Nicetas Stethatos — CENTÚRIAS FÍSICAS
Philocalie des Pères Neptiques, Nicétas Stéthatos, Abbaye de Bellefontaine, 1982, 183 p., ISBN 2.85589.954.0, tradução francesa da 4a. edição grega de Atenas, 1976, sob a responsabilidade de P. Boris BOBRINSKOY e do Grupo de Tradução da PHILOCALIE, este fascículo 4 foi revisto por R.P.Lucien REGNAULT, OSB, monge de Solesmes, introdução e tradução de Jacques TOURAILLE.
Tradução desta versão francesa feita por Antonio Carneiro
41. Nada dá asas às alma em seu amor inclinado em direção à Deus e sua caridade pelos homens, como a humildade do coração, a “compunção” e a oração pura. A primeira quebra o espírito, faz desafogar-se as lágrimas, deixa ver a brevidade da vida humana, e ensina à conhecer a fraqueza de nossas próprias medidas. A segunda purifica de toda matéria a “inteligência”, ilumina o olho do coração e torna a alma toda luminosa. A terceira enfim une todo homem à Deus, lhe permite compartilhar o alimento dos anjos, lhe permite provar a doçura dos bens eternos de Deus, lhe dá os tesouros dos grandes mistérios e, ardente de amor, o persuade de ousar dar sua própria vida por àqueles a quem ama (Jo 15, 13), uma vez que superou os limites da humildade exterior do corpo.
42. Guarda-me o bom depósito (1Tim 6,20) de enriquecedora humildade. Nela se acham os tesouros do amor (cf. Col. 2,3). Nela se conservam as pérolas da “compunção”. Nela o Rei, o Cristo Deus repousa como sobre um trono coberto de ouro, compartilhando os dons de seu Espírito Santo àqueles que ele alimenta, e lhes concedendo suas grandes honras: a palavra de seu conhecimento, a sabedoria inefável (vide: cap.33 in: Stethatos Capítulos Gnósticos 31-40 ), a visão das coisas divinas, a visão profética das coisas humanas, a morte vivificante (vide: A morte do Cristo é uma morte vivificante e o prelúdio da ressurreição: “Mistério da Salvação”) por meio da “impassibilidade”, enfim a união à ele e lhe reina com ele em seu Reino de Deus, o Pai, como ele mesmo lhe ensinou isso dizendo: “Pai, aqueles que me deste, quero que estejam comigo lá onde estou (Jo 17,24).”
43. Quando um homem se dá a pena de colocar em obra os mandamentos e que é levado, de repente, por uma alegria inexprimível, inefável, a ponto de ser transformado pela graça de uma mudança estranha que ultrapassa a razão, de ser desobrigado do peso do corpo, e de esquecer o alimento, o sono e as outras necessidades da natureza, que saiba que está aí nele o advento de Deus, o qual dá a morte vivificante àqueles que combatem e lhes concede aqui em baixo o estado de Anjos. Desta vida bem-aventurada, a humildade é a introdutora; a santa “compunção” é mãe nutridora; a contemplação da luz a amiga e a irmã; a “impassibilidade” o trono; e o fim, a Santíssima Trindade, Deus.
44. Aquele que conquistou esta acrópole não pode mais ser entravado pelos laços de todas as coisas sensíveis. Não considera mais nada as delícias desta vida, não distingue mais o sagrado do profano. Mas, mesmo que Deus faça igualmente chover e levantar o sol sobre os justos e injustos, os maus e os bons (Mt 5,45), também ele mesmo fará levantar e espalhar os raios de amor sobre todos, seu coração não é estreito, carrega em seu seio o amor de todos. Mas, estará incomodado e atormentado de não fazer o bem tanto quanto quererá. Dele sai, como do Éden (Gen 2,10), uma outra fonte de “compunção”, que se divide em quatro correntes: a humildade, a pureza, a “impassibilidade”, a altura da oração sem interrupção. E ela banha a face de toda a criação espiritual de Deus.
45. Aqueles que não provaram a doçura das lágrimas da “compunção”, que não sabem qual é sua graça e qual é sua “energia”, pensam que ela não difere em nada das lágrimas que se verte sobre os mortos. Eles se forjam de todas espécies de outras razões vãs, e pensamento de dúvidas: o que nos chega naturalmente. Ora, quando o orgulho da “inteligência” inclina-se em direção à humildade, quando a alma ela própria fechou o olhar à ilusão do visível e o estendeu em direção a única “contemplação” da primeira luz imaterial, quando derrubou toda a sensação do mundo e recebeu do alto a consolação do Espírito, tão logo as lágrimas escorrem dela como de uma fonte d’água, cobrem de doçura seus sentidos e preenchem seus pensamentos de toda alegria e de luz divina. Enfim, quebram o coração e levam à visão do melhor a humilde “inteligência”. O que é impossível àqueles que se lamentam e se atormentam de outra maneira.
