Fílon de Alexandria:
Intelecto (noûs) y sensibilidad (aisthesis) son, respectivamente, la parte superior del alma y del cuerpo; pero pueden designar también globalmente las dos esferas contrapuestas. Exegéticamente, son Adán y Eva creados al inicio por Dios. En la relación de ambos se juega el sentido de lo humano.
Roberto Pla: Evangelho de Tomé – Logion 106
Outro “dois”, ilustre também porque arranca dos dias do Jardim do Éden, é o “dois” da alma consigo mesma. Ao homem o toca convertê-lo em “um”, e não sem sofrimento, durante sua estadia no mundo, para alcançar o Dia terceiro, o de sua saída ou ressurreição, tal como se diz que saiu Jonas do cetáceo.
Nesse capítulo segundo do Gênesis se conta “em enigma”, nada fácil, muito críptico, que para desvanecer o sono profundo da consciência de Adão — se refere ao Adão psico-pneumático, ainda não vestido de pele — tomou Deus “osso de seus ossos e carne de sua carne”, e com ele isso fez que uma parte dessa consciência que só se manifesta como “varão”, fosse “mulher”. Com a posse desta adquirida dupla sexualidade de ordem psíquico, teve desde então Adão, a consciência que logo temos todo ser humano e que, segundo se diz, era “a ajuda adequada” para pôr nomes, quer dizer, para reconhecer, pois ficou facultado para isso, a todo o vivente sem exceção.
*A particularidade quanto aos símbolos de sexualidade psico-pneumática usados nas Escrituras para descobrir suas transformações, é a de ser “varão” quando olha ao mundo, à matéria, e por outro lado, a de ser “mulher”, esposa, quando busca ao esposo sagrado, o espírito. Isto conforma os dois modos ou “noites” místicas da alma, “ativa” quando se afirma, e “passiva” quando se nega a si mesma e se entrega. O último ato desta entrega, que culmina na humildade completa, é a que converte à alma pura em “mãe virginal” do Cristo absoluto e preexistente. Para o Evangelho de Tomé, este “mistério”, que consiste em passar de ser “mulher”, esposa que “adora” ao espírito, à “mãe” do Filho de Deus recém-nascido nela é o relato da transmutação da consciência, a qual, a consciência, deixa de ser mulher para converter-se em varão. Mas esta última transformação teremos ocasião de estudá-la, pois é o fim da obra reservada ao homem.
Em alguns textos cristãos primitivos, chamados agora gnósticos, esta “mulher”, sacada de um osso da alma somente varão, foi descrita como “a reflexão luminosa”; com isso se explica que o que pretendia indicar o redator sagrado era que a contrapartida feminina de toda consciência é a luz indireta do conhecimento que lhe chega da alma desperta. Sem dúvida essa volta sobre si mesma, a reflexão, para a qual todos comprovamos que, com efeito, aparece dotada nossa consciência, é o que distingue ao homem das outras espécies animais, o que a acredita e distingue como racional.
Mas a capacidade reflexiva converte à consciência em um “dois” em que se divide seu seio unitário; um “dois” que se olha a si mesmo e pelo qual descobre sua desnudez de conhecimento na solidão de ser esse dois separado, afastado das outras consciências da totalidade do mundo.
Tal é o drama e também a glória da alma; o que a condena à solidão, e o que a move a recuperar o “um” perdido. Mas a alma se abre a possibilidade de conhecer o bem e o mal, pois a reflexão proporciona a ciência, para fazer-se “um” em Deus. Isto é o que afirma o Deus do paraíso: Veio a ser com um de nós”.
Essa mesma porta aberta de poder e liberdade, leva à alma, afastada, a criar com a sombra que com sua própria luz reflexiva olha em si mesma, o eu, uma paródia do Deus verdadeiro que a reflexão desconhece, um “Deus inversus” que durante a vida do homem exerce seu duro sortilégio mundano.
Esta é a serpente antiga, a que trouxe a maldição da sentença e a qual Jesus denomina Satã, o Adversário de Deus, pois em suas funções de ser o eu psicológico, o núcleo aparente da alma, para a qual se disfarça de anjo de luz, resulta ser o inimigo mais forte do verdadeiro nome de Deus. Este nome, o de Deus, é, como é sabido, o Eu real e absoluto, da natureza não psíquica senão espírito e verdade, tal como se anuncia em sua revelação: “Eu sou o que sou”.
Um dos sobrenomes da serpente antiga é o de “Príncipe deste mundo”, e ao denominá-lo assim confirma Jesus que é um princípio, o do mal, o da ignorância do bem, mas que sua sobrevivência não alcança ao “antes” da criação, nem supera o tempo que ocupe a consumação do mundo.
Com efeito, quando no quarto evangelho anuncia Jesus a proximidade da glorificação do Pai, o que notifica “é que o Príncipe deste mundo será lançado fora”. Isso que dizer que será reconhecido, descoberto por todos, e que o simples fato de que seja reconhecido, é bastante para dissipá-lo como fumaça.
Ao fio do relato evangélico, o que vai ocorrer é que no curso da Ceia pascal denunciará Jesus a traição de Judas, o qual como se disse, foi tomado segundo a hermenêutica oculta do evangelho, como “figura” de Satanás, o qual “entrou nele”, em Judas. Quando Judas saiu logo do cenáculo, “para prontamente fazer o ia fazer”, sabemos que com este acontecimento havia chegado ao ato último da “grande tribulação”, esse ato com o que culmina a primeira trama da Paixão e no qual cumpre Jesus a vitória maior, pois diz: “Agora foi glorificado o Filho do Homem e Deus foi glorificado nele”.
O que tenta explicar tudo isto é que quando a consciência denuncia como falsário a esse eu psicológico que até então era tomado como o pai verdadeiro, o que faz com isso é derrubar ao Adversário de Deus em seu reduto e, em consequência, por esse mesmo ato, glorificar ao Deus verdadeiro e único; o Ser que só pode ser reconhecido mediante a realização direta interior, em espírito e em verdade, do que se indica pela locução veterotestamentária: “Eu sou o que sou”.
Agora se compreende que na consumação final dos céus e da terra, o príncipe do mundo será lançado fora, nas trevas exteriores que são o nada, e dissipado e gastado como o mundo. No individual, a consumação de cada homem tem como ponto de partida o ato superior de denunciar e condenar ao adversário ante sua própria consciência, porque esse ato é em si mesmo a Glorificação de Deus e o começo da própria liberdade.
O apóstolo tenta explicar isto mesmo em termos que denotam que tal denúncia e condenação formavam parte de sua ideia acerca do significado da obra de consumação: “Logo será — diz — o fim quando (Cristo preexistente, já manifestado) entregue a Deus Pai o Reino depois de haver destruído todo Principado, Dominação e Potestade”, quer dizer, quando todos os poderes que se opõem à consumação no Reino de Deus tenham sido “lançados fora”.
Hermetismo Cristão
Meditações Tarô
O mesmo podemos dizer das narrativas da queda de Adão e Eva, do dilúvio e da arca de Noé, da torre de Babel etc. Elas são mitos, isto é, são, em primeiro lugar, símbolos históricos referentes ao tempo (simbolismo mitológico), e não símbolos que exprimem a unidade dos mundos no espaço físico, metafísico e moral. A queda de Adão e Eva não revela uma queda correspondente no mundo divino, no seio da Santíssima Trindade, e também não exprime diretamente a estrutura metafísica do mundo arquetípico. Ela é acontecimento particular da história da humanidade terrestre, cujo alcance só cessará com o fim da história humana; numa palavra, ela é verdadeiro mito.