epiousios

Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; O pão nosso de cada dia (epiousios) nos dá hoje; E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores; E não nos induzas à tentação; mas livra-nos do mal; (porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém.) (Mt 6:9-13)

E ele lhes disse: Quando orardes, dizei: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; seja feita a tua vontade, assim na terra, como no céu. Dá-nos cada dia o nosso pão cotidiano (epiousios); E perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a qualquer que nos deve, e não nos conduzas em tentação, mas livra-nos do mal. (Lc 11:2-4)


Dicionário Teológico do Novo Testamento, Coenen, Beyreuther, Bietenhard
Sendo que o pão (gr. artos) era o item principal de comida nas terras bíblicas nos tempos do NT, frequentemente se empregava como sinônimo da comida e da sustentação da vida em geral, além do seu significado literal. O filho pródigo no país distante lembra que os assalariados do seu pai tinham “pão com fartura”, i.é, “mais alimento do que podem comer” (Lc 15:17). Assim, “comer pão” significa “tomar uma refeição” (cf. Is 65:25). Quebrar seu pão para os famintos significa cuidar deles (Is 58:7, 10). Não comer o pão dos outros sem pagar significa trabalhar com as próprias mãos para não ser um fardo para os outros (2 Ts 3:8). Não comer pão nem beber vinho significa viver como ascetas (Lc 7:33). A quarta petição da Oração Dominical (Mt 6:11) se ocupa com “todas as coisas necessárias, tanto para nossa alma, como para nosso corpo” (Catecismo do Livro de Orações da Igreja Anglicana). “Aquele que comer pão no reino de Deus” (Lc 14:15) participará da refeição festiva de regozijo no céu. Jesus, citando Dt 8:3, “Não só do pão vive o homem”, estava Se referindo a coisas materiais em geral, às quais contrapunha o poder da palavra de Deus, que sustenta a vida (Mt 14:13-21 par.).

As histórias da multiplicação milagrosa dos pães para os cinco mil (Mt 14:13-21 par.) e para os quatro mil (Mt 15:32-39 par.), ocasiões nas quais, com poucos pães e dois peixes, foram alimentadas multidões, se acham em seis narrativas. Mostram que Jesus, como o Senhor messiânico, dá o verdadeiro pão da vida. Em João, a história desta alimentação e de Jesus que caminhava sobre o lago é seguida pela revelação de Jesus como pão da vida. Por detrás do conceito do pão da vida há o desejo antigo e generalizado por uma comida que outorga a vida eterna. Isto explica o pedido: “Senhor, dá-nos sempre desse pão” (Jo 6:34). A resposta de Jesus era: Eu sou aquilo que pedem. Aquele que quer participar desta vida eterna deve saber que o próprio Jesus é o pão, e que Ele o dará a todos quantos venham a Ele. Ao dizer assim, Ele Se opõe a todos quantos alegam ser ou ter o pão da vida. Há somente uma possibilidade através da qual a vida se dá ao mundo.. “O pão de Deus é o Revelador, que vem do céu e que dá vida ao mundo” (Rudolf Bultmann, The Gospel of John, 228). Desta forma, a pergunta sobre o sentido e o alvo da vida acha sua resposta.

epiousios. “diariamente”, “de todos os dias”, se vincula com artos na quarta petição da Oração Dominical. Fora de Mt 6:11 e Lc 11:3, acha-se uma só vez, num papiro do quinto século d.C., onde não é nada certo o seu sentido. Além disto, é desconhecido no Gr. secular e na LXX, embora haja nesta última a palavra epiousa, que supõe-se ser uma palavra relacionada. Por isso mesmo, a traduçío e interpretação do termo tem sido assunto de controvérsia desde os tempos mais antigos, mas a tradução “diário” já se acha em Tertuliano (século II d.C.). Do debate prolongado surgem quatro possibilidades.

1. O termo deriva de hè epiousa hèmera, “o dia seguinte” (cf. At 7:26), sendo que epiousa é o part. de epeimi, “aproximar-se”. Jerônimo (c. de 380 d.C.) alega ter visto no Ev. Heb. a palavra màhàr na sua versão da oração; o significado é “o dia seguinte”, “amanha”. Parece, porém, que Mt 6:34 é uma contradição disto: “Não vos inquieteis com o dia de amanhã”. O emprego de epiousa hemera em Pv 27:1, porém, mostra que não significa necessariamente “amanhã”, mas o dia vindouro em geral, que pode ser hoje. Por isso, vários tradutores interpretam Mt 6:11 e Lc 11:3 como sendo alusões ao pão do dia vindouro (e.g. F. V. Filson (BNTC), J. Schniewind, K. H. Rengstorf (NTD. Deve-se lembrar, no entanto, que não há certeza de que o Ev. Heb. seja necessariamente original. Pode ser uma retradução secundária.

2. Orígenes sugeriu que a frase deve ser epi ten ousion (o pão) “necessário para a existência”. Sendo que a língua-mãe de Orígenes era o Gr., não podemos negar a possibilidade linguística da interpretação dele. Pode ser apoiada com referência a Pv30:8, e nos faz lembrar Êx 16:4. Os israelitas deviam colher apenas a quantidade de maná que precisavam para aquele mesmo dia (cf. SB I 420-21). Assim também os discípulos deviam orar diariamente (Lc 11:3) pelo pão necessário à vida.

3. Alguns tomaram a primeira interpretação e procuraram reinterpretá-la em termos da consumação final. O dia vindouro que Jesus tinha em mente não era o amanhã, mas, sim, o grande dia do cumprimento final (cf. J. Jeremias, The Prayers of Jesus, 1967, 98-104). É o dia que Jesus comerá com Seus discípulos o pão da vida, o maná celestial, na eternidade (Lc 22:30; Mt 26:29; Ap 2:17). Os discípulos tinham de orar, pedindo este pão. Os pais da Igreja, semelhantemente, vinculavam a quarta petição com o Cristo que Se oferece como “pão da vida” (Jo 6:35) na Ceia do Senhor. Trs.) assim interpretava Jerônimo, com a palavra “supersubstantialis”). Embora estas dádivas para a salvação possam ser incluídas na quarta petição, não podemos negar, à luz de Mt 6:25-33, que Jesus estava pensando em primeiro lugar no pão terrestre.

4. K. G. Kuhn acredita que o tradutor escolheu a palavra desconhecida epiousios para ressaltar algum aspecto do Aram. (Achtzehngebet und Vaterunser und der Reim, WUNT 1, 1950). Uma reconstrução do equivalente aram. revela uma palavra que tinha um duplo sentido que somente se podia expressar no Gr. ao combinar dois termos (artos) epiousios (“nosso pão”) quanto à necessidade dele para o dia, e semeron, para hoje. Assim, a oração diária pedindo o pão suficiente para o dia não seria meramente uma lembrança constante aos discípulos da fidelidade paterna de Deus. Seria também uma lembrança de que, na era nova, que já começara e cuja consumação poderia ser esperada a qualquer tempo, uma oração pedindo suprimentos para um período mais longo já não poderia preocupar os discípulos. (Uma discussão inteira com a bibliografia se achará em Arndt, págs. 296-7).


Philokalia: Tradução francesa
Pão a vir ou pão supra-essencial, no sentido de que á “mais que o ser do mundo”.


Maurice Nicoll:
La traducción de epiousios se da a veces como super-substancial (el pan nuestro supersubstancial, dánoslo hoy). Pero se basa en una derivación del término griego que damos en la Cuarta Parte de “La Verdad”, y no expresa con claridad las ideas que contiene la palabra original. Es, sin embargo, una traducción mejor que las muchas que han investigado el origen de la palabra diferentemente. Hay versiones que dicen ‘pan para mañana’ y toman la partícula ‘epi’ no como algo que se refiere a un orden o escala, a algo adyacente y encima, sino que se le da un sentido de tiempo. Esto ha causado la sugestión de ‘pan eterno’ o de ‘pan para la vida futura’. La palabra griega traducida por ‘eterno’ no ocurre en la versión griega del “Padre Nuestro”, salvo en lo que le fue agregado y que muy erradamente dice: “por los siglos”, pues su sentido no es el de un tiempo sin fin, sino que se refiere a un orden que está sobre el tiempo.