Ysabel de Andia Noite

Ysabel de AndiaNOITE ESCURA

Mystiques d’Orient et d’occident

Ysabel de Andia oferece neste livro uma comparação entre São João da Cruz e Isaque de Nínive, partindo sua crença na proximidade deles pelo sentido do absoluto e da cruz. Isaque de Nínive monge nestoriano teve seus escritos vertidos para o grego no século IX na Palestina, e seu lugar na Philokalia russa (vide seleção em Escritos da Philokalia, assim como sua obra teve uma grande difusão na Rússia, onde o próprio Dostoievski o cita nos “Irmãos Karamazov”. Quanto a São João da Cruz, sua obra, pouco conhecida no mundo grego foi difundida na Índia pelos irmãos do Carmo indianos e Henri le Seaux demonstrou sua atualidade para o pensamento indiano.

Se tomarmos a primeira estrofe do poema da “Noite Escura” “No meio da noite”, São João da Cruz escreve:

É preciso saber que, para alcançar o estado de perfeição, a alma de ordinário deve antes de tudo passar por duas noites principais, que as pessoas espirituais chamam purgações ou purificações da alma. Se lhes damos aqui o nome de noites, é que em uma e noutra, a alma caminha como na obscuridade da noite.

A primeira noite é a noite dos sentidos, a segunda, a noite do espírito, a primeira concerne os debutantes, a segunda, os em progresso.

Mas se se distingue diferentes noites é por causa das diferentes potências da alma que elas afetam, todo o itinerário da alma para Deusforma uma única noite, desde o início, a renúncia ao gosto das coisas deste mundo, em seguindo pela “via por onde a alma deve se encaminhar para a união: este meio é a que, ela também, é para o entendimento obscuro como a noite”, até o término, “Deus mesmo, que pode ser visto como uma noite obscura para a alma, enquanto ela está nesta vida”. E São João da Cruz conclui:

“Estas três noites não formam em realidade senão uma só noite”.

É o mistério de Deus oculto que mergulha a alma na noite da e a oculta ao mundo e a ela mesma, reservando o conhecimento daquilo que Ele é e daquilo que ela é à visão beatifica onde o Esposo e a Esposa se verão face a face. A proximidade da visão é a aurora.

Ora este avanço na noite escura, no segundo livro da Noite segue as etapas da Paixão do Cristo, pontuadas pelos grandes salmos da Paixão:

Salmo 68,2: “Salvai-me Senhor, pois as águas me entraram até a alma” exprime uma “destruição da substância mesma da alma” ou uma morte,

Salmo 54,16: “aqueles que descem verdadeiramente totalmente vivos ao inferno”, descida aos infernos,

Salmo 72, 22: “Eu fui reduzido a nada e não sabia (ad nihil redactus sum et nescivi)”, o extinção última.

Ser reduzido a nada” e “nada saber”, tal é a radicalidade da noite escura. Nesciência da alma na passividade do sofrer e no abandono a Deus. O “nada” de São João da Cruz junta-se ao “nihil” do salmista, segundo a Vulgata.

Recuperando um comentário de Orígenes sobre Mateus, Ysabel de Andia, faz esta citação e a examina (vide Andar sobre águas).

Citando Jean Orcibal, Andia considera também que São João da Cruz teria tomado este tema da noite do comentário de Johannes Tauler à pesca miraculosa narrada no Evangelho (vide Pesca Miraculosa). Tauler teria falado de “noite escura e tenebrosa” e teria descrito, a respeito do evangelho da pesca miraculosa como o estado onde “não há mais contentamento com o que se tem, e, o que nos deveria liberar, não se tem ainda…, onde, colocado entre dois extremos, experimenta-se os mais cruéis sofrimentos”; mas eles serão, cedo ou tarde, seguidos pelo dia esplendoroso, pela “natividade divina” que recompensa o perfeito “abandono ao bom prazer divino”.

