Na linguagem filosófica universal o termo metafísica designa a parte superior da filosofia, isto é aquela que pretende dar as razões e os princípios últimos das coisas; tal termo remonta a Andronicus de Rhodes (1 século antes de Cristo) que, editando os escritos de Aristóteles, tomou a iniciativa de classificar sob o título de Meta ta Phisika (após os Físicos) uma coleção de quatorze livros cujo conteúdo parecia fazer logicamente sequência àquele dos livros de física. O próprio Aristóteles havia falado, para designar este conjunto, de Filosofia primeira ou de Teologia.
O objeto próprio da metafísica no peripatetismo, será, nós o veremos, o ser enquanto tal e suas propriedades. Mas esta definição, que S. Tomás manterá, não deriva de maneira imediata da leitura da obra em questão. Um primeiro inventário descobre, com efeito, como que três concepções sucessivas desta ciência; e os liames orgânicos que as ligam entre si não se revelam de pronto. S. Tomás, que tomara consciência plenamente desta ambiguidade, apresenta deste modo, no Prooemium de seu comentário da Metafísica, esta triple concepção:
1º Em oposição às outras ciências, que não remontam senão a causas ou a princípios mais imediatos, a metafísica aparece de início como a ciência das primeiras causas e dos primeiros princípios. Esta definição se liga manifestadamente à concepção geral da ciência, conhecimento pelas causas, que é um dos primeiros axiomas do peripatetismo. A denominação de “Filosofia primeira” refere-se a este aspecto da metafísica que domina no livro A.
2º A metafísica se afirma em seguida como a ciência do ser enquanto ser e dos atributos do ser enquanto ser. Vista sob este aspecto, ela se apresenta como tendo o mais universal de todos os objetos, e considerando as outras ciências apenas um domínio particular do ser. Esta concepção toma corpo no livro da coleção de Aristóteles e parece se impor nos seguintes. É a ela que corresponde propriamente o vocábulo “Metafísica”.
3º Enfim, a metafísica pode ser definida como a ciência do que é imóvel e separado, ao contrário da física e da matemática que consideram sempre seu objeto sob um certo condicionamento da matéria. Deste ponto de vista, sendo Deus a mais eminente das substâncias separadas, a metafísica pode reivindicar a denominação de “Teologia”. Este aspecto prevalece na obra a partir do livro 6.
Este prólogo de S. Tomás é importante demais para não ser lido de perto. A metafísica, a quem cabe reger todas as outras ciências, não pode ter por objetivo senão os mais inteligíveis e não pode ser senão a mais intelectual das ciências. Ora, nós podemos considerar o mais inteligível segundo três pontos de vista diferentes:
“Em primeiro lugar, segundo a ordem do conhecimento. Com efeito, as coisas a partir das quais o intelecto adquire a certeza parecem ser as mais inteligíveis. Assim, como a certeza da ciência ligada à inteligência é adquirida a partir das causas, o conhecimento das causas parece ser o mais intelectual: e, em consequência, a ciência que considera as primeiras causas é, parece, ao máximo reguladora das outras.
Em segundo lugar, do ponto de vista da comparação da inteligência e do sentido; pois, o sentido tendo por objeto os particulares, a inteligência parece diferir dele na medida em que abarca os universais. A ciência mais intelectual é, portanto, aquela que concerne aos princípios mais universais, os quais são o ser e o que é consecutivo ao ser como o uno e o múltiplo, a potência e o ato. Ora tais noções não devem permanecer completamente indeterminadas. . . nem ser estudadas em uma ciência particular… Devem, pois, ser tratadas em uma ciência única e comum que, sendo a mais intelectual, será reguladora das outras.
Em terceiro lugar, do ponto de vista mesmo do conhecimento intelectual. Se uma coisa tem virtude intelectiva pelo fato de que se encontra desprovida de matéria, é necessário que seja o mais inteligível o que é o mais separado da matéria… Ora são mais separadas da matéria as coisas que não apenas se abstraem de tal maneira determinada… mas totalmente da matéria sensível: e isto não sãmente segundo a razão, como os objetos matemáticos, mas do ponto de vista do ser, como Deus e os espíritos. A ciência que trata destas coisas parece, em consequência, ser a mais intelectual e gozar diante das outras do direito de principado e de regência.”
Ciência das primeiras causas e dos primeiros princípios, isto é, sabedoria, ciência do ser enquanto ser, ciência do que é absolutamente separado da matéria, tal se nos revela sucessivamente a metafísica. Iremos retomar cada uma destas concepções a fim de melhor apreender-lhes a envergadura. Neste estudo teremos o cuidado de marcar a ligação de cada doutrina com o movimento geral do pensamento grego. Assim a elaboração aristotélica nos aparecerá, ao mesmo tempo que uma obra de especulação vigorosa, como que a culminância e a síntese da reflexão sobre os princípios dos três séculos que a precederam. (Gardeil)