presença do amado

Resta-nos resolver uma dificuldade para justificar a existência da inclinação voluntária. Todo ato de uma potência face a um objeto supõe, assim parece, uma união preliminar com este objeto que o determina. No caso do conhecimento, a especificação do ato se dá graças a uma semelhança que torna o objeto presente na própria faculdade. Parece que não pode acontecer o mesmo com a vontade, pois esta faculdade é atraída pelo objeto enquanto este existe fora dela; falar, neste caso, em semelhança, não será assemelhar, de modo completamente indevido, nossa potência apetitiva às nossas faculdades de conhecimento? Para falar com propriedade, não há, Tomás de Aquino o reconhece, semelhança do objeto na potência apetitiva. Nela se encontra, todavia, uma certa adaptação de ordem afetiva (coaptatio) que resulta do movimento primeiro da faculdade ou do amor. Percebendo um objeto que me convém, ponho-me a ama-lo, e neste amor e por este amor mesmo minha vontade se conforma, de certo modo, a este objeto que se torna efetivamente presente em mim.

“Assim, pois, o que é amado não somente se encontra na inteligência do que o ama, mas ainda em sua vontade, de maneira diferente, porém, em um e outro caso. Na inteligência encontra-se segundo uma semelhança específica; na vontade do amante, como o termo do movimento no princípio motor, o qual se vê adaptado pela conveniência e proporção que estabelece com ele; assim no fogo há, de certo modo, o lugar superior, lugar próprio do fogo, sob a razão de leveza, enquanto este elemento diz proporção e conveniência com um tal lugar.” Cont. Gent., IV, c. 19

Dupla presença em nós das coisas que atingimos cone nosso espírito: por assimilação vital em nossa faculdade de conhecer, por adaptação afetiva na nossa vontade, denunciando uma e outra destas presenças, por seu modo característico, o que há de específico em cada uma de nossas operações superiores. Será proveitoso, para aprofundar mais a questão da adaptação do apetite ao objeto amado, atender para as elucidações dadas pelos teólogos a propósito da processão do Espírito Santo. (Cf. principalmente João de Tomás de Aquino, Curs. Theol., IV, disp. XII, a. 7) (Gardeil)