo favor repetidas vezes, e isso com objetivo de que não parecesse que desconfiava da misericórdia do senhor, o que se queixava com arrogância de que não havia obtido o que pedia em sua primeira oração; pelo qual — disse — roguei três vezes ao Senhor (2 Cor 12, 8); com isso nos ensinou que, com frequência, Deus não concede o que se pede à Ele pela razão de que sabe que, o que cremos que nos vai ser bom, vai nos resultar prejudicial.