Nicetas Stethatos — Capítulos Físicos
91. Enquanto nos dedicamos a Deus através de manter os mandamentos ao suor de nossa testa, e desta maneira diminuir as paixões da carne, o Senhor ceia conosco à mesa de Seus dons o pão fortalecedor do coração, de cada dia, que é cultivado através da prática das virtudes. Mas quando por alcançar a apatheia santificamos Seu nome (cf. Mt 6,9), e Ele Ele mesmo reina em todas as faculdades de nossa alma, tendo trazido sob controle e pacificado o que estava em um estado de cisma — tendo, assim dizendo, submetido nossa consciência inferior a nossa consciência superior — e quando desta maneira Sua vontade é feita em nós como é no céu (cf. Mt 6,10), então Ele bebe conosco em Seu reino — que agora é ativamente presente dentro de nós — uma inconcebível nova bebida (cf. Mc 14,25), a bebida da sabedoria do Logo misturada com compunção e o conhecimento dos grandes mistérios. De pronto nos tornamos parceiros do Espírito Santo, transformados através da renovação de nosso intelecto (cf. Rom 12,2), então como Deus Ele irá cear conosco como deuses: pois Ele torna imortal o que Ele tenha feito Ele próprio.
92. Quando a água indomada dos pensamentos carregados de paixão do intelecto tiver sido domada através da presença inabalável do Espírito Santo, e o abismo amargo das indecentes imagens e desejos tiver sido posto submisso através de autocontrole e meditação sobre a morte, então o espírito divino de arrependimento começa a sopra e as águas de compunção derramam; e nosso Deus e Mestre, as canalizando dentro da bacia de arrependimento, lava nossos pés espirituais, fazendo-os merecedores de caminhar nas cortes de Seu reino.
93. O Logos de Deus, tendo assumido carne e dado nossa natureza subsistência nEle mesmo, tornando-se homem perfeito, inteiramente livre do pecado, tem, como perfeito Deus, remodelado nossa natureza e a feito divina. Como Logos do intelecto primal e Deus, Ele uniu Ele mesmo a nossa inteligência, a dando asas de modo que possa conceber pensamentos divinos, exaltados. Porque Ele é fogo. Ele tem com o verdadeiro fogo divino encouraçado o poder irascível da alma contra as paixões hostis e demônios. A aspiração de todo ser inteligente e o repouso do desejo. Ele tem em Seu amor profundamente assentado dilatado o aspecto apetitivo da alma de modo que pode partilhar as bençãos da vida eterna. Tendo assim renovado a integralidade do homem nEle mesmo, Ele o restaura em um ato de re-criação que não deixa bases para qualquer reprovação contra o Logos-Criador.
94. Desempenhando nEle mesmo o mistério sagrado de nossa re-criação, o Logos oferece Ele mesmo em nosso nome através de Sua morte na cruz, e Ele continuamente oferece Ele mesmo, dando Seu corpo imaculado para nós diariamente como um banquete nutridor da alma, de modo que o comento e bebendo Seu precioso sangue podemos através desta participação conscientemente crescer em estatura espiritual. Comunicando em Seu corpo e sangue e remodelado em uma forma mais pura, somos unidos ao Logo duplamente divino-humano de duas maneiras, em nosso corpo e em nossa alma deiforme; pois Ele é Deus encarnado cuja carne é a mesma em essência que nossa própria. Assim não pertencemos a nós mesmos, mas a Ele que nos uniu a Ele mesmo através desta ceia imortal e nos fez por adoção o que Ele El mesmo é por natureza.
95. Se, então, testado nos trabalhos da virtude e purificados pelas lágrimas, avançamos e comemos deste pão e bebemos deste cálice, o Logos divino-humano em Sua gentileza é comisturado com nossas duas faculdades naturais, com nossa alma e corpo; e como Deus encarnado, uno conosco em essência com relação a nossa natureza humana, Ele nos remodela totalmente nEle mesmo, integralmente nos deificando através do conhecimento divino e nos unindo com Ele mesmo como Seus irmãos, conformados a Ele que é Deus coessencial com o Pai. Se, entretanto, somos negados com a materialidades das paixões e assolados com o pecado, Ele nos visita com Seu fogo natural devorador de almas, nos acendendo e nos consumindo inteiramente, e nos separando da vida, não porque em Sua bondade Ele quer assim fazer, mas porque Ele é constrangido a fazê-lo por nossa indiferença e falta de percepção espiritual.
96. Invisivelmente o Senhor aproxima-se de todos aqueles que praticando as virtudes começaram a trilhar o caminho de Seus mandamentos, e Ele os mantém companhia apesar de eles serem ainda imperfeitos em compreensão e ainda inseguros quanto à verdadeira natureza da virtude. Os olhos de sua alma não podem justamente neste momento reconhecer seu próprio progresso, enquanto o Senhor marcha com eles, coopera com eles em seus esforços para ser liberados das paixões, e os assiste no atingimento de toda forma de virtude. Pois embora eles avancem na luta pela santidade, e através da humildade aproximem-se do estado de apatheia, o Logos não os quer vindo a parar, exauridos por seus trabalhos; ao invés Ele os deseja avançando ainda mais e elevando-se ao estado de contemplação. Assim, os tendo alimentado em moderação no pão das lágrimas, Ele os abençoa com a luz da compunção e os abre seu intelecto de modo que podem compreender as profundezas da Escritura Santa e assim perceber a natureza e a essência interior de tudo que existe. Neste ponto Ele abruptamente retira-se deles de modo que se elevem eles mesmos e busquem mais zelosamente aprender o que é significado pelo conhecimento espiritual das coisas e o que é a exaltação que isto traz. Assim aprontados a perseguir este conhecimento mais diligentemente, eles se tornam ministros do Logos em uma maneira ainda mais elevada e proclamam a todos a ressurreição consumada através da prática das virtudes e da contemplação do Logos (cf. Lc 24,13-35).
