Bossuet, Jacques-Benigne (1627-1704)
A maior parte dos leitores, inclusive eclesiásticos, somente conservam de Bossuet a fama de sua oratória e seu estilo solene do barroco. A figura de Bossuet, entretanto, continua sendo a de um grande homem de Igreja, um teólogo e pensador que, por causa de sua fé cristã, se enfrenta com quase todos os problemas de seu tempo. Bossuet põe a serviço do cristianismo, entendido como catolicismo, toda a gama de seus dotes como pensador, como orador e como escritor.
Nascido em Dijon em 1627, recebeu nesta mesma cidade uma excelente educação em colégio jesuíta. Em 1642, mudou-se para Paris, onde adquiriu profundos conhecimentos teológicos no Colégio de Navarra, ao mesmo tempo que se impressionou pela obra de apostolado e caridade de São Vicente de Paulo e seus companheiros. Em 1652, ordenou-se sacerdote e doutorou-se em teologia. A partir dessa data, passou sua vida de sacerdote entre Metz e Paris. Em 1670, foi nomeado tutor do delfim do rei da França. Em 1681, foi nomeado bispo de Meaux, cidade na qual viveu até sua morte.
A vida e a atividade de Bossuet podem ser enquadradas em quatro ou cinco grandes fontes de atividade: a pregação, principalmente quaresmal e de orações fúnebres; a controvérsia com os protestantes franceses; a defesa da “Igreja galicana” e direitos do rei; os problemas morais e religiosos de seu tempo e sua filosofia da história.
— A atividade e interesse fundamental de Bossuet está na pregação e na controvérsia. Iniciou-se já nos primeiros anos de Metz onde calaram fundo seu Panegírico do apóstolo São Paulo (1657) e seu sermão sobre A eminente dignidade dos pobres na Igreja (1659). Tornou-se popular como pregador em Paris na década de 1660-1670. Primeiro começou seus sermões quaresmais nas Igrejas dos Mínimos e Carmelitas, depois passou à corte de Luís XTV, para acabar pronunciando as primeiras Orações fúnebres na morte de figuras nacionais importantes. Voltará a essa atividade como bispo de Meaux, já na última etapa de sua vida, pronunciando entre outras a Oração fúnebre do Grande Conde (1687). As orações fúnebres são peças magistrais da oratória francesa: cheias de dignidade, de equilíbrio e de solene grandeza. Da mesma forma que nos sermões da Quaresma, tais orações abundam em citações bíblicas e em suas paráfrases. Procuram a majestade e o pathos do ideal barroco, mas sem cair no exagero nem no maneirismo.
— É importante também, na vida de Bossuet sua controvérsia com os protestantes franceses. Inimigo da perseguição e da tortura, estava convencido da força dos argumentos. Não obstante, apoiou a revogação do Edito de Nantes (1685), proibindo o protestantismo francês. Sua primeira obra de controvérsia com os protestantes foi a Refutação do catecismo de Paul Ferry. Seguiu-a sua obra principal: História das mudanças das Igrejas Protestantes (1688), e depois Avisos aos protestantes (1689-1691). O mais significativo nesta controvérsia com os protestantes é a correspondência de Bossuet com Leibniz, o grande filósofo e ecumenista alemão.
— Mais espinhosa e criticada ainda foi a atuação de Bossuet na controvérsia galicana. Na assembleia geral do clero francês (1681-1682), Bossuet dirigiu seu discurso inaugural e leu sua declaração final dos quatro artigos. Estes afirmavam a independência do rei com relação a Roma, em seus assuntos seculares, e proclamavam que o juízo do papa em matéria de fé não era infalível sem o consentimento da Igreja universal. Não faltou quem visse na atitude de Bossuet uma intenção política de afiançamento do poder “absolutista” do monarca. Seu sentido da moderação e do equilíbrio permitem reconhecer seu triunfo neste caso, assim como no dos jansenistas e “quietistas”. A unidade da Igreja e a sustentação de sua doutrina impulsionaram sempre sua conduta. A partir deste ponto pode-se ver sua intervenção na controvérsia jansenista, sua atuação com os protestantes e sua condenação (1699) de Fénelon, assim como seus escritos contra os “novos místicos” do quietismo. Só foi duro contra a imoralidade do teatro e as formas aberrantes dos místicos quietistas.
— Todavia Bossuet teve tempo para o estudo de problemas filosóficos, políticos e históricos. Em seu Tratado do livre-arbítrio tenta conciliar a liberdade e autonomia do homem com a onipotência e onisciência divina. “Se Deus não respeitasse a liberdade desejada, não só faltaria com o respeito a esta, mas se contradiria a si próprio”. Em seu livro Política tirada das próprias palavras da Escritura, Bossuet atinge sua fama de teórico do absolutismo. Expõe a teoria do direito divino de todo governo legitimamente constituído: expressa a vontade de Deus, sua autoridade é sagrada e qualquer rebelião contra ele é criminosa. Mas ao mesmo tempo recalca a responsabilidade do monarca e dos governantes. No Discurso sobre a história universal coloca-se na linha do De civitate Dei. Contempla a história em seu desenvolvimento universal como realização progressiva de um plano divino, através da ação do homem guiado pela providência. A história universal é a historia da redenção do gênero humano pela redenção de Cristo.
— A figura de Bossuet, no entanto, está permanentemente em julgamento. Talvez o único ponto de acordo seja a excelência de seu estilo e eloquência. Sempre foi discutida, e continua sendo, sua atuação e conduta na política frente ao monarca e ao Estado, e frente aos grupos jansenistas, quietistas e protestantes com quem tratou. Sua ideia central da “imutabilidade da doutrina e da perfeição da Igreja” não teve eco no Concílio Vaticano II.
BIBLIOGRAFIA: Oeuvres completes. Ed. de E. N. Guilleaume. Paris 1877, 11 vols.; Jacques Le Brun, La spiritualité de Bossuet, 1973. (Santidrián)