Tres Adventos

THOMAS MERTON — TEMPO E LITURGIA

O SACRAMENTO DO ADVENTO NA ESPIRITUALIDADE DE SÃO BERNARDO (cont.)

OS TRÊS ADVENTOS

São Bernardo volta com freqüência à idéia dos “três Adventos” de Cristo. O primeiro destes é aquele em que Ele entrou no mundo, tendo recebido a natureza humana no seio da Virgem Maria. O terceiro é o Advento que o trará de volta ao mundo, no fim dos tempos, para julgar os vivos e os mortos, ou melhor, à luz do que já foi dito acima, para manifestar o juízo que os indiferentes atraíram sobre si recusando receber seu amor e sua salvação, que os eleitos aceitaram de sua misericórdia.

O primeiro Advento é aquele em que Ele vem procurar e salvar o mundo que estava perdido. O terceiro é aquele em que Ele vem chamar-nos para junto de Si. (Serm. 4, Adv., n.1.) O primeiro é uma promessa; o terceiro, uma realização. Meditar nesses dois Adventos é dormir entre os braços de Deus com sua mão esquerda amparando-nos a cabeça e a direita abraçando-nos (Cânt 2,6). É também dormir “entre as partes que me couberam por sorte” (isto é, “viver em paz no meio de nossa herança”).

A meditação do mistério dos dois Adventos tor-nar-se-á frutuosa pelas obras de caridade e levará à nossa completa transformação em Cristo. Se vivermos nossa vida à imitação de suas virtudes e de sua Paixão, nossa transformação espiritual levará normalmente a uma total transformação de todo o nosso ser, na ressurreição dos mortos (Filip 3,21) quando “Ele formará novamente esse nosso corpo humilhado, modelando-o à semelhança do Seu corpo glorificado”.1

Os três Adventos de Cristo são a realização da Pascha Christi. Todavia, até agora, só falamos explicitamente no primeiro e no terceiro Adventos. O segundo é, em certo sentido, o mais importante para nós. O “Segundo Advento”, pelo qual Cristo está presente em nossas almas, agora, depende de nosso reconhecimento presente de sua pascha ou transitas, a passagem de Cristo pelo mundo, através de nossas próprias vidas. Meditando nos Adventos passado e futuro, aprendemos a reconhecer o Advento presente, que se processa a cada momento em nossa vida terrena de peregrinos. Nós tomamos consciência do fato de que cada momento do tempo é um momento de juízo, que Cristo está passando por nós e que somos julgados conforme a consciência que temos de sua passagem. Se nos juntarmos a Ele e com Ele caminharmos até o seu Reino, o juízo se torna nossa salvação; mas, se O abandonamos e O deixamos passar, esse abandono se torna nossa condenação! Não admira que São Bernardo não quisesse ignorássemos o segundo Advento, o “medias Adventus”, o “tempo da visitação”.2

No entanto, o Advento do meio é mais um tempo de consolação do que de sofrimento, se refletirmos que aqui, também, Cristo vem realmente a nós, dá-se realmente a nós, de modo que já possuímos nosso céu em esperança.

Esse Advento do meio é o caminho pelo qual passamos do primeiro ao terceiro. No primeiro, Cristo foi nosso Redentor, no último Ele há de aparecer como nossa vida. Neste Advento presente, enquanto repousamos entre a nossa sorte (nossa herança), Ele é nosso repouso e nossa consolação.3

Nada há de inativo nesse repouso. Pode significar, não há dúvida, para nossa atividade natural, ociosidade, escuridão e vazio. Mas, nessa “escuridão”, Deus vem a nós e opera misteriosamente em nós, em espírito e em verdade, para que o fruto de sua obra possa ser manifesto no terceiro Advento, quando Ele vier em glória e majestade.4



  1. Serm. 4, Adv., nn.4-7 

  2. Cf. Serm. 6, Adv., n.1FOONOTE

    Meditar no primeiro Advento dá-nos a esperança da promessa que nos é oferecida. A lembrança do terceiro lembra-nos o temor de podermos, por nossa culpa, deixar de receber a realização da promessa. O segundo Advento, o presente, situado entre esses dois termos, é necessariamente um tempo de angústia e de luta entre temor e alegria. Mas esse é um combate salutar! Termina em salvação e vitória, porque purifica todo o nosso ser. ((Felix conscientia in qua luctamen huiusmodi indesipenter conficitur, donec quod mortale est absorbeatur a vita, donec evacuetur timor quod ex parte est et succedat laetitia quod perfectum est. Serm. 3, Vig. Nat. n.5. 

  3. Serm. 5, Adv., n.1 

  4. Per virtutem enim pervenitur ad gloriam quia Dominus virtutum ipse est rex gloriae. Serm. 5, Adv., n.1