EVANGELHO DE JESUS: CEIA; COMER MINHA CARNE E BEBER MEU SANGUE; EUCARISTIA; CORPO DE CRISTO; TRANSUBSTANCIAÇÃO; Mt 26:26-30; Mc 14:22-26; Lc 22:14-20
Roberto Pla: Evangelho de Tomé – Logion 60
- A crítica bíblica esclarece que os relatos de Mateus e Marcos, muito coincidentes entre si, provêm provavelmente da tradução palestinense que Pedro levou a Roma, enquanto que Lucas e Paulo, parecem seguir a linha expositiva, segundo a tradição denominado étnico-cristã, que Paulo propagou nas viagens de missão. O relato paulino consiste em uma leitura precisa, embora abreviada para fins de catequese, e somente Lucas conserva as duas fases da Ceia que a boa inteligência do relato exige. Por outra parte, a abreviação que aparece no códice D, e em vários manuscritos da Vetus latina, os quais não levam o vv 19b-20 de Lucas, permitem aventurar que pelos mesmos motivos, as narrações de Mateus e Marcos sofreram uma abreviação semelhante e, como consequência, que nos evangelhos primeiro e segundo se fundiram em um só pão e um só cálice o alimento de despedida terrena e o de ingresso no Reino celeste, embora em troca de deixar aberta a incongruência, o fato impossível, de que o Cordeiro de Deus coma e beba sua própria carne e seu próprio sangue depois de imolado.
Segundo o evangelho lucano, depois de confessar Jesus sua forte ânsia de comer essa Páscoa de despedida antes de sua Paixão,1 e após ter repartido, bendito e compartilhado o pão e o vinho com todos, assegurou quanto ao pão — o pão de vida eterna —: “já não o comerei mais até que ache seu cumprimento no Reino de Deus” (Lc 22,16)2
Com isto conclui a refeição de despedida de Jesus (Cristo manifesto) e o que Lucas relata em continuação é o primeiro convite celeste no reino messiânico consumado, e pertence ao Cristo oculto espiritual, no qual se efetua, durante o convite, a imolação do Cordeiro de Deus. Por isso, nenhuma carne nem o sangue dos quais Jesus fala a partir de agora, na ceia, depois da ceia, são símbolo ou figura da carne e sangue de Jesus, senão sua carne e sangue verdadeiras segundo seu espírito.
Toda interpretação figurada ou simbólica a respeito da carne ou ao sangue de Cristo fica excluída em qualquer dos quatro relatos, posto que Jesus diz: “Este é meu corpo, este é meu sangue”, e não diz: este “pão” é meu corpo, este “vinho” é meu sangue. Mas há que descartar qualquer olhar unilateral que somente estime como protagonista ao Cristo “manifesto”. Quem reparte o pão e o vinho no banquete sacrificial que Lucas menciona (o cálice o oferece “depois de cear”), é o Cristo “oculto”, espiritual, “só” espiritual, quer dizer, o Cordeiro de Deus, cuja carne e sangue são, com efeito, seu corpo e sangue verdadeiros, enquanto o pão e o vinho do começo da refeição pascal são figura representativa manifesta, visível, do alimento real, invisível, que de si mesmo reparte logo “em espírito”, o Cordeiro de Deus.
René Guénon
De fato, o Santo Graal é o cálice que contém o precioso Sangue de Cristo, e duplamente, visto que serviu primeiro para a Santa Ceia e depois, com ele, José de Arimateia recolheu o sangue e a água que escorriam do ferimento aberto pela lança do centurião no costado do Redentor. Esse cálice, portanto, substitui de algum modo o Coração de Cristo, como receptáculo de seu sangue; toma, por assim dizer, seu lugar e torna-se um equivalente simbólico. Nessas condições, não fica ainda mais notável que o vaso tenha sido anteriormente um emblema do coração? Além disso, o cálice, sob uma ou outra forma (taça, copa), do mesmo modo que o coração, desempenha um papel bastante importante em muitas tradições antigas.
A Vulgata explica a Páscoa como o “trânsito”, embora talvez seja mais próprio “o salto”. De qualquer maneira, ao dizer Jesus que com ânsia havia desejado comer a última Páscoa, do que fala é de seu anelo de culminar em si mesmo com sua própria Paixão, Morte e Ressurreição o processo, ou sinal único prometido a esta geração (a de Jonas) e cujo último tramo glorioso consiste em “subir ao Pai”, como assim foi. ↩
Jesus havia comido inteiramente o pão de vida eterna e esta vida encontrava cumprimento no Reino de Deus. ↩