Quanto a Isaque de Nínive, Ysabel de Andia considera que o mesmo descreve duas noites nos capítulos XLVIII e XLIX de seu Tratados Místicos que correspondem, segundo Hausherr, à noite do praktikos e à noite do gnostikos.

No capítulo XLVIII cujo título é “Sobre as variações que a alma experimenta de luz e de trevas, e sobra a ciência experimental que adquire do que é da direita e da esquerda”, é dito:

Esta hora é plena de desespero e de temor: a esperança em Deus e a consolação da estão completamente apagadas na alma, e está totalmente preenchida de dúvida e de temor”.

Que resta fazer? Dormir!

“A ti, ó homem, te aconselho: se não tens a força de dominar tua alma e de cair sobre tua face na oração, envolve tua cabeça de teu manto e dorme até que passe longe de ti a hora das trevas, mas não saia de tua célula”.

Eis dois avisos para o tempo de perigo:
*o sono que é a atitude dos discípulo em Gethsemani , quando o Mestre “caiu de face contra a terra”, na hora da agonia, e “orou” para que este cálice se afastasse Dele”;
*e a guarda da célula.

O gesto de “envolver sua cabeça de seu manto” torna o monge semelhante ao morto cuja cabeça é envolvida de um sudário. A célula é então o túmulo que não deve ser deixado quando sua alma está em perigo de morte.

O capítulo seguinte é intitulado: “Sobre a treva lúgubre que chega na hesychia àqueles que vivem a vida da gnosis”:

Mesmo se nosso coração está morto neste tempos, e que não temos a menor (possibilidade de) oração, que não saibamos o que dizer por que nenhuma palavra de demanda não nos convém, nem nenhuma súplica, sejamos encontrado prostrados sobre ossa face perpetuamente”.

A última provação é quando o gosto da oração se esvai e o coração ele mesmo é “morte”. Deus se retira. Mas aqui Isaque de Nínive pede ao monge a oração do Cristo em agonia: permanecer “prostrado a face contra a terra” em uma oração perpétua.

Há portanto duas noites que corresponde a dois estados: aquele do “praktikos” e aquele do “gnostikos”. O fim da praxis é a apatheia, quer dizer a liberação das paixões, e aquele da theoria, o estabelecimento do espírito na oração espiritual.

A distinção da praxis e da theoria não corresponde exatamente à distinção de São João da Cruz da noite dos sentidos e da noite do espírito ou das purificações ativas e das purificações passivas.

Evagrio define a uma e a outra em relação ao intelecto (nous).

“A apatheia é a flor da prática, diz Evagrio, e o que concerne a prática, é a guarda dos mandamentos de Deus” (Praktikos). A apatheia é ao mesmo tempo um combate espiritual — “O nous, engajado na guerra das paixões… se assemelha a quem se bate na noite” (Praktikos) — e um “don de Deus” (Centúria I,37).

Quanto à oração espiritual, Evagrio a define como o “estado do intelecto” (katastasis nous)”. Esta definição será retomada por Isaque de Nínive, que a opõe à oração recitativa… Mas os tradutores de Evagrio, dois monges sírios do convento de São Sabas, um centro anti-origenista, no século X, porão sob o nome de Gregório o Grande a citação de Evagrio.

Mas retornemos à noite do “prático” e à noite do “gnóstico”.

Estas duas noites correspondem, em Isaque, a duas crucificações: a crucificação dos sentidos e da vontade, pela ascese, e a crucificação do intelecto, pela oração espiritual. Só após ter sido crucificado ao mundo que o monge pode subir à cruz, com o Cristo, e se tronar “hesicasta”.

Qual é este termo da vida espiritual? É uma vida liberada das paixões, uma vida de união a Deus e de oração perpétua, vida de “oração” carmelitana ou de “oração pura”, segundo Isaque. Vida no Espírito que transforma o homem carnal em homem espiritual.