Transfiguração (Mt XVII, 1-13, Mc IX, 2-13, Lc IX, 28-36)

ATOS DE JESUS — TRANSFIGURAÇÃO (Mt XVII, 1-13, Mc IX, 2-13, Lc IX, 28-36)

VIDE: Ícones da Transfiguração


CITAÇÕES DO EVANGELHO DE JESUS: Mt 17:1-13; Mt 9:2-13; Lc 9:28-36


Ysabel de Andia: TRANSFIGURAÇÃO


Roberto Pla: Evangelho de ToméLogion 46

A Transfiguração sucede o questionamento “Que dizem de Mim”, procedendo em um “alto monte”, o que indica a alta espiritualidade, o alto nível de consciência próximo à glória do Pai. Este nível vem também significado pela descrição que dá Lucas da brancura fulgurante das “vestimentas” dos protagonistas. Mateus, no entanto, esclarece ao falar da transfiguração de Jesus: “Seu rosto se pôs brilhante como o Sol e suas vestes brancas como a luz”. Com esta maneira de expressar-se salva muito bem o equívoco que poderia surgir em alguém de que essa brancura refulgente fosse unicamente nas “vestimentas”, quer dizer, nas determinações do Ser e não no Ser, no Eu Sou, em Jesus mesmo.

Segundo a explicação dos evangelistas há que interpretar que os olhos dos três discípulos que acompanham Jesus e que contemplaram aquela inusitada manifestação da “glória”, e que logo foram, sem dúvida, a única fonte de procedência do relato, não eram os olhos “naturais”, pois com estes olhos não veriam a ninguém, além de Jesus somente, quando os alçaram. Aquela luz gloriosa deve ser invisível para os olhos naturais; no entanto, com seus olhos “interiores”, os do conhecimento, permaneceram despertos os discípulos, embora “carregados de sono” (sem a consciência absolutamente desperta nessa região do espírito) e puderam ver a Moisés e Elias. O que viram foi, segundo o relato, a “glória” ou Luz dos dois varões, mas não há dúvida que eles “souberam” por conhecimento interior e sem que ninguém o advertisse, que aquela glória que viam era o Ser real de Moisés e Elias.

Assim pois, dos três personagens supostos pela “gente” e mencionados pelos discípulos, segundo a passagem da profissão de fé de Pedro, como hipótese acerca do Ser de Jesus (vide Que dizem de Mim), resulta, a julgar pelo relato da Transfiguração, que efetivamente estavam ali, integrados na “glória” de Jesus dois deles: Moisés, pois resultou ser, com efeito, ele, o antigo profeta de quem se fala e Elias, que efetivamente, tal como o confirmou mais tarde Jesus, havia retornado, mas não o haviam reconhecido.

Não é necessário notar a ausência de João Batista, pois o que naquele “alto monte” eram o “espírito e poder” (a glória) de Elias, era também sem diferença alguma, o espírito e poder de João Batista. Este “ser o mesmo” é o que anunciou o Anjo do Senhor antes de que nascesse o Batista, posto que ambos não eram duas “glórias” senão uma única que ao longo dos séculos se haviam manifestado duas vezes aos olhos dos homens: primeiro, na pessoa do profeta Elias e logo, em tempos de Jesus, na pessoa de João Batista.

Segundo diz Lucas, o único evangelista que dá esta informação, Moisés e Elias, apareciam em glória (com Jesus) e “falavam de sua partida que estava para cumprir-se em Jerusalém” (Lc 9,31).

A unidade da glória de Jesus, Moisés e EliasJoão Batista devia aparecer tão absolutamente, tão indiferenciável, que Pedro sugere fazer “três” tendas ou “glórias” separadas para que sirvam como “alojamento” para cada um dos três varões. Mas isto o diz, segundo o relato, “sem saber o que dizia”.

  • Ou bem, põem os evangelistas na boca de Pedro esta petição para que resulte bem notório que não havia ali três tendas, ou faces de glória, separadas e independentes, senão uma só, em absoluta unidade.

Pois a glória do Filho do Homem, não é diferente, senão a mesma sempre e em todos os casos.

O Filho do Homem é sempre “uno” porque é total, universal. Por isso diz Jesus no quarto evangelho: “Vosso pai Abraão se regozijou pensando em ver meu Dia; o viu e se alegrou” (Jo 8,56). Outro tanto se pode dizer de Isaías, que “viu sua glória” (e do Filho do Homem) e “falou dele” (Jo 12,41). Também se explica isto segundo a promessa feita a Moisés, pelo Senhor, de que suscitaria “do meio” de cada um de seus irmãos (os filhos de Deus?) um profeta semelhante a ele, isto é, que suscitaria em cada um a glória do Filho do Homem por meio da ressurreição deste dentre os mortos (Jo 12,41).

Malaquias havia dito: “Eis aqui que vos envio o profeta Elias antes que chegue o dia de YHWH”. O dia do Senhor de YHWH é, desde a vertente oculta, o dia no qual o Filho do Homem é “levantado”, quer dizer, renascido, ressuscitado na consciência, o que significa uma ressurreição dentre os mortos (gr. anastasis = levantamento, ressurreição).

Isso o confirma Jesus quando diz que os que creem em quem o enviou, passam da morte para a vida, logo antes estavam mortos, eram mortos-vivos.

A cena da Transfiguração é um ato ilustrativo da vinda do Reino que pode chegar para os que frutificam antes de morrer: “E em verdade vos digo que, dos que aqui estão, alguns há que não provarão a morte até que vejam o reino de Deus.” (Lc 9:27)

É a necessidade de trabalhar interiormente para que se produza esta ressurreição antecipada, o que retornando dos acontecimentos no “alto monte” suscita nos discípulos a pergunta: “Por que dizem os escribas que Elias deve vir primeiro? “. Ou o que é o mesmo, “não se deve produzir a assunção (analepsis) de Elias antes que a ressurreição do Filho do Homem? A resposta de Jesus é firme e muito oculta, por certo: “Certamente, Elias há de vir a restaurar (apokatastasis) tudo (mas) os digo, no entanto, que Elias (João Batista) já veio e não o reconheceram.”