97. O Logos justificavelmente rechaça a lentidão daqueles que gastam seu tempo na prática das virtudes e não desejam avançar além disto e elevar-se ao mais alto estado de contemplação. «Tolos e lentos de coração», Ele os chama (Lc 24,25) — lentos a pôr sua confiança nEle que pode revelar o sentido da contemplação dos princípios interiores do mundo criado a todos que espiritualmente exploram as profundezas do Espírito. Pois não desejar progredir das lutas iniciais àquelas que são mais avançadas, e passar do sentido «exterior» ou literal da Escritura Santa a seu sentido interior ou espiritual, é um sinal da alma negligente, uma alma com nenhum gosto pelo benefício espiritual e extremamente ressentida sobre seu próprio avanço. Tal alma, posto que sua lâmpada está apagada, será não somente mandada ir e comprar daqueles que a vendem; mas, encontrando a câmara nupcial fechada para ela, ouvirá também as palavras, «Vão embora, não as conheço ou de onde vêm» (cf. Mt 25,9-12).
98. Quando o Logos de Deus entra uma alma caída — como Ele entrou a cidade de Betânia (Cf. Jo 11,17) — a fim de ressuscitar seu intelecto, morto de pecado e enterrado sob a corrupção das paixões, então robusta compreensão e justiça, mergulhou em dor pela morte do intelecto, veio como pranteadores para encontrá-lO, e disseram, «Se tivesses aqui estado conosco, guardando e mantendo vigília, nosso irmão intelecto não teria morrido por causa de pecado» (cf. Jo 11,32). Então a justiça ansiosamente tenderá ao Logos através da prática das virtudes e desejará preparar um meni de várias espécies de durezas; mas robusta compreensão, deixando de lado todas as outras preocupações e empreendimentos ascéticos, devotará a si mesma somente ao trabalho espiritual, agarrando-se ao discurso espiritual do Logos e atenta às intelecções levantando-se de sua contemplação dEle. Assim embora o Logos reconheça a justiça e seu esforço para alimentá-lO generosamente através de várias formas de atividade prática. Ele ainda a rechaça pois sempre estando ansioso sobre tantos trabalhos exteriores e por engajamento no que é apenas de benefício limitado (cf. 1Tim1Tim 4,8). Uma coisa somente é necessária a fim de servir o Logos, e isso é a sujeição, através de trabalhos de virtude, da consciência inferior à consciência superior, e a transformação da propensão da alma para o terrestre em aspiração espiritual. Robusta compreensão, entretanto, o Logos louva, e une com Ele mesmo de uma maneira que está de acordo com Sua natureza, pois foi escolheu «a melhor parte» — o conhecimento do Espírito pelo qual, transcendendo coisas humanas, penetra nas profundezas do Divino. Aqui para seu grande benefício ela busca a pérola do Logos (cf. Mt 13,45-46), vê os tesouros ocultos do Espírito (cf. Mt 13,44), e é preenchida com uma alegria inexpressível que não será tomada dela (cf. Lc 10,38-42).
99. O intelecto que foi morto pelas paixões e de novo trouxe à vida pela presença residente do Logos divino afastou a pedra do túmulo da insensibilidade tórpida e foi liberada do manto de pecado e dos pensamentos corruptos pelos servos do Logos, medo da punição e trabalho ascético. Tendo testado a luz da vida eterna, é liberada em apatheia (cf. Jo 11,38-43). Doravante ela se entrona a si mesmo sobre os sentidos e, tendo em pureza celebrado o mistério da iniciação, consorcia com Cristo o Logos, levantando com Ele da terra ao céu, e reinando com Ele no reino de Deus o Pai, todos seus desejos extinguidos.
100. A restituição que será consumada nos tempos que vêm depois que a dissolução do corpo se tornou claramente evidente mesmo agora, através da inspiração e atividade interior do Espírito, naqueles que verdadeiramente se esforçaram, atravessaram o ponto médio do caminho espiritual, e se fizeram perfeito de acordo com a «medida da estatura da plenitude de Cristo» (Ef 4,13). Sua alegria é eterna, em luz eterna, e sua benção é desse estado final. Pois alegria incessante possui os corações daqueles que nesta vida presente estão justamente lutando o combate espiritual, e a satisfação do Espírito Santo os abraça — uma satisfação que, de acordo com as palavras do Senhor, não será tomada deles (cf. Lc 10,42). Assim aquele que nesta vida presente é privilegiado a experimentar a presença permanente do Paracleto, e através do cultivo das virtudes delicia-se em Seus frutos e é enriquecido por Seus divinos dons, é preenchido com alegria e com todo amor, pois o medo o deixou inteiramente. Alegremente é liberado das amarras do corpo e alegremente transcende o mundo das coisas visíveis, já sendo liberado de seu apego sensorial a elas. Repousa na alegria inexprimível da luz na qual habita todo o que se deleita (Cf. Sal 87,7, LXX), mesmo de seu corpo frequentemente experimenta dor em sua dissolução e no rompimento de sua união com a alma, e sofre de várias maneiras, como uma mulher durante um parto difícil.