46. É impossível de abrir a fonte de lágrimas sem uma muito profunda humildade do coração, nem de ser humilde sem a “compunção” que nos vem do Espírito, quando este habita em nós. Pois a humildade engendra a “compunção”, e a “compunção” engendra a humildade pelo Espírito Santo. Unidas, uma à outra, em uma mesma graça única, elas tem entre elas, como uma corrente, o laço do Espírito que nada pode romper.
47. A luz que o Espírito ilumina na alma se retira de comum diante da indolência, a negligência, o excesso de palavras e do alimento. O excesso de alimento, a languidez da vida, a intemperança da língua, a imprudência dos olhos, com efeito, são ( dotados ) por natureza para expulsar a luz da alma e a nos tornarmos tenebrosos. Logo que estamos repletos de trevas, todos os animais do campo (Sal 104,11) de nosso coração, e os leõezinhos, os pensamentos apaixonados, virão rugir dentro de nós, desejando os alimentos das paixões, e procurando nos arrebatar (Sal 104,21) o tesouro que o Espírito depositou em nós. Mas, a temperança verdadeiramente bem amada e a oração que nos torna parecido aos anjos, não somente nos permitem que nenhum deles venha rodear a alma, mas, guardam em torno da “inteligência” a luz (vide: Candeia do Corpo ) inextinguível do Espírito, tornam sereno o coração, são a fonte pura da “compunção” divina, abrem a alma ao amor de Deus, e pela alegria e a virgindade lhe unem por inteira ao Cristo todo inteiro.
48. Nada é próximo ao Verbo como a pureza e a castidade da alma. A mãe destas é a temperança bem amada que abraça tudo. E o pai da temperança é o temor. O temor voltado para o desejo e unido ao apelo das coisas divinas, libera a alma de todo medo, a preenche de amor de Deus, e lhe faz nascer o Verbo divino.
49. Em primeiro lugar o temor unido à alma concebe nela pelo arrependimento a razão do julgamento. Logo as dores dos tormentos do inferno o envolvem (Sal 18,6), o coração se fecha, os gemidos e as penas esgotam a retribuição dos vícios esperado no futuro. Depois, após muitas lágrimas e penas, a alma leva a seu termo no seio da “inteligência” o espírito da salvação que ela concebeu, e o faz nascer sobre a terra de seu coração. Está liberta das dores do inferno e liberada das lamentações do julgamento. Em seu lugar recebe o desejo e a alegria dos bens à vir, a pureza bem amada vem ao seu encontro com a castidade, e pelo desejo do amor a une a Deus. Unida à ele, a alma sente nela um prazer inefável. Verte a partir daí as lágrimas da “compunção” com prazer e doçura. Está fora da sensação do mundo inteiro. Como saída dela mesma, segue o esposo e chama inefavelmente: “Vou atrás de ti pelo odor de teu perfume. Diga-me, tu que meu coração ama, onde conduz o rebanho para apascentar? Onde repousas? (Cant. dos Cant. 1,7) Ao meio-dia da pura “contemplação”? Que eu não seja nunca como aquela que foi rejeitada do rebanho dos justos. Que eu descubra perto de ti a luz dos grandes mistérios.” O Esposo faz entrar esta alma no segredo dos mistérios escondidos, e lhe faz contemplar na sabedoria as razões da criação.
50. Não digas em teu coração: caí de tantas formas na corrupção e na demência do corpo, que me é impossível adquirir a partir d’agora a pureza virginal. Pois onde as penas do arrependimento são levadas na vida rude e no fervor da alma, onde a compunção jorra nos rios de lágrimas, lá estão devastadas todas as fortalezas do mal, lá se extinguiram todos os incêndios das paixões, lá se cumpriu todo novo nascimento que vem do alto pelo chegada do Consolador, lá retorna a alma à um palácio de de pureza e virgindade. Nela numa luz e numa glória inefável, Deus que está além da natureza desceu. Ele foi levado no mais alto de sua inteligência como em um trono de glória, e deu a paz às potências que lhe circundam, dizendo: “ Eu vos dou a paz que sobrepõe às paixões adversas. Eu vos dou a minha paz, para que vós procedais segundo a natureza. Eu vos deixo a minha paz (Jo 14,27), para que alcanceis a perfeição, mais alta que a natureza.” Quando por este triplo dom da paz tratou das três partes da alma, quando a elevou até à perfeição trinaria e a uniu à ele, ele a fundiu de novo e a tornou completamente virgem a partir daí, bela e amadurecida em um bom olor de perfumes da pureza. E lhe disse: “ Levanta-te, minha bela pomba, vem para perto de mim pela filosofia ativa. Eis que o inverno das paixões terminou. A chuva de pensamentos que se agradam com o prazer cessou. Ela mesma foi-se embora. As flores de virtudes apareceram sobre o terreno (Ct 2, 12) de teu coração com o perfume dos pensamentos. Levanta-te, vem para perto de mim no meu conhecimento da contemplação natural.Por ela, minha pomba, venha encoberta e na treva da teologia mística, sobre o firme rochedo da fé em mim, Deus.”