Orígenes Orientação na Oração

Orígenes — Tratado da Oração

XXXII Orientação na oração

1 Agora, ainda que brevemente, é necessário falar alguma coisa sobre o ponto do céu, para o qual devemos nos voltar para orar.

Como há quatro pontos cardeais — o setentrião, o meio-dia, o ocidente e o oriente — quem é que não admitiria logo que o Oriente claramente manifesta que devemos orar em direção a esse lado, simbolizando a alma com o olhar voltado para a luz verdadeira?

Se alguém prefere orar com os olhos voltados para a abertura da sua porta, qualquer que seja a posição desta, sustentando que a vista do céu tem por si mesmo qualquer coisa de mais convidativo do que a vista das paredes, o que é que se lhe deve responder?

A menos que a sua casa não tenha abertura para o oriente, convirá responder-lhe que é pura convenção a construção da casa voltada para este ou aquele ponto cardeal, mas que, por natureza, a posição em direção ao oriente possui título preeminente, e que o critério da natureza é preferível ao da convenção. Por acaso, aquele que ora no campo não se volta para o oriente, em vez do ocidente?

Se, pois, por motivos tão razoáveis se deve preferir o oriente, por que não fazer isto em todo lugar? Mas basta de falar sobre esse assunto.

Classificação da oração

1 Penso que devo concluir este meu tratado, tocando brevemente em quatro pontos, ou quatro formas de oração, que achei esparsas nas Escrituras. Convém que cada um componha a sua oração, segundo essas normas.

Tais normas são as seguintes:

Em primeiro lugar e no início da oração, é preciso, segundo as forças de cada um, dar glória a Deus por meio do Cristo, glorificado com ele no Espírito Santo, e que é também louvado com o Pai.

Depois disso, segue-se a ação de graças, lembrando os benefícios gerais concedidos a todos os homens e os benefícios pessoais especialmente recebidos de Deus. Após a ação de graças, cada um contrito, se faça severo acusador dos próprios pecados diante de Deus e, em primeiro lugar, deve pedir-lhe a cura e a libertação dos hábitos pecaminosos. Em segundo lugar, pedir a remissão das culpas passadas.

Em seguida a essa confissão, o quarto ponto, a meu ver, é a petição dos bens “grandes e celestes”, particulares e coletivos, pelos familiares e pelos amigos.

No fim, a oração há de concluir-se pela glorificação de Deus, por meio de Cristo, no Espírito Santo.

2 Estes pontos, como dissemos, são mencionados aqui e ali nas Escrituras.

O tema da glorificação se encontra no Sl 103, nestas palavras:

“Bendize, ó minha alma, ao Senhor! Ó meu Deus e meu Senhor, como sois grande!
De majestade e esplendor vos revestis, e de luz vos envolveis como num manto. Estendeis como uma tenda o firmamento, construís vosso palácio sobre as águas. Das nuvens vós fazeis o vosso carro, do vento caminhais por sobre as asas.
Dos ventos fazeis vossos mensageiros, do fogo e chama fazeis vossos servidores.
A terra vós firmastes em suas bases, ficará firme pelos séculos sem fim.
Os mares a cobriam como um manto, e as águas envolviam as montanhas.
Ante a vossa ameaça elas fugiram, e tremeram ao ouvir vosso trovão

A parte mais relevante deste salmo resulta em glorificação do Pai. Quem quiser recolher maior número de exemplos, verá como a doxologia se encontra em muitos lugares da Escritura.

3 Para a ação de graças, adota-se como exemplo uma passagem do segundo livro de Samuel, onde Davi, depois das promessas feitas por Natan, é tomado de espanto pelos dons de Deus e fala nestes termos: “Que coisa sou eu, meu Senhor, e que coisa é minha casa, para que me tenhas amado a tal ponto? mas eu me fiz pequeno diante de Ti, meu Senhor e tu falaste da casa do teu servo em vista de um futuro longínquo! É esta a lei do homem, ó meu Senhor, ó Senhor Deus. Que outra coisa , pode te dizer Davi! Ora, conheces o teu servo, Senhor. Por teu servo fizeste isto, e segundo o teu coração fizeste teu servo conhecer toda esta magnificência, para que tenha com que te exaltar, ó Senhor, ó meu Senhor!” (2 Sm 7,18-22).

4 Exemplo de confissão: “Livra-me de todas as minhas iniquidades” (Sl 38,9). E em outro lugar: “Fétidas e purulentas são as minhas chagas por causa da minha loucura. Estou aviltado e deprimido acima de toda expressão. Todo o dia, me revolvi na tristeza” (Sl 37,6-7).

Um exemplo de petição se vê no Salmo 27: “Não me arrastes com os pecadores, e não me percas com os que praticam iniquidades” (v. 3). Poder-se-iam citar inúmeros textos análogos. Justo é que, depois de ter começado com a glorificação, termine com a glorificação, exaltando e magnificando o Pai em todas as coisas por meio de Jesus Cristo no Espírito Santo a quem seja a glória pelos séculos (cf. Rm 16,27; Ef 3,21).

XXXIV Epílogo

Segundo as minhas forças, caríssimos irmãos aplicados e perfeitos em virtude, Ambrósio e Tatiana, estudei o problema da oração e também a Oração que nos foi transmitida pelos Evangelhos, especialmente o de Mateus. Se vos esforçais por avançar, esquecendo o que deixais para trás e lançando-vos para o que está em frente (cf. Fl 3,13), se rezais por mim, guardo a esperança de que Deus me conceda poder encetar outro tratado sobre estes pontos, mais extenso e com maior profundidade e clareza. Por agora, entretanto, lede este, com indulgência.