Salmo I

Salmo 1

O primeiro salmo reúne os elementos principais da disposição face ao caminho a seguir em termos de trabalho sobre si mesmo. As tentações, a condição do justo do Senhor (árvore entre céu e terra banhada pelas águas da vida), o juízo e o destino dos pecadores, a morte
Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.
*Bem-aventurado: em hebraico ashrei = “em marcha”; deriva da raiz “ashar” que tem por sentido fundamental a marcha, o passo ou passada do homem na estrada, sem obstáculo, que conduz a YHWH Adonai. Este sentido foi perdido na tradução dos LXX, a Septuaginta, onde foi empregado o termo makariotes, “feliz”, “bem-aventurado”, vindo a influenciar as traduções seguintes, assim como o grego do NT. O verbo herbraico ashar e as palavras que dele derivam significam menos a felicidade alcançada que o caminho que a ela conduz, nas medida que este permite chegar a Deus. A primeira palavra que abre os Salmos refere-se a um homem em marcha rumo à theosis, com ênfase nesta marcha, nesta transformação (metanoia), mais que na felicidade (v. makariotes) assim alcançada.
*Este homem enfrenta em sua marcha tentações, que neste verso do salmo se apresentam em três níveis, resumindo de certa maneira os níveis descritos pelos padres da Philokalia ‘no tocante à tentação (peirasmos) ao pecado (hamartia); os três verbos utilizados definem uma progressão na via do pecado, quanto mais associados estão com os pecadores (em hebraico “rasha” = criminosos), de diferentes níveis também: ímpios, pecadores e escarnecedores.
**andar nos conselho dos ímpios: seria dar atenção e seguir a sugestão (peirasmos) dos ímpios, o conselho à concupiscência (epithymia).
**deter-se no caminho dos pecadores: seria mais que ouvir à sugestão (peirasmos), entretê-la (homilia ou syndyasmos)
**assentar-se na roda dos escarnecedores: é o assentimento (synkatathesis) ao pecado, passo definitivo para possessão (prolepsis) e estímulo dos aspectos negativos das paixões (pathos).
Antes o seu prazer está na lei do Senhor e na sua lei medita de dia e de noite.
*prazer: em hebraico o termo seria hephes = desejo, desejo amoroso.
*lei: a Torá hebraica, enquanto tudo que emana de Deus, não apenas o consignado nos escritos revelados.
*medita: em hebraico haga, que seria melhor traduzido por murmurar, como uma leitura cantada do texto e a reflexão que provoca.
*de dia e de noite: na tradição hebraica um dia inicia na noite que o antecede, portanto seria noite e dia.
Ele como árvore plantada junto à corrente de águas que no devido tempo dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha, e tudo quanto ele faz será bem sucedido
*como árvore: este é um símbolo fundamental nas tradições, de imensa riqueza de sentidos; mediadora entre terra e céu, mergulha suas raízes e estende seus ramos, folhas, flores e frutos para o céu; o justo mantém esta folhagem viva…
*plantada junto à corrente de águas: ou melhor, segundo o termo hebraico shatoul = transplantada da ordem natural para a ordem sobrenatural, capaz de receber as águas (outro símbolo fundamental) do Paraíso
Os ímpios não são assim, são porém como a palha que o vento dispersa. Por isso os perversos não prevalecerão no juízo, nem os pecadores na congregação dos justos.
*palha: a casca das gramíneas e de suas sementes, sem qualquer peso ou consistência, levada pelo vento.
*congregação dos justos: assembleia que se dispõe em oposição ao conselho dos ímpios.
Pois o Senhor conhece o caminho dos ímpios, mas o caminho dos ímpios perecerá.
*O contraste dos dois caminhos (vide Salmos Caminhos); um “conhecido” pelo Senhor, no sentido bíblico de intimidade com